segunda-feira, 31 de maio de 2010

MEDIAÇÃO NA RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS FAMILIARES

No Brasil, o Setor Técnico da Psicologia dos Foros Regionais e Central e os Tribunais de Justiça dos Estados vêm buscando formas menos traumáticas para lidar com os conflitos familiares: é a mediação, na qual o psicólogo procurará, através de reuniões e entrevistas com os membros da família, facilitar a comunicação entre estes, no sentido de buscar uma solução que seja mais adequada e favorável para todos, principalmente no que se refere à preservação dos direitos das crianças e adolescentes. Mas essa função ainda é incipiente no país, e ainda precisa ser ampliada.

Na mediação, o psicólogo atua como terceiro neutro na relação, e não opina, não sugere, não decide e não impõe nada: espera e auxilia que as próprias pessoas encontrem uma solução para o conflito familiar, a partir de diálogos, orientação e entrevistas. Uma vez encontrada a "solução" para o conflito, este passa a ser um compromisso de todas as pessoas envolvidas – até porque essa solução partiu deles mesmos, e não do psicólogo, o que a torna mais autêntica.

Grunspun (2000) propõe a existência de uma nova profissão: a de mediador familiar, ainda inédita no Brasil, mas já difundida em outros países. Segundo ele, o mediador familiar é um profissional voluntário, que deve estar preparado para alcançar um acordo nas controvérsias, conflitos e litígios, junto aos casais e famílias que buscam esse tipo de solução. Sua ação é na comunidade e pode intervir em famílias íntegras em via de separação agindo de forma preventiva, bem como durante ou após a separação, se surgirem problemas para criar e educar os filhos nas novas formas de família. Poderá também ser procurada por indicação do juiz, antes de exarar a sentença para orientação e mediação. Porém, ainda que no Brasil não exista a Lei de Mediação, o mediador passaria a atuar segundo um Código de Ética próprio, que o impediria de utilizar seus conhecimentos especializados para influir nas decisões: ele apenas deve analisar e compreender a estrutura e comunicação inter-familiar, e auxiliar na busca de soluções para os conflitos emergentes.

A importância do mediador familiar se deve ao aumento crescente dos divórcios e das novas formas de família que surgem após as separações. Essa nova profissão exigiria uma interface entre os vários conhecimentos que lidam com casais, filhos, famílias e comunidade. Então, segundo Grunspun (2000), o mediador familiar pode ser um psicólogo, assistente social, advogado, sociólogo, médico etc. O importante é que esteja preparado para lidar com o conflito familiar, centralizando o trabalho da mediação no melhor interesse dos filhos, e planejando as novas formas de família, respeitando a idade dos filhos em seu desenvolvimento, protegendo-os de futuras contendas entre os pais, e principalmente facilitando a comunicação entre os pais acerca da educação e futuro dos filhos.

O grande indicador para a necessidade da mediação é a ruptura da homeostase familiar, isto é, do equilíbrio interno, dinâmico e adequado das motivações, afetos, conhecimentos e poder no ambiente familiar. Durante o convívio familiar, os casais podem passar por várias crises e se recuperam. Quando a crise é intensa e insuportável, o casal se separa. Quando as crises se tornam freqüentes, basta às vezes uma pequena ruptura do equilíbrio, e essa corresponde à ruptura definitiva do casamento. Mas é preciso entender que nem a separação nem o divórcio acabam com a família: ocorre uma transformação da família. Então, novas formas de famílias construídas por adultos podem criar conflitos de guarda ou de pensão alimentícia para os filhos e requerem novo processo que pode ser muito mais longo do que o processo de separação ou divórcio. Na mediação, o plano familiar deve prever novas situações para essas novas famílias, com menores prejuízos para os filhos.

O psicólogo pode ser mediador e, para exercer essa tarefa, deverá utilizar técnicas e estratégias para chegar a um acordo e a um plano de família após a separação (ou divórcio) visando a centralização do processo no bem-estar físico e emocional dos filhos, que deverá ser referendado pelo juiz. Essas estratégias e técnicas procuram evitar a exteriorização de emoções negativas (medo, hostilidade, ódio, vingança, depressão, acusações, cobranças, ameaças e falsidades) entre as partes. Na função de mediador, o psicólogo poderá indicar, com anuência das partes, psicólogos para avaliação, para laudos ou terapias que podem perdurar durante o processo de mediação ou se prolongar após a separação.

Os objetivos da mediação familiar são:
"Evitar que as partes tomem decisões precipitadas a respeito de seus conflitos;
Oportunizar que as soluções sejam encontradas pelas pessoas diretamente envolvidas e não decididas por outras;
Esclarecer as reais necessidades e interesses de todos os envolvidos, para que as soluções sejam satisfatórias e cumpridas através de acordos viáveis;
Ajudar os envolvidos a exercer sua livre capacidade de tomar iniciativas com responsabilidade, cooperação e respeito mútuo;
Favorecer maior flexibilidade dentro da organização e relações familiares."

(fonte: http://www.terapiadefamilia.org/html/artigos)

Isso não significa que a mediação é mágica na resolução de conflitos. As emoções são as mesmas, mas há alguns facilitadores, entre os quais o mais importante é a busca voluntária da mediação para o acordo entre as partes. Na mediação, as partes podem estar acompanhadas por advogados como assessores, psiquiatras ou psicólogos como conselheiros. O mediador, ouvindo como terceiro neutro e imparcial todos os profissionais úteis para as partes, aproveitará o consenso de todas as contribuições dos especialistas para ter elementos facilitadores para o acordo. No caso do divórcio, por exemplo, o relatório final deverá ser redigido pelo mediador, e apresentado por um advogado aceito pelas partes para o juiz homologar.

Mas a mediação pode apresentar algumas dificuldades, principalmente quando decisões procuradas ferem algum legislação ou direitos constitucionais, ou quando a solução só pode se realizar na área do Direito Penal (ex.: enquadramento da vitimização nos casos tipificados em lei penal), quando há dissimulação entre as partes, ou ainda quando o mediador e/ou as partes estão convictos de que o processo judicial é a melhor saída para o caso. Além disso, o mediador pode esperar que qualquer das partes desista da mediação a qualquer momento e procure advogado para defender seus interesses.

(Extraído do livro da autora: SILVA, Denise Maria Perissini da. PSICOLOGIA JURÍDICA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO. São Paulo: Casa do Psicólogo Editora, 2003.)

BIBLIOGRAFIA:
GRUNSPUN, Haim. Mediação Familiar – o mediador e a separação de casais com filhos. São Paulo: LTr Editora, 2000.
GRUNSPUN, Haim. Mediação familiar: Revista Catharsis, São Paulo, Marigny & Kerber Editores Ltda., n.31, mai/jun/2000, pp. 5-8.
[s.a.] O que é Mediação Familiar? Terapia de Família. São Paulo. Disponível em: . Acesso em 19 mar. 2003.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PSICANÁLISE DE SÃO PAULO. Psicanálise e Direito. In: SIMPÓSIO PSICANÁLISE E DIREITO. 2003, São Paulo. Anais.

