segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

O Caminho da não Judicialização

Por uma nova cultura
Em pleno século XXI, na chamada Era dos Direitos, vive-se uma “explosão de litigiosidade”, como denomina o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. A cada ano, o Poder Judiciário está mais submerso no recrudescente número de processos judiciais.

Neste cenário, também vem se estimulando a prática dos meios eficientes de solução de conflitos, como a conciliação, a arbitragem e a mediação. Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, em agosto deste ano, o ministro Ricardo Lewandowski deu apoio às “formas alternativas de solução de controvérsias”.

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, concedeu à Revista Resultado uma entrevista sobre o assunto. Segundo ele, este é um bom momento para o Judiciário reconhecer que os métodos adequados de solução de conflitos surgem para agregar valor, e não para disputar espaço.

Marcus Vinicius explica que a adoção desses instrumentos não reduz o mercado de trabalho dos advogados, mas cria um novo nicho de atuação profissional.

Resultado: O excesso de processos no judiciário é um fator que ‘emperra’ a justiça brasileira. O senhor considera que a utilização da mediação e arbitragem podem se efetivar no cenário brasileiro como alternativas ao processo judicial?
Há um excesso de processos em tramitação e isso demonstra que a população prefere resolver seus problemas litigiosamente, procurando o Judiciário. É necessário criar a cultura do consenso, para permitir vicejar o uso da mediação, que diminui o congestionamento da Justiça. O Judiciário está assoberbado com milhares de ações que poderiam ser solucionadas tranquilamente por meio da mediação, conciliação e a arbitragem. Os instrumentos são importantes para o país, mas ainda grandes desconhecidos da sociedade; importantes pois diminuem os litígios em tramitação pelo Poder Judiciário e resolvem problemas crônicos, como a morosidade e a percepção da população de que o bem jurídico perseguido “jamais” é entregue, ou somente é entregue após longa e tenebrosa caminhada pelos escaninhos das varas e tribunais. Hoje, as metas estipuladas pelo CNJ faz com que os juízes de singela instância julguem sob pressão, ofertando à sociedade uma jurisdição de baixa qualidade, o que faz com que os recursos propostos para discutir as sentenças fornecidas a toque de caixa transfiram o engarrafamento de processo do Judiciário para o 2º grau. Ou seja - é um círculo vicioso.

Resultado: De que forma o senhor acredita ser possível popularizar e tornar a mediação e a arbitragem mais acessíveis?

É preciso criar a cultura da mediação e arbitragem para desafogar o Judiciário e a Ordem defende a presença do advogado nesses processos. O Judiciário também acredita nesses instrumentos para a resolução de conflitos, pois ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal, o ministro Ricardo Lewandowski, em sua posse, destacou a necessidade de se agregar ao Judiciário esses métodos. É em boa hora que o Judiciário reconhece que os instrumentos vêm para agregar valor e não para disputar espaço. Com o objetivo de popularizar esses instrumentos, recentemente, em julho, a OAB e o Ministério da Justiça assinaram o Acordo de Cooperação Técnica para formalizar a participação da entidade na Estratégia Nacional de não Judicialização. A Estratégia tem o objetivo incentivar negociações, conciliações e mediações a fim de reduzir litígios. Além da OAB, outros setores se comprometeram com o incentivo do uso dos instrumentos. Também integram acordos da Estratégia, em conjunto com o setor público, segmentos do setor privado como bancos e telecomunicações. Hoje, aproximadamente 95% das demandas judiciais envolvem o setor público, bancos e as empresas de telecomunicações e, por isso, os acordos foram assinados por esses setores. Com a assinatura do termo de adesão, esses setores se comprometeram formalmente com o uso da mediação, conciliação e arbitragem. Espera-se que haja mais consenso e menos processos em litígio, pois a mediação facilita a comunicação das partes.

Resultado: Qual a importância de se diminuir a lentidão do Judiciário? Quais os benefícios para a população?
É importante acabar com a morosidade dos processos no Judiciário para que cidadão fique satisfeito e seja atendido. Além disso, reduz tempo de desgaste das partes em litígio, custos e desafoga o Judiciário. Isso resulta em maior credibilidade e confiabilidade no Judiciário. Com a mediação, os interesses das partes são atendidos e elas têm a sensação de que a justiça foi feita, mesmo que em alguns casos tenham que “abrir mão” de algumas coisas e posições para que seja possível negociar e chegar ao melhor denominador comum.

