terça-feira, 13 de março de 2018

O Estado mediador

Cultura de paz
Já se disse que o século XXI seria o das Parcerias e da Mediação, justificando-se a atribuição ao Estado de uma nova função, a de mediador. Conhecemos, no passado, o Estado liberal da Constituição de 1946, e depois, o Estado intervencionista do regime militar. Parece-nos que chegou a hora de uma nova missão para o Poder Público: a de mediar os conflitos para dar-lhes uma solução rápida e eficaz, que nem sempre o Judiciário resolve no tempo da economia, que é diferente do necessário para obter decisões definitivas pela via judicial. 

Depois da tese da liberdade econômica plena, que quando excessiva pode resultar numa sociedade anárquica, e da antítese da disciplina rígida, com a onipotência do Estado, chegamos à síntese. Trata-se do direito que, sempre que possível, deve ser o resultado do consenso, numa economia “concertada”, com uma legislação flexível. Substitui-se o direito imposto pelo direito composto, decorrente da simbiose da vontade das partes, com as concessões necessárias decorrentes de toda parceria. 

Não é só na área tipicamente comercial das relações entre empresas que a mediação pode ser útil e eficiente. O Estado pode ser um catalisador importante nos conflitos entre os vários grupos, encontrando soluções que atendam simultaneamente aos interesses individuais, sociais e públicos. 

Recentemente, o governo e seu órgão jurídico, a AGU, se convenceram dessa transformação, que lhes atribui um novo poder-dever, o de mediar os grandes conflitos, com maior ou menor formalismo. Assim, nos processos que opõem, há cerca de três décadas, os poupadores aos bancos decorrentes da aplicação dos chamados “Planos Monetários”, aos quais as instituições financeiras foram obrigadas a obedecer, uma solução consensual acaba de ser acordada. 

Decorreu, em grande parte, do esforço intenso e continuado da ministra Advogada Geral da União, que conseguiu aproximar as partes, moderar as divergências, e construir soluções que já mereceram parecer favorável da Procuradoria Geral da República e estão aguardando homologação do Supremo Tribunal Federal. 

O caso merece ser enfatizado, pois, num certo momento, os litígios chegaram a ser avaliados em algumas centenas de bilhões de reais e mobilizaram a Justiça, em todo o país, com cerca de um milhão de feitos, que acabaram encontrando solução no recente acordo, cuja razoabilidade decorre do próprio consenso das partes. 

Trata-se também de questão que era de certa forma controversa quanto aos fundamentos jurídicos invocados, pois as instituições financeiras e o Banco Central defendiam o princípio da estabilidade monetária e do poder da União de modificar a unidade monetária ou o índice de sua correção. Entendem que a nova norma editada deveria aplicar-se de imediato aos contratos pendentes. Por outro lado, os poupadores, invocando o Código do Consumidor e a eventual existência de um direito adquirido ao padrão monetário, consideravam que a nova legislação e regulamentação não deveriam alcançar as operações em curso. 

O Judiciário garantiu o sucesso da arbitragem e mediação, e tornou o país um dos mais importantes nos dois setores 

As discussões que abrangeriam os cinco Planos Monetários só se reduziram com a maior sofisticação do Plano Real, mas os litígios quanto aos demais continuaram gerando, ao mesmo tempo, uma forte insegurança jurídica e financeira e uma verdadeira avalanche processual. Caberia ao Supremo Tribunal Federal decidir a matéria, o que só poderia fazer com um quórum específico, que os seus integrantes não estavam alcançando em virtude de divergências entre alguns ministros e de impedimentos de outros. 

A questão teórica não é nova e já tinha surgido em nosso meio na década de 1930, no caso de vedação do uso das cláusulas de pagamento em moeda estrangeira ou em ouro. Mais recentemente, ressurgiu por ocasião das variações do salário mínimo e da discussão da admissibilidade do mesmo como índice de correção. 

Na Europa, os juristas e magistrados se defrontaram com problema similar logo após a Primeira Guerra Mundial e diante de uma inflação galopante que destruiu a moeda na Alemanha e em outros países. Nos Estados Unidos, a aplicação imediata das “gold clauses” proibidas pela legislação do New Deal, levou a intenso debate na Suprema Corte, que só conseguiu ser resolvido por uma votação de 5 x 4 (a maioria a favor da constitucionalidade). É significativo lembrar que, na América do Norte, se a Suprema Corte tivesse que decidir a matéria por maioria qualificada, não teria conseguido uma solução e teria levado o presidente Roosevelt a ter que cumprir a sua ameaça de aumentar o número dos ministros que a compunham. 

Por outro lado, também recentemente, houve progressos no sentido de admitir a colaboração entre o Conselho Nacional de Justiça, o Banco Central do Brasil e a Federação Brasileira dos Bancos, para estabelecer medidas que possibilitassem a defesa dos direitos do consumidor de produtos e serviços financeiros, o estímulo à resolução de conflitos de forma amigável nas causas pré-processuais e judiciais, e a redução das demandas judiciais relacionadas à relação entre o consumidor de serviços financeiros e as IFs do SFN, contribuindo, ainda, para o aprimoramento da atividade regulatória do BC. 

Os resultados das soluções extrajudiciais dos conflitos foram importantes e se fizeram sentir, permitindo a justa comemoração, em 2017, dos 20 anos da Lei de Arbitragem, enquanto a mediação se desenvolvia sob todos os aspectos. O Poder Judiciário garantiu o sucesso de ambos os institutos (arbitragem e mediação), tornando o nosso país um dos mais importantes nos dois setores, em pouco tempo, com uma sensibilidade construtiva, que nos afastou do formalismo, que inspirava alguns dos juristas no passado. 

Assim, o Estado brasileiro, neste crítico momento de nossa História, segue inovando e progredindo, oferecendo à nossa população maior segurança jurídica e um melhor clima de negócios e de investimentos. 

Arnoldo Wald é advogado e professor catedrático da Faculdade de Direito da UERJ.
Roberto Giannetti da Fonseca é economista graduado pela FEA-USP, empresário, presidente da Kaduna Consultoria, Co-Chairman do Lide.

Fonte: Valor Econômico

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