Denise Maria Perissini da Silva é psicóloga clínica, assistente técnica jurídica civil e mediadora familiar em São Paulo (SP) – Brasil. Ministra cursos, palestras e grupos de estudos de temas de Psicologia Jurídica. Autora do livro PSICOLOGIA JURÍDICA NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO, publicado pela Casa do Psicólogo Editora, São Paulo, 2003. Discente de Especialização em Rorschach pela Sociedade Rorschach de São Paulo. Autora de artigos de temas de Psicologia Jurídica em revistas especializadas.

Fonte: Pailegal.net


sábado, 29 de maio de 2010

Não homologação de transação judicial é arbitrária

Processo acelerado
Em 8 de abril de 2010 foi publicado o Ementário 4 de Decisões Monocráticas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Dentre as interessantes ementas selecionadas, destaca-se a 18, que trata de assunto muito recorrente nos Tribunais: a não homologação de transação judicial pelo julgador, mesmo quando preenchidos seus requisitos autorizadores.

Entendeu o MM. Desembargador relator, acertadamente, que não caberia ao MM. Juízo a quo ter negado a homologação do acordo judicial, ainda que havendo sentença transitada em julgado, sob o fundamento de que deve prevalecer a autonomia da vontade das partes, que rege as relações obrigacionais.

Além dos pressupostos gerais de validade dos negócios jurídicos, ou seja, a capacidade das partes; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e a forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104 do Código Civil), a transação tem como requisitos próprios: (i) um acordo de vontade entre interessados; (ii) a extinção ou a prevenção de litígios; (iii) a reciprocidade de concessões e (iv) a incerteza quanto ao direito dos interessados, tanto no aspecto objetivo como no subjetivo.

O objeto da transação é restrito, por lei (art. 841 do Código Civil) aos direitos patrimoniais privados, excluídos, portanto, os de natureza não-patrimonial e os públicos. Quanto à forma, deve ser observado o art. 842 do mesmo diploma legal, ou seja, será por instrumento público ou privado, quando a lei assim o exigir ou permitir, respectivamente. Recaindo sobre direito contestado em juízo, deverá assumir a primeira forma, ou ser reduzida a termos nos autos e homologada pelo juiz.

No tocante à validade, o Código Civil decreta a nulidade da transação quando nula qualquer das suas cláusulas (art. 848) ou quando há dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa (art. 849). Nula também será quando tratar de litígio transitado em julgado e dessa condição não tenha conhecimento alguma das partes, a teor do artigo 850.

Vale ressalvar que, apesar do artigo 848 do Código Civil dispor que “a transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa”, o que pode induzir o intérprete a equivocadamente concluir que esse rol de causas seria taxativo, a doutrina reconhece a aplicabilidade das demais hipóteses de nulidade dos negócios jurídicos, como a incapacidade das partes e a forma contrária à legem.

Nesse sentido, merece transcrição a sempre valiosa lição de Caio Mário da Silva Pereira1:

“O art. 849 do Código Civil de 2002 repete uma impropriedade vinda do Código de 1916, ao declarar que a transação “só” se anula por defeito do consentimento (art. 849). É inexato, pois é atacável, como todo contrato, por qualquer das causas que levam à anulação dos negócios jurídicos em geral”.

Talvez o elemento volitivo preponderante para que as partes cheguem ao acordo seja o desejo de por fim ao litígio de forma segura, eliminando, de uma só vez, a incerteza do direito controvertido e o risco de um julgamento desfavorável. Frise-se que essa incerteza persiste mesmo com o trânsito em julgado de sentença favorável, principalmente quanto ao efetivo cumprimento da obrigação pela parte sucumbente ou quanto a uma futura alegação de nulidade de julgado pelas vias próprias.

Sob a ótica do Poder Judiciário, a transação colabora, de forma determinante, para a abreviação do curso dos processos e, em última análise, para a prevenção do assoberbamento dos juízos, ao mesmo passo em que diminui o descontentamento dos jurisdicionados com as sentenças desfavoráveis.

Talvez por essa razão o Movimento pela Conciliação, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto de 2006, tenha sido tão positivo, culminando na decretação do Dia Nacional da Conciliação, que passou a ser comemorado todo dia 08 de dezembro a partir daquele ano e, finalmente, na Recomendação n.º 8, de 27.02.07, encarregando os Tribunais de darem continuidade ao projeto.

Ocorre que, não raramente, as partes são surpreendidas com a negativa do magistrado em homologar o acordo nos termos ajustados, seja em razão das próprias obrigações que pretendiam assumir, seja pela sua forma de cumprimento, ou por haver sentença transitada em julgado. As duas primeiras hipóteses usualmente decorrem do espírito altruísta dos julgadores, quando entendem que a transação poderia ter sido mais vantajosa a uma das partes, enquanto a última decorreria da imutabilidade da coisa julgada.

Entretanto, preenchidos os requisitos gerais do negócio jurídico e os específicos da transação e não sendo nula qualquer das cláusulas, imperiosa sua homologação, conforme entendimento da Ementa n.º 18 em exame, amparado pela jurisprudência dos Tribunais:

“Direito civil e processual civil. Ação de separação judicial e conversão em divórcio. Transação não homologada. Denúncia de uma das partes. Nulidade decretada. Ausência de vício de vontade ou de defeito insanável.

- São causas de anulabilidade da transação, conforme dispõe o art. 1.030 do CC/16 (correspondência: art. 849, caput do CC/02), o dolo, a violência (a coação conforme terminologia do CC/02), ou o erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Tais vícios de vontade devem ser invocados por uma das partes em ação própria.

- Efetuada e concluída a transação, é vedado a um dos transatores a rescisão unilateral, como também é obrigado o juiz a homologar o negócio jurídico, desde que não esteja contaminado por defeito insanável (objeto ilícito, incapacidade das partes ou irregularidade do ato).

- A não adoção de escritura pública no tocante aos bens imóveis não acarreta defeito insanável, porquanto a transação não tem o condão de constituir, modificar, transferir ou transmitir direitos reais sobre imóveis. Ela apenas declara ou reconhece direitos, nos termos do art. 1.027 do CC/16 (correspondência: art. 843 do CC/02).

- A nulidade poderia ser decretada tão-só se ausente escritura pública em contrato constitutivo ou translativo de direitos reais sobre imóveis, a teor do art. 134, II do CC/16 (correspondência: art. 108 do CC/02), o que não se coaduna com caso em julgamento.

- A dispensa de alimentos, matéria pacífica no STJ, não comporta ilicitude de objeto da transação.

- A transação efetuada e concluída entre as partes, sem qualquer mácula, seja vício de consentimento, seja defeito ou nulidade, é perfeitamente válida, o que torna inevitável sua homologação.

Recurso especial de C. M. V. parcialmente provido, para validar e homologar a transação, extinguindo-se o processo, com julgamento do mérito” 2 .

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO.

Apesar de ter-se exaurido a jurisdição do Magistrado, ao prolatar a sentença, nos termos do art. 463 do CPC, nada impede que homologue o acordo celebrado entre as partes.