Resultado: Cerca de um ano atrás foi instituída a CEMCA e em seguida o COPREMA. Na sua opinião, quais foram os frutos colhidos pelo trabalho das comissões?
A Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem e o Colégio de Presidentes das Comissões das Seccionais da OAB têm se reunido com frequência para estudar e fazer propostas que incentivem o uso desses instrumentos, como sugestões ao novo Código de Ética da Advocacia para incluir questões relacionadas à arbitragem e mediação, a inserção da designação mediação e arbitragem nos contratos sociais de sociedades de advogado, a divulgação de palestras para ao uso dos instrumentos e outras ações que visem promover o uso dos instrumentos. As Comissões das seccionais e da OAB Nacional têm trabalhado em conjunto com esse objetivo fazer a difusão dos métodos adequados de resolução de conflitos, mediação, conciliação e arbitragem por todo o Brasil.

Resultado: Como a OAB tem trabalhado no sentido de difundir a mediação e a arbitragem e em capacitação para os advogados conheçam melhor os institutos e consigam aproveitar as novas oportunidades?
Os meios alternativos de solução de conflitos serão tema de um painel na XXII Conferência Nacional dos Advogados, que será entre os dias 20 e 23 de outubro no Rio de Janeiro. Haverá palestras sobre mediação, arbitragem e conciliação com participação de professores, juristas e parlamentares brasileiros e estrangeiros. A Ordem por meio da Comissão Especial de Mediação, Conciliação e Arbitragem e do Colégio de Presidentes das Comissões das Seccionais, tem também feito um trabalho de incentivo ao uso destes instrumentos entre os advogados. Foi criada uma competição de mediação e arbitragem de caráter nacional, capitaneadas entre a OAB do Amazonas e a OAB do Rio Grande do Sul, em conjunto com a Câmara de Arbitragem Empresarial do Brasil (CAMARB) - com o objetivo de tornar a arbitragem mais conhecida entre os estudantes, criando assim a cultura do uso dos MESC’s. Foram simbolicamente escolhidas essas duas seccionais - isto é, OAB-AM e OAB-RS, para dar a ideia de que a competição se distende por todo território nacional, literalmente de norte a sul do país, por ser uma do norte e outra do sul. Assim, a OAB Nacional busca ajudar a difundir a cultura desses instrumentos no país. O presidente da Comissão, Aldemar Motta Junior, e os membros, têm realizado um ótimo trabalho e pretendem também divulgar os instrumentos por meio de palestras em vídeos. 

Resultado: O curso de Direito no Brasil é um dos mais demandados. Existem debates sobre a inserção de disciplinas de mediação e arbitragem como cadeiras obrigatórias do curso. Qual é a sua opinião? E como tem se desenvolvido este assunto na OAB?
A OAB tem atuado para que os cursos de Direito do país passem a dar mais ênfase em suas grades curriculares para disciplinas de mediação, conciliação, arbitragem e negociação. Os advogados e futuros advogados precisam ter capacidade técnica para lidar com esses instrumentos essenciais para a manutenção do direito. O objetivo não é retirar mercado de trabalho dos advogados, mas  proporcionar um novo caminho para a atuação desses profissionais. Há uma movimentação conjunta da Ordem, do Ministério da Educação e do Ministério da Justiça sobre a importância de que as faculdades incluam em suas grades essas disciplinas - de forma autônoma, conjugada com práticas jurídicas dos meios adequados de resolução de conflitos.

Resultado: Existe alguma previsão para inserção de questões sobre mediação e arbitragem no exame da Ordem?
A Ordem está analisando a viabilidade de implantação do conteúdo mediação, conciliação e arbitragem no Exame de Ordem. O intuito é divulgar esses meios alternativos de composição de litígios. Se for exigida nos Exames de Ordem, isso “estimulará” as faculdades a colocá-las em suas grades curriculares. Inclusive, isso já nos foi dito por diversos reitores e coordenadores de cursos de Direito. A OAB deve dar o exemplo e começar a exigir tais assuntos em seu Exame de Ordem, sendo assim protagonista da difusão e consolidação dos institutos.Por isso, o assunto é objeto de apreciação pela instituição. 

Resultado: Qual seu ponto de vista a respeito da criação do marco legal da mediação?

A OAB auxiliou na elaboração e está à frente das iniciativas do Marco Legal da Mediação. Para elaborar o Marco foi criada uma Comissão de Especialistas no âmbito da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça na qual a Ordem trabalhou em conjunto, tendo inclusive o Presidente Aldemar Motta Júnior da CEMCA/CFOAB integrado este Grupo de Trabalho. O resultado foi um anteprojeto de lei apresentado pelo Executivo à apreciação do Congresso Nacional. A OAB entende que a mediação é um instrumento de pacificação, que visa diminuir o litígio entre partes e, também, faz com que haja economia de recursos da Administração Pública. A ferramenta é válida para o acesso à justiça de forma célere e eficaz, que deve ser garantido aos cidadãos no Estado Democrático de Direito.

Fonte: Revista Resultado

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