Opinião
O ano de 2015 representa um avanço considerável no incremento da normatização do que vem sendo denominado métodos adequados à solução de controvérsias. A lista não é pequena. Inclui desde a reforma da Lei de Arbitragem (Lei 13.129/2015), passa por uma nova Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) e alcança modificações no novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), visando melhor integrar os métodos à novel processualística.
O ano de 2015 representa um avanço considerável no incremento da normatização do que vem sendo denominado métodos adequados à solução de controvérsias. A lista não é pequena. Inclui desde a reforma da Lei de Arbitragem (Lei 13.129/2015), passa por uma nova Lei de Mediação (Lei 13.140/2015) e alcança modificações no novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), visando melhor integrar os métodos à novel processualística.
O Conselho
Nacional de Justiça, com a edição da Resolução 125/2010, já antecipava
mudanças ao listar os objetivos estratégicos do Poder Judiciário de
eficiência operacional, acesso ao sistema de Justiça e responsabilidade
social. Relatórios periódicos do CNJ, além do papel dos acadêmicos e
operadores do direito, informam e orientam o debate.
Nesse longo processo histórico, que culmina no inovador menu,
é de se notar movimentos pendulares entre mercado e Estado como
instâncias para solução de divergências; ora enfatizando soluções
privadas, ora dando-se deferência ao protagonismo e ao condão do Estado
em restabelecer a paz social. Escapa mesmo à memória que, em
determinados momentos, métodos privados de solução de conflitos eram a
regra.
Se se pensa em arbitragem, Samtleben (1997)[1],
em detida análise da história do instituto no Brasil, indica-nos que a
Constituição de 1824 previa que desacordos jurídicos cíveis fossem
decididos por árbitros. O processo arbitral era mesmo alçado à
obrigatoriedade em assuntos comerciais, no interstício entre 1850 e
1866. Com a formação da República e o progressivo fortalecimento do
Poder Judiciário, inicia-se uma transferência das soluções privadas
(mercado) para as mãos do Estado. O Código Civil de 1916 e o Código de
Processo Civil 1939 deram forma, em nível infraconstitucional, a esse
novo modelo. Reconhecia-se, por exemplo, a arbitragem como método de
solução de conflitos, mas subjugava-o à vontade Estatal pela
dupla-homologação. Na Constituição de 1946, reforçando esse sentido,
expressava-se a garantia de inafastabilidade do Poder Judiciário a
qualquer lesão de direito individual. Louve-se o papel monopolista do
Estado de máquina adjudicatória!
Décadas se passaram e nem a
reforma processual de Buzaid, tampouco as Constituições seguintes,
chegando-se à Constituição Federal de 1988, alteraram significativamente
o quadro. Pelo contrário, parece ter havido uma conjugação, em uma
dinâmica que se auto reforçava, do fortalecimento do Estado-Juiz e da
falta de familiaridade e credibilidade dos métodos adequados. A passagem
de um Estado Liberal para um Estado Social, que já se pronunciava,
estacionava o momento adjucatório no Estado.
O sistema se
congestionou. Tornou-se lento. Alguns sugerem ter sido o resultado
natural da descoberta de direitos, acesso facilitado à justiça e o
consequente aumento do ajuizamento de ações. Previsivelmente, haveria
estrangulamento, segue o argumento, como uma estrada sem pedágios que se
congestiona quando utilizada por um maior número de carros, mais
acessíveis à população. Sem se olvidar, ademais, que muitos dos carros
são de propriedade do próprio Estado, que assume curiosa posição de
relevante usuário e pavimentador. Os juseconomistas aludem à
“tragédia dos comuns” como o padrão de problema subjacente ao
esgotamento de um recurso escasso, de livre acesso. No caso do serviço
público adjucatório constitucional, a combinação do livre acesso e
mecanismos insuficientes de uniformização de regras jurídicas, nas
palavras de Gico Jr. (2012)[2], seriam as razões para a tragédia do judiciário, expressão do colapso entre meios e fins.
A releitura da narrativa acima nos leva ao neologismo proposto, de um modelo pigouseano, em curso. Híbrido. A mão visível (solução do Estado, Estado-Juiz, pigouviana) se funde com a mão invisível (solução de mercado, métodos adequados, coaseana), em uma peculiar anatomia. Expliquemo-la por meio de uma visão interdisciplinar entre Direito e Economia.