Agravo de Instrumento provido” 3.
“Agravo. Locação de imóveis. Despejo por falta de pagamento. Acordo extrajudicial. Homologação judicial. Indeferimento. Aluguéis e encargos locatícios que não constaram na sentença condenatória transitada em julgado, limitada às verbas de sucumbência. Irrelevância. Direito disponível das partes. Formalidade aquela cujo objetivo é documentar, nos autos, o negócio jurídico. Atribuição ainda de autoridade e força vinculativa de título executivo judicial. Recurso provido”4 .

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - SENTENÇA - PUBLICAÇÃO - SUPERVENIÊNCIA - ACORDO - HOMOLOGAÇÃO - POSSIBILIDADE

- Mesmo depois de publicada a sentença, torna-se possível HOMOLOGAÇÃO de ACORDO, por não estar-se apreciando questões já decididas”5.

“CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO A TÍTULO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA DE 15% PARA 10%. ANUÊNCIA DO ALIMENTANDO. OBSERVÂNCIA DO BINÔMIO NECESSIDADE POSSIBILIDADE. I. O valor da pensão alimentícia, que se destina exclusivamente ao sustento de alimentando, deve ser fixado de acordo com o binômio necessidade-possibilidade exigido para tal. Inteligência do art. 1.694, §1º, do CC. II. "Como corolário do critério da proporcionalidade, estatuído no artigo 400 do Código Civil anterior, e 1.694, § 1º, do atual, o pensionamento deve atender tanto às necessidades do alimentando quanto às possibilidades do alimentante, sendo as partes envolvidas as mais indicadas para proceder a essa avaliação, ficando a atuação do órgão jurisdicional, em princípio, restrita à homologação de um acordo de vontades, reservada a sua intervenção direta tão-somente para as situações de dissensão, quando não for possível a conciliação". (STJ, 3ªT, REsp 595.900/RS, Rel. Ministro Castro Filho, julgado em 07/12/2006, DJ 12/02/2007 p. 257). III. Não há que se negar o pleito vindicado pelo alimentante de redução do percentual fixado a título de pensão alimentícia quando há anuência do alimentado e o percentual atende o binômio necessidade-possibilidade. IV. Recurso provido” 6.

“Civil. Processo civil. Execução. Pedido de homologação de acordo extrajudicial negado. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Ausência de quitação da dívida. Possibilidade de homologação do pacto celebrado. Configuração de título executivo judicial. Aplicação do art. 269, iii do cpc. Extinção do feito com julgamento do mérito. Precedentes jurisprudenciais. Recurso provido. Decisão de primeiro grau reformada”7 .

Conclui-se, portanto, que a não homologação da transação quando preenchidos seus requisitos revela-se arbitrária e atentatória à parcialidade do magistrado, além de configurar descumprimento à Recomendação 8 do CNJ.

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1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 513.
2 STJ – 3.ª Turma – REsp 650795/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.06.05.
3 TJ/RS - 13.ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento 70034502724, rel. Des. Lúcia de Castro Boller, j. 08.03.10.
4 TJ/SP - 25.ª Câmara de Direito Provado - Agravo de Instrumento 990.09.227913-0, rel. Des. Sebastião Flávio, j. 02.03.10.
5 TJ/MG - 16.ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento 4879269-53.2000.8.13.0000, rel. Des. José Amancio, j. 07.12.05.
6 TJ/MA – 2.ª Câmara Cível – Apelação Cível n.º 18689-2009 – São Luis, rel. Des. Antonio Guerreiro Júnior, j. 30.09.09.

Por Eduardo Macedo Leitão 
Fonte: Conjur

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Envidraçamento das sacadas

Revolução arquitetônica
O fechamento de sacadas, feitas por condômino, por envidraçamento, não altera a fachado do edificio. Ademais,conforme pronunciamento no STF, no silencio da convenção a A.G. não tem competenia para proibir envidraçamento da sacada ou terraço.

Hoje, os edifícios modernos buscam, cada vez mais, valorizar o ambiente social e de lazer. Neles as sacadas deixam de ser um reservado apenas para colocar as plantas e vasos, como acontecia nos antigos projetos, para se tornar em extensão do apartamento voltada para o lazer e descontração. Aliás, em tais projetos, as sacadas e varandas que fechadas por vidros temperados corrediços, sem esquadrias, resultam em atrativo à decisão de compra ou locação de um imóvel.

Assim a “revolução arquitetônica” do envidraçamento das sacadas veio a dar funcionalidade a espaços até então desprezados, desordenados, além de preservar e ampliar a segurança, sem falar na valorização imobiliária.

É de se registrar, também, que antigos edifícios vêm buscando a modernidade, não só substituindo as antigas pastilhas, por revestimento cerâmico, como adequando as sacadas às conquistas da nova arquitetura brasileira e mundial.

Apesar dos benefícios conhecidos, até por pretenso espírito de zelo, grupos de condôminos tem procurado impedir que áreas sem utilidade ou de utilidade reduzida, sejam dotadas de funcionalidade, na suposição de que o envidraçamento de sacadas promoveria uma alteração na fachada, caso em que o inciso III, do art. 1.336, do CCB vedaria.

De plano, diga-se que não é de hoje que a doutrina e a jurisprudência têm afastado a informação inadequada de grupos opositores que, no entanto vem insistindo no equivoco, com sérios problemas à coletividade condominial, na qual se incluem.

Não somos nós, mas diz Clovis Bevilacqua em seus Comentários ao art. 628 do Código Civil (de 1916), v. 2, p. 173 que “O conceito de alteração é outro. De um modo geral deve entender-se que a alteração é a que muda o destino da coisa, ou lhe transforma o modo de ser’, o que não é o presente caso: envidraçamento de área social e varanda ou sacadas.

Outro não o dizer do consagrado processualista Caio Mário que salienta que, “tem se entendido, generalizadamente, que não importa em alteração interdita o fechamento de área voltada para o exterior, varanda ou terraço, com vidraças encaixadas em esquadrilhas finas, de vez que a sua transparência não quebra a harmonia do conjunto” (ver Condomínio e Incorporação, página 128).

Ora se o referido processualista afirma que ”vidraças encaixadas em esquadrilhas finas, não altera a fachada do edifício, de vez que a sua transparência não quebra a harmonia do conjunto” o que dizer do moderno fechamento de hoje que é feito em vidros temperados, que deslizam com perfis sem esquadrias entre vidros?

Ademais, nossos tribunais se perfilam a igual entendimento da doutrina, decretando que

-“Envidraçamento de terraço por um dos condôminos - Fato que não importa em alteração da forma da fachada - Inexistência de violação da lei ou da convenção condominial – Ação cominatória improcedente - Inteligência do Art. 628 do Código Civil (de 1.916.).

-“O simples envidraçamento de um terraço não implica em alteração da forma externa da fachada que não obstante o acréscimo decorrente dessa obra se conserva imutável em suas linhas arquitetônicas.”( n.° 51.149 - Capital - 4ª Câmara Civil do TASP – votação: Unânime - “In” Apelações Cíveis, Trib. Alçada, página 296/7.)

-“CONDOMÍNIOS - MODIFICAÇÃO DE FACHADA - Fechamento por meio de vidros transparentes incolores - Não caracterização da infração ao art. 1.336, III, do Código Civil, antiga previsão do art.10, I, da Lei n. 4.591/64,

-“Pequenas alterações não quebram a harmonia do conjunto e, assim, não serão vedadas”. Ver. dos Tribunais, vol. 303/171. Julgado do STF já proclamou que “não constituindo o envidraçamento das varandas da fachada inovação da forma exterior do edifício, basta para estabelecer o seu modelo, a decisão da maioria dos condôminos” (Ref. Forense, vol. 128/458).

Ademais, em pronunciamento do STF no Recurso Extraordináfrio nº 35.837, do DF, a Assembleia Geral de Condîminos não tem competencia para proibir o envidraçamento de terraço no silencio da Convenção.

Ora, vê-se que a iniciativa de envidraçamento das sacadas, cada vez mais, promove, além de maior segurança, proteção contra agentes climáticos (chuvas, vento, poluição, raios solares, poeira), redução de ruídos, a extensão da sala de estar ou de qualquer outro ambiente, gerando condição de melhor aproveitamento dos espaços, cada vez menores nas modernas edificações.

Destarte, o envidraçamento das áreas sociais e varandas, como denominado por Clovis Bevilacqua, serve à correção na altura do “parapeito”, que por vezes fica fora da medida de proteção, em decorrência de obras de acabamento e equívocos outros, até como pela construção de verdadeiro degrau formado entre um segmento inicial, por exemplo, de alvenaria, seguido de outro, de material diferenciado, como um gradil complementar, de alumínio ou colocação de vidro, como soe acontecer e que podem gerar acidentes fatais, que os anais policiais tem registrado.

Demais disso, é bom lembrar que em se tratando a sacada ou varanda, ou “sala com terraço” como é denominado na planta do “Edifício Residencial das Sereias”, em Praia Grande, SP, dependência interna do prédio – área útil, portanto – inexiste proibição legal e o interessado poderá obter a autorização para o ato, normalmente, se o regulamento condicioná-la á observância de alguma formalidade secundária de convivência social. “No silêncio dos estatutos – entendem especialistas - a resolução fica elevada á livre iniciativa do condomínio.” Não há, nesta hipótese violação do artigo 1.336, III, do Código Civil

O processo filológico – repetem os estudiosos - “deve ser juridicamente substituído pelo teológico. Assim, verifica-se inexiste no sentido legal de modificação ou substituição da forma primitiva, porém de simples acréscimo de utilidade, sem qualquer atentado contra a estética do prédio, à estrutura original e as linhas clássicas da obra; conseqüentemente o envidraçamento de sacadas traduz-se num enriquecimento que pode ser até ato embelezador ao conjunto, obedecida à conveniência de padronização estética, mesmo que, momentaneamente, alguns dos condôminos não se disponham a envidraçar a área social e varanda.

Felizmente, em relação ao movimento oposicionista,em razão da harmonia do revestimento das sacadas pelos sistemas modernos de vidros deslizantes, com a fachada de edifícios, reconhecidamente, tem este de se curvar ante as evidencias assinaladas abundantemente por novos investimentos, como pela rica doutrina e jurisprudencia.

Por Geraldo Alvarenga
Fonte: http://www.jurisway.org.br/

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Mais de 70% das audiências de conciliação terminam em acordos

Dado se refere a audiências de conciliação extraprocessuais.
Saiba como recorrer ao mecanismo que agiliza solução de conflitos.
Problemas do dia a dia nem sempre são resolvidos com simples conversas. Mas, seja na relação com vizinhos, ou na solução de impasses com prestadores de serviços, um processo na Justiça pode levar tempo.

Por isso, a Justiça conta com o mecanismo das audiências de conciliação. Elas podem ocorrer durante um processo judicial – as chamadas audiências processuais - ou podem ser marcadas antes mesmo que haja um processo, para agilizar a negociação – as audiências extraprocessuais (veja o quadro abaixo).

“O método tradicional para a solução de problemas é o processo, a ação na Justiça, mas nos últimos anos vem aumentando a procura por métodos alternativos, como as audiências de conciliação. Elas agilizam a solução de problemas. Nossa maior dificuldade, no entanto, é que cerca de metade das pessoas convidadas a participar dessas audiências não tem interesse em entrar em um acordo”, diz ao G1 o juiz Josué Modesto Passos, coordenador do setor de conciliação do Fórum Central Cível de São Paulo.

Em São Paulo, de acordo com Guilherme Giussani, coordenador do Posto Avançado de Conciliação Extraprocessual (Pace), mais de 70% das audiências de conciliação extraprocessuais terminam em acordos. Já entre as audiências de conciliação processuais, esse índice não passa de 25%. Isso porque, como já há um processo judicial estabelecido, as partes, geralmente, têm menos interesse em fazer um acordo.

"Apesar da grande quantidade de audiências marcadas que não ocorrem pela ausência de uma das partes, entre as audiências que acontecem efetivamente o índice de acordos é muito elevado", afirma Giussani.

Qualquer pessoa pode recorrer à conciliação. Os casos mais comuns, segundo Passos, são questões envolvendo dinheiro, nas mais diversas áreas, como dívidas com cartão de crédito, problemas com convênio médico, financiamentos, pagamento de gastos após a batida de um carro, e dívidas com empresas prestadoras de serviços.

Há também quem reclame de barulho dos vizinhos ou vazamento não consertado em um condomínio, por exemplo. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), só não podem realizar audiências de conciliação partes envolvidas em crimes.

O CNJ também considera que as audiências de conciliação são a forma mais rápida e menos custosa de resolver processos judiciais, além da garantia de que as duas partes saiam, de alguma forma, atendidas.

Foi assim com um idoso de 73 anos que conseguiu, por meio de uma audiência de conciliação processual, a pensão alimentícia que solicitava. “Havia um processo que correu por quase cinco anos, em que esse idoso pedia o pagamento, por seu pai, de uma pensão alimentícia. O pai, no entanto, morreu no decorrer do processo, e este foi arquivado. Abrimos então um novo processo contra o espólio da viúva desse pai”, diz ao G1 o advogado do idoso, Natanael Gorte Camargo.

De acordo com Camargo, em cerca de 9 meses foi marcada uma audiência de conciliação da qual participaram o idoso e seu advogado, a viúva, e um advogado representando o Exército. “Meu cliente abriu mão dos valores atrasados e a pensão foi definida como definitiva.”

O idoso foi abandonado pelo pai, major do Exército já falecido, quando tinha 2 anos. Segundo informações da 5ª Vara Federal, o pai do idoso deixou a família, no Paraná, para seguir carreira militar no Rio de Janeiro, onde constituiu uma nova família.

Como ocorrem as audiências
Agendar audiências de conciliação extraprocessuais é bastante simples. Basta que a parte interessada procure o fórum mais próximo de sua residência e apresente o problema que gostaria de resolver, seja com um vizinho, condomínio, ou com uma grande empresa, por exemplo. Outra dica importante é que algumas faculdades de direito possuem escritórios para realizar essas audiências em seu campus.