Nessa
linha, é conhecido o debate acadêmico frente ao que a economia denomina
externalidades. Entre definições mais ou menos sofisticadas, pode-se
afirmar que as externalidades são os efeitos negativos (custos) ou
positivos (benefícios) impostos a terceiros que não fazem parte de uma
transação. A poluição é o exemplo clássico do primeiro. Coase (1960)[3]
ao discorrer sobre as externalidades e o problema do custo social
contrariou o entendimento prevalecente de Pigou, de que externalidades
deveriam ser tratadas por meio de soluções advindas das mãos do Estado.
No caso da poluição, pela responsabilização do “causador” do dano, pela
imposição de tributação ou, mesmo, pela cessação da atividade industrial
correspondente. O argumento, contra intuitivo, de Coase, foi o de que
atendidas situações (utópicas) de custos de transações nulos e direitos
de “propriedade” bem definidos, haveria uma alocação eficiente de
recursos na sociedade sem a necessidade de intervenção do Estado. Pasme:
a lei seria irrelevante, em termos de alocação eficiente de recursos,
nesse caso, ressalvadas considerações distributivas. E se esse mundo não
passa de mera imaginação, o que se deve depreender de Coase é que o
estudo das normas e dos preços determinados por elas (implícitos ou
explícitos) devem estar no centro da tentativa de compreender a
organização da economia e da sociedade (Mueller, 2013).[4]
É sob essa dicotomia (Coase-Pigou)[5]
que se pode enxergar o mencionado movimento pendular e o problema do
custo social dos modelos de soluções de controvérsias. A outrora
deferência aos métodos privados de solução (séculos XIX, coaseano) foi substituída pela veneração pigouviana
ao Estado (século XX). Como forças opostas. Contudo, nenhum dos
modelos, em suas formas puras, assépticas, se mostrou viável ou
legítimo.
Passados séculos dessa evolução, é compreensível que a
sociedade brasileira busque, assim como outras, em maior ou menor grau,
um novo ponto de equilíbrio. Mantém-se matérias para apreciação no
âmbito do Estado-Juiz (direito de família e questões criminais, por
exemplo). Fomenta-se a mediação/conciliação e amadurece-se a
possibilidade de resolução de conflitos envolvendo direitos patrimoniais
disponíveis pela arbitragem, incluindo aqueles com a administração
pública. Mais que isso, a combinação pigouseana diz respeito
não só aos tipos de soluções para determinadas matérias, mas também a
sua atuação de forma articulada, não excludente. É o que se revela no
texto do novo CPC de que os tribunais criem centros judiciários de
solução consensual de conflitos, para a realização de sessões e
audiências de conciliação e mediação, estimulando a autocomposição.
Igualmente, na dinâmica proporcionada pela reforma da Lei de Arbitragem,
quando as partes podem recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de
medida cautelar ou de urgência no procedimento.
Os benefícios e custos relacionados a anatomia híbrida do modelo pigouseano
serão postos à prova. Já se passava o tempo para uma nova sintonia
entre acesso à justiça e o problema do custo social. Será ela
suficiente? Observemos.
[1] SAMTLEBEN, Jürgen. Histórico da Arbitragem no Brasil. In: Arbitragem: a nova lei brasileira (9.307/96) e a praxe internacional. Paulo Borba Casella (Coord.) São Paulo: LTr, 1997.
[2] GICO JR., I. T. A Tragédia do Judiciário:
subinvestimento em capital jurídico e sobreutilização do Judiciário.
Tese de Doutorado. Brasília: Universidade de Brasília - UnB, 2012.
[3] COASE. The Problem of Social Cost. Journal of Law and Economics, v. 3, n. 1 (1960).
[4] MUELLER. B. (Prefácio) In: RIBEIRO, G. F.; GICO JR. O Jurista que Calculava (2013).
[5] SIMPSON, A. W. B. Coase v. Pigou Reexamined 25 J. Legal Stud., v. 25 (1996).
Por Gustavo Ferreira Ribeiro é professor do UniCEUB-Brasília do Curso de Direito. Advogado
Fonte: ConJur
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