A outra parte envolvida na audiência será convidada a participar do encontro, por meio de uma carta. Na data marcada, é necessário que todos os envolvidos compareçam para que a audiência aconteça.

"É muito importante que, ao procurar pela conciliação, as partes compareçam já com a mentalidade de solução do problema, e tragam inclusive uma proposta para o acordo", afirma Giussani.

Toda a conversa será acompanhada por um conciliador, cuja função é voluntária. Qualquer um pode se candidatar à vaga de conciliador, entregar seu currículo junto ao Tribunal de Justiça do seu estado, e esperar convocação. Os escolhidos passam por um treinamento e são nomeados.

Semanas de conciliação
Todos os anos, desde 2007, o Conselho Nacional de Justiça organiza, em dezembro, uma Semana de Conciliação. A ação é um mutirão para solucionar alguns processos, em audiências de conciliação processual.

Segundo o CNJ, os tribunais podem realizar semanas de conciliação ao longo do ano. Há universidades, por exemplo, que solicitam mutirões de audiências de conciliação extraprocessual para propor acordos a alunos inadimplentes, antes de entrar com uma ação na Justiça.

Em 2009, na Semana de Conciliação, foram marcadas 333.324 audiências. Dessas, foram realizadas 260.416. Quase 123 mil dessas audiências resultaram em acordos.

Por Nathália Duarte
Fonte: G1

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Judiciário não tem como competir com arbitragem

Impossível falar em arbitragem sem mencionar grandes números. No Brasil, um levantamento feito pela Fundação Getúlio Vargas revelou que a arbitragem brasileira bateu seus próprios recordes em 2009. Os valores envolvidos em decisões por esse método quase triplicaram, passando de R$ 867 milhões, em 2008, para R$ 2,4 bilhões. O número de casos quase dobrou, passando de 77 procedimentos em 2008 para 134 no ano passado.

Neste domingo (23/5), no Rio de Janeiro, tem início a Conferência do Conselho Internacional de Arbitragem Comercial (ICCA, sigla da designação em inglês) , com o tema Desafio para a Prática de Arbitragem em Tempos de Mudança. É a primeira vez que o Brasil sedia o evento. A escolha não foi por acaso. De acordo com o ranking da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), o Brasil é o líder regional em partes envolvidas em procedimentos arbitrais.

“A arbitragem está instituída e arraigada no Brasil. O número de procedimentos e valores só tende a crescer”. A afirmação é do advogado Carlos Nehring Netto, um dos primeiros brasileiros a ingressar na CCI. Membro da ICCA desde 1987, sua história com a arbitragem começa nos anos 1970, época em que mantinha um escritório em Paris, cidade sede da CCI. Lá foi convidado pela primeira vez para participar de uma arbitragem. “O presidente da CCI me perguntou se eu sabia o que é arbitragem. Eu não sabia, não ensinavam nas faculdades, tive que aprender”. Nos primeiros casos, ficou apenas assistindo. Até pegar seu primeiro procedimento como advogado por uma empresa brasileira.

O advogado aponta a área da construção civil como a maior fonte de arbitragem em todo o mundo. “Devido à complexidade da coisa. Qualquer defeitinho numa construção pode traduzir efeitos e consequências mirabolantes”, explicou.

Uma das mudanças que destaca é a redução do fator “confidencialidade”. “Na nossa lei, há tantas hipóteses para as partes recorrerem à Justiça comum que a confidencialidade fica comprometida. Por outro lado a publicação de decisões arbitrais é desejada por todos para podermos se socorrer de jurisprudência”, comentou.

Carlos Nehring é bacharel em Direito. Desde 1967, exerce a advocacia por conta própria, juntamente com dois sócios, no escritório Nehring e Associados – Advocacia. É autor de diversos artigos sobre Arbitragem, publicados na imprensa especializada nacional e internacional. Nessa entrevista à ConJur, Nehring fala sobre assuntos ligados ao método como corrupção, a influência do setor econômico, os cuidados de um árbrito e os casos mais comuns de processos envolvendo arbitragem no Brasil e no mundo.

Leia a entrevista
ConJur — De 2005 para cá, houve um grande aumento em número de procedimentos de arbitragem. O valor foi de 2,4 bilhões em 2009. O crescimento do ano passado pode ter tido uma relação com a crise econômica?

Carlos Nehring — Na época em que eu fui membro da Corte de Arbitragem da CCI, a entrada de casos era cerca de um por dia. Hoje, entra mais de dois por dia. Mas isso é apenas a evolução natural. É claro que alguns casos se devem à crise, porque o problema econômico surge, e consequentemente, a qualidade do trabalho pode ser afetada e é natural que surjam problemas que não se pode prever. Agora, o mundo tem tanta obra, progresso e investimento acontecendo que é fatal que os problemas vão crescer também.

ConJur — É correto dizer que o crescimento da arbitragem depende de como está a economia?

Carlos Nehring — Sim. Num escritório de advocacia, você chama os anos positivos de pastas verdes, cor da esperança. E tem também os anos de crise, nos anos de crise, você tem as pastas vermelhas, porque também vai ter o mesmo número de acontecimentos que tenham que terminar na Justiça, ou coisa parecida.

ConJur — Vieram mais investimentos estrangeiros para o Brasil depois que passamos a fazer parte da Convençaõ de Nova York [tratado internacional sobre arbitragem assinado por 140 países, entre eles o Brasil]?

Carlos Nehring — Não, viria de qualquer forma. A forma de resolução do conflito ajuda, claro, entusiasma ou encoraja o empreendedor a vir, mas ele viria de qualquer maneira para o Brasil, querendo ou não querendo, qualquer que seja o momento.

ConJur — A arbitragem é só para grandes empresas e grandes causas, ou ela pode ser usada, por exemplo, na área trabalhista?

Carlos Nehring — Para manter uma instituição arbitral tem que ter um certo mínimo qualitativo e quantitativo que te obriga a ter realmente uma estrutura que custa alguma coisa. E para isso, o orçamento deve estar muito mais ajustado aos grandes conflitos do que aos pequenos. Na CCI, um processo de US$ 20 mil, US$ 30 mil é impensável. O custo dela por caso é do milhão para cima ou qualquer coisa assim. A grande arbitragem é causa grande.

ConJur — A disseminação da arbitragem lá fora também ocorre porque a Justiça é lenta?

Carlos Nehring — Eu tive um escritório fora do país. Não vou dizer que a demora seja tão grande como no Brasil. O juiz estatal não tem tempo útil. Por mais que conheça do direito societário para resolver um problema, ele tem dois dias de audiência para ouvir todo mundo que lá está. Nos Estados Unidos pode ser que seja um pouco melhor, mas há sempre uma pressão de tempo atrás do juiz estatal. Ele tem deveres que ultrapassam o tempo de trabalho dele. Já vi sentença de mil e duzentas páginas. Certa vez, fui chamado como testemunha em Direito brasileiro, um expert witness, no EUA. Os autos desse processo ocupavam uma parede de quatro metros. A audiência foi de sete dias corridos com 52 testemunhas. Duas apenas falaram sobre o Direito brasileiro e 50 falaram dos aspectos técnicos do problema. Não há justiça estatal que possa competir com isso.

ConJur — Mesmo se houvesse varas especializadas, juízes especializados?

Carlos Nehring — Falta tempo, necessariamente. Pode e deve haver especialização. Se você tem juízes de vara de família é porque vai tratar de negócios de separação, talvez até de direito sucessório. Mas e daí? A sala deles está sempre atolada de procedimentos.

ConJur — A qualidade não vai ser a mesma?

Carlos Nehring — Não pode. Não dá. Não digo que não haja brilhantes atuações na segunda instância ou nas instâncias ainda superiores à corte de apelação. Mas a base não nasceu perfeita.

ConJur — Como se faz uma cláusula arbitral? O que é levado em conta?

Carlos Nehring — Você tem cláusulas modelo que as instituições de arbitragem recomendam. Elas são universais. Muda um termo, muda a língua, muda um adjetivo, mas elas são todas parecidas. E preferem ser como a Constituição americana, ou seja, uma coisa curta, enxuta, que apenas anuncia que haverá uma arbitragem. Agora, quando você analisa um contrato que vai ser assinado deve-se fazer algo harmônico e que represente os interesses postos na mesa por ambas as partes. Aí vai mais ao detalhe, pode escrever uma cláusula arbitral de três páginas. Não há problema. É só você imaginar tudo o que pode acontecer no conflito.

ConJur — Um advogado precavido já não vai fazer a sua defesa previamente na hora de redigir o contrato?

Carlos Nehring — O recomendável seria sempre fazer isso. Mas nem sempre a gente quer discutir um problema teórico. Você naquele momento supõe que não vá existir problema. Por exemplo, você é um banco, você vai emprestar dinheiro a alguém. Você exigiu garantias para o recebimento futuro do seu principal, dos juros, acessórios, tudo que você possa prever. Será que vale a pena escrever muita coisa em uma clausula arbitral ou simplesmente dizer: "Ah, a lei do estado de Alabama vai prevalecer e eu vou fazer esta arbitragem sobre a égide dela? Em um negócio de empréstimo é tudo tão simples". Agora, amanhã você vai construir a barragem de Belo Monte. Meu Deus! Deve haver milhões de fatores a serem decididos. Você pode até em um contrato dessa natureza somente certas matérias são sujeitas a arbitragem, outra não. Tudo isso depende realmente não só dos personagens do drama como da circunstância em que você está criando numa clausula arbitral. Fica meio ao critério dos advogados das partes na feitura do contrato.

ConJur — O senhor acha necessária a lista de árbitros que existe em algumas câmaras?

Carlos Nehring — Não concordo que haja necessidade de ter uma lista de árbitros. Se a arbitragem está sujeita à autonomia e à vontade das partes, não deveria ser exigível que algum árbitro tenha que ser sócio do clube. A CCI, por exemplo, não tem uma lista. Quando é chamada para nomear alguém, pede indicação ao comitê do país das pessoas a serem recomendadas. Se o conflito for entre partes de países diferentes, o presidente deveria idealmente ser de um país neutro. Uma exceção conhecida do Brasil e aceitável é a da Câmara Brasil-Canadá. Ela tem uma lista. E é dessa lista que ela exige pelo regulamento que seja escolhido o presidente do tribunal. Isso pode ser interpretado como restritivo, mas também como selo de qualidade. Ela quer assegurar qualidade ao indicar árbitros que figuram na lista dela. Mas, o mundo arbitral não é muito grande. A gente se conhece, todo mundo se conhece. E, se você sair da linha, passa para uma lista negra, em vez de uma lista branca.

ConJur — O senhor já testemunhou algum caso de corrupção em arbitragem?

Carlos Nehring — Corrupção é uma coisa que eu acho que não entra na arbitragem. Se entrar, o árbitro ou quem quer que seja está excluído no dia seguinte. Percebe-se. Fica-se sabendo. A pessoa que se presta a ser árbitro fica sob suspeita às vezes racional, às vezes justa, às vezes até irracional, injusta. Conheço casos em que se percebe que ali houve alguma coisa estranha.

ConJur — Mas o que ficou decidido permanece, mesmo estando o árbitro sob suspeita?

Carlos Nehring — Ah sim. A menos que você tenha prova. Se tiver a prova da corrupção na sua mão, se tiver a fotografia, imagem na televisão do árbitro botando dinheiro na meia, aí você pode derrubá-lo.

ConJur — Já aconteceu alguma vez de um árbitro ser derrubado por corrupção?

Carlos Nehring — Uma vez, na Europa, houve um tribunal arbitral composto de três pessoas, uma delas era uma mulher que chamava a atenção por sua beleza. O advogado da parte que tinha nomeado a senhora como árbitro também era um cidadão muito boa pinta. E o advogado da outra parte sentiu alguma coisa. Ele colocou um detetive que filmou em um motel a entrada da senhora no quarto daquele senhor numa determinada noite. Com este filme, houve a impugnação e a anulação da arbitragem porque o voto teria sido proferido por quem não podia proferir. Em compensação, em outros países, é bem conhecida a história de um de nós, árbitros, que um dia desembarcou num país árabe qualquer e foi direto para a prisão, devolvido diretamente para o país de origem. Quer dizer, impediram esse árbitro, que ia participar de um tribunal arbitral para decidir um certo conflito. Criaram um impedimento físico. Isso acontece.

ConJur — Como evitar esse tipo de pendências com os árbitros?

Carlos Nehring — Quando se é nomeado árbitro você tem que se perguntar: eu já trabalhei para este cidadão ou para este grupo? Eu já o defendi em alguma causa? Eu já fiz um parecer para esta companhia no passado? Depois de todas as respostas negativas, você é um cidadão independente, o público está convencido que você é um cidadão imparcial. Então, você reúne as qualidades para ser e aceitar a função de árbitro. No termo de independência, é melhor relatar qualquer coisa, do que esconder. Há advogado, que não reconhecendo os méritos da arbitragem, quando sente que o vento está tocando em uma direção que não lhe agrada, começa a criar problemas em relação ao árbitro. Em certos momentos, cria uma tal animosidade que o árbitro não tem outro remédio senão o de renunciar. Isso é um mal que se faz contra o instituto da arbitragem.

ConJur — Na prática, como age o advogado mal intencionado?

Carlos Nehring — Ele acusa de tudo que você imaginar, de partidarismo até corrupção. Faz suposição de que o árbitro está vendido à outra parte. E aí, destrói o andamento da arbitragem. Isso me incomoda. A nossa lei podia fazer com que o juiz estatal penalizasse em pecúnia essa manobra toda, não propriamente ao advogado, mas à parte que ele está defendendo.

Por Geiza Martins e Lilian Matsuura
Fonte: Conjur

domingo, 23 de maio de 2010

O que é o pacto antenupcial?

                             Futuros Problemas
O pacto antenupcial é um contrato firmado entre os nubentes prévio ao enlace matrimonial. Se um ou ambos os noivos forem menores, haverá necessidade de representação legal tanto para o casamento como para o contrato antenupcial.

A lei diz que este deverá ser realizado por escritura pública e dele constar a vontade das partes no que tange regulação das relações patrimoniais do casamento, o regime de bens ou outras cláusulas que as partes acharem relevantes, desde que não defesas em lei.

O pacto é lavrado no cartório de notas e trasladado para o cartório de registro civil, onde se dará o casamento. Se houver bens imóveis a inventariar deverá também ser averbado no Cartório de Registro de Imóveis para que tenha efeito erga omnes, ou seja, visa assegurar terceiros nas suas relação com o casal.

O casamento é condição de eficácia do pacto, se não acontecer, de nada valerá o pacto. O único regime de bens que a lei dispensa o pacto é o de comunhão parcial de bens.

Por Lourdes Sant'Ana, consultora jurídica do projeto JurisWay.
Fonte: FONTE: Código Civil de 2002, art. 1.640, parágrafo único; art. 1.653 e seguintes.

sábado, 22 de maio de 2010

Justiça privada: Decisões arbitrais são anuladas apenas quando ferem a lei

Validade
Paulo Eduardo Alves da Silva, Adriana Braghetta e Rafael Francisco Alves: análise de 790 acórdãos proferidos pela Justiça desde 1996 em dois anos discussões entre pessoas físicas e causas com valores inferiores a R$ 10 mil. O que poderia ser o perfil do dia a dia de qualquer juizado especial do país envolve, na verdade, demandas relacionadas à arbitragem levadas ao Poder Judiciário durante os últimos 12 anos.

Desde que a Lei de Arbitragem entrou em vigor, em novembro de 1996, poucos foram os casos em que as partes pediram que a Justiça anulasse decisões arbitrais. E mesmo quando isso ocorreu, foram invalidadas apenas sentenças em que uma das partes - a maioria pessoas físicas - tenha sido, de alguma forma, pressionada a assinar um contrato com uma cláusula prevendo o uso da arbitragem para a solução de conflitos. Em casos assim, a parte abriu mão de submeter possíveis conflitos à Justiça por imaginar, por exemplo, estar fechando um acordo perante o Judiciário. As situações relatadas fazem parte de um estudo inédito realizado pelo Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBar) em parceria com a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Por quase dois anos, pesquisadores das duas entidades levantaram 790 acórdãos dos tribunais brasileiros - da Justiça estadual e federal e das cortes superiores - com o objetivo de avaliar de que forma o Judiciário decide as ações relacionadas à arbitragem: se tem dado respaldo ou não à aplicação do método extrajudicial de solução de conflitos. Desse total, foram excluídas 112 decisões do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), em razão das peculiaridades do uso da arbitragem no Estado por conta de um convênio com a seccional local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO) que vigorou até 2008.

As conclusões da primeira parte do estudo são positivas para os entusiastas da arbitragem. Primeiramente porque demonstra que o Judiciário tem aplicado exatamente o que está na Lei de Arbitragem para anular sentenças arbitrais - em situações em que o compromisso arbitral é nulo ou a sentença foi proferida por quem não poderia ser árbitro, por exemplo. Outra conclusão é a de que a arbitragem vai muito bem para as relações entre as empresas - poucos foram os pedidos de anulação de sentenças arbitrais feitos por pessoas jurídicas. "As empresas sabem que o cumprimento da sentença faz parte da regra do jogo", afirma a advogada e uma das coordenadoras científicas da pesquisa pela FGV, Selma Lemes. Segundo ela, os casos levados à Justiça foram aqueles em que a arbitragem não foi devidamente aplicada.

Na primeira amostra da pesquisa, das 678 decisões colhidas entre novembro de 1996 e fevereiro de 2008 nos sites dos tribunais - exceto no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), onde o trabalho se estendeu até dezembro de 2007 -, foram selecionadas 90 nas quais se discutiu a anulação da sentença arbitral. Dessas, apenas 33 tratavam diretamente da validade da sentença arbitral e tiveram o mérito do pedido julgado.

A advogada do L.O Baptista e presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem, Adriana Braghetta, afirma que, desse universo de decisões, em 19 delas as sentenças arbitrais foram mantidas pelo Judiciário. "Nesses casos, os laudos foram mantidos, pois existiam cláusulas compromissórias e os procedimentos foram adequados", afirma. Nos demais processos, 14 sentenças arbitrais foram julgadas inválidas pela Justiça, "de forma extremamente técnica", avalia Adriana. "Em geral, existia algum vício de consentimento da parte", diz. Um dos princípios da arbitragem é o de que o uso do método de resolução de conflitos extrajudicial, em substituição ao Judiciário, seja sempre de livre escolha das partes, sob o risco de anulação.

Outra constatação do levantamento é a grande presença de pessoas físicas nos processos analisados. Nas 14 decisões em que houve anulação da sentença arbitral, a metade envolvia pessoas físicas. E em 71% do total, uma das partes era uma pessoa física. Segundo o levantamento, em 80% das situações - ou em 11 casos -, os valores envolvidos estão abaixo de R$10 mil.

Segundo o professor da FGV, Paulo Eduardo Alves da Silva, e o diretor do CBar, Rafael Francisco Alves, há indícios de que parte dos pedidos de anulação envolviam irregularidades praticadas por câmaras arbitrais inidôneas - as chamadas câmaras "de fachada". Em um dos processos levantados pela pesquisa, por exemplo, a autora da ação pedia para anular a sentença arbitral alegando que foi coagida a assinar um acordo reconhecendo um débito existente perante uma das rés. Segundo ela, o pacto arbitral só foi assinado porque ela foi levada a acreditar que estava na presença de juízes togados. Para os pesquisadores, em situações como essa, o entendimento do Judiciário só contribui para a correta aplicação e fortalecimento da arbitragem.

Por Zínia Baeta
Fonte: Valor Econômico, Legislação & Tributos

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Corte Constitucional italiana estimula conciliação

                                Alternativas ao Judiciário
A solução de conflitos por meio de conciliação e mediação entre cidadão e governo é realidade na Itália desde o ano passado. Agora, uma decisão da Corte Constitucional italiana impulsiona ainda mais o uso de alternativas extrajudiciais para reduzir o volume de processos na Justiça. A corte decidiu que cada região italiana pode criar mecanismos locais de solução de conflitos para evitar mais ações judiciais. Para a corte, a competência legislativa das regiões, entes políticos nos quais a Itália é dividida, está garantida e não invade a competência do Estado desde que as alternativas locais propostas aos cidadãos não sejam obrigatórias e nem restrinjam o acesso à Justiça.

A discussão sobre a competência legislativa teve origem com o questionamento de lei da região do Vêneto, que tem como capital Veneza. A norma, aprovada em julho de 2009, prevê a criação de uma comissão de conciliação, formada por um juiz aposentado, um advogado e um médico, para resolver conflitos na área de saúde, tanto pública como privada. A ideia é que o cidadão possa procurar a comissão para pedir indenização quando achar que houve erro médico, por exemplo, sem precisar iniciar mais um processo judicial. De acordo com a norma, a conciliação é voluntária, gratuita e não impede o cidadão de procurar a Justiça. A lei também prevê a criação de um fundo regional para custear os ressarcimentos em casos de responsabilização civil.

De acordo com a defesa do governo italiano, ao legislar sobre o assunto, a região do Vêneto invadiu a competência exclusiva do Estado, a quem cabe tratar de matéria processual e, assim, uniformizar os procedimentos no país. De acordo com os defensores do Estado, a normal local contraria também uma lei nacional de 2009 que trata de conciliação e mediação.

A resposta da região do Vêneto para os argumentos estatais é que a conciliação é uma tentativa de conter o aumento exponencial de processos na área de saúde. De acordo com a região, o aumento da expectativa de vida e os sucessos da medicina moderna levam o cidadão a considerar que a responsabilidade por tratamentos malsucedidos é do médico, e nunca da gravidade da doença ou da incapacidade do organismo de se recuperar.

O receio de processos, ainda de acordo com o Vêneto, leva ao fenômeno chamado de “medicina defensiva”, que acontece quando os médicos, assustados com a possibilidade de serem responsabilizados por não curar o paciente, fazem diversos exames supérfluos para se precaver de eventuais processos. Outros chegam a largar as especialidades que cuidam das doenças mais graves. Tudo isso tem levado ao aumento da despesa com saúde pública e também dos valores dos convênios de saúde particulares.

Para a região, por a lei prever a conciliação apenas como sugestão ao cidadão, ela não viola a Constituição da República Italiana. O argumento foi aceito pela Corte Constitucional da Itália. Para os juízes, a lei do Vêneto seria inconstitucional se impusesse a conciliação como obrigatória ou ainda como restrição do acesso à Justiça. Para a corte, a norma local apenas dá uma alternativa ao cidadão que quer resolver o seu conflito de maneira mais rápida, sem tirar, em nenhuma hipótese, seu direito de procurar o Judiciário.

Por Aline Pinheiro
Fonte: Conjur

terça-feira, 18 de maio de 2010

Rio sedia congresso internacional de arbitragem

Desafios da arbitragem
A cidade do Rio de Janeiro sediará a Conferência da ICCA – International Council for Commercial Arbitration (Conselho Internacional de Arbitragem Comercial), entre os dias 23 e 26 de maio. Depois de 32 anos, o evento volta a ser realizado na América Latina e o engajamento brasileiro nas questões de arbitragem foi fundamental para a escolha do país.

Segundo o ranking da CCI (Câmara de Comércio Internacional), a principal Câmara de Arbitragem do mundo, localizada em Paris, o Brasil é o líder regional em partes envolvidas em procedimentos arbitrais perante a ICC. A lei que regulamenta a prática no Brasil completou 13 anos.

Com o tema “Desafio para a Prática de Arbitragem em Tempos de Mudança”, a conferência contará com a presença de renomados especialistas que, durante quatro dias, discutirão os principais temas de um procedimento arbitral. Estarão presentes membros do ICCA dos Estados Unidos, Canadá, Itália, Reino Unido, França, Irlanda, Alemanha, Bélgica, Suíça, Nova Zelândia, Egito, Hong Kong, México, Venezuela, Chile, Colômbia, Republica Dominicana e Brasil. Já está confirmado o nome do ministro do STF Cezar Peluzo e do governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral na cerimônia de abertura.

O evento é organizado pelo CBAr (Comitê Brasileiro de Arbitragem), instituição voltada para o desenvolvimento científico da arbitragem e que reúne representantes da arbitragem nacional e internacional no país.

Serviço
O quê: Conferência da ICCA
Onde: Rio de Janeiro
Quando: Dias 23 a 26 de maio
Inscrições: http://www.iccario2010.org/
Valor: € 7.500

Maiores informações acesse o site http://www.cbar.org.br/

Fonte: Conjur

domingo, 16 de maio de 2010

Aplicação do CDC às pessoas jurídicas em debate no STJ

Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor (CDC) às pessoas jurídicas adquirentes de produtos ou serviços utilizados, direta ou indiretamente, na atividade econômica que exercem? A resposta é afirmativa para alguns casos e passa pela definição de destinatário final. A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, recentemente, esse entendimento, ao julgar recurso do hospital Centro Transmontano, que recorreu de decisão favorável à Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp).

No processo julgado, as partes discutiam se a relação entre as duas instituições estava sujeita à lei consumerista, com vistas à aplicação do artigo 42, parágrafo único, do CDC, que prevê, na cobrança de débitos, que o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Ao analisar a questão, o ministro relator, Francisco Falcão, entendeu que, de acordo com o conceito de consumidor expresso no artigo 2º do CDC, esse seria “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. À luz da lei, a recorrente (Centro Transmontano) se constituiu em empresa, em cujo imóvel funcionam diversos serviços, como médico-hospitalares, laboratoriais, ambulatoriais, clínicos e correlatos, não apresentando qualquer característica de empreendimento em que haja a produção de produtos a serem comercializados.

Para o ministro, na verdade o que se observa é que o empreendimento está voltado para a prestação de serviços, sendo certo que a água fornecida ao imóvel da empresa é utilizada para a manutenção dos serviços e do próprio funcionamento do prédio, como é o caso do imóvel particular – em que a água fornecida é utilizada para consumo das pessoas que nele moram, bem como para manutenção da residência. Desse modo, pelo tipo de atividade desenvolvida pela instituição, percebe-se que ela não utiliza a água como produto a ser integrado em qualquer processo de produção, transformação ou comercialização de outro produto, mas apenas para uso próprio.

Nesse sentido, sendo o Transmontano destinatário final da água, este se encontra inserida no conceito de consumidor e submetida à relação de consumo, devendo, portanto, ser aplicado o Código de Defesa do Consumidor e, em especial, o artigo 42, parágrafo único, da Lei n. 8.078/1990, o qual estabelece que "o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

Destinatário final
Em outro julgado, (Conflito de Competência n.41.056), o ministro Aldir Passarinho Junior definiu que destinatário final é aquele que assume a condição de consumidor dos bens e serviços que adquire ou utiliza, isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento empresarial, não integra diretamente – por meio de transformação, montagem, beneficiamento ou revenda – o produto ou serviço que venha a ser ofertado a terceiros.

O ministro afirma que a definição de consumidor estabelecida pela Segunda Seção (Recurso Especial n. 541.867) perfilhou-se à orientação doutrinária finalista ou subjetiva, segundo a qual, de regra, o consumidor intermediário, por adquirir produto ou usufruir de serviço com o fim de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo, não se enquadra na definição constante no artigo 2º do CDC.

O magistrado registra, no entanto, que se observa um certo abrandamento na interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente, a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que demonstrada, in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.

Consumidor intermediário
No entendimento do ministro, pessoa jurídica com fins lucrativos caracteriza-se como consumidora intermediária, porquanto se utiliza, no caso analisado, dos serviços de telefonia prestados pela empresa com intuito único de viabilizar sua própria atividade produtiva, consistente no fornecimento de acesso à rede mundial de computadores (internet) e de consultorias e assessoramento na construção de homepages, em virtude do que fica afastada a existência de relação de consumo.

Para um dos autores do anteprojeto do CDC José Geraldo Brito Filomeno, “o conceito de consumidor adotado pelo código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial”.

Fonte: STJ