Outros caminhos
Ao contrário da mediação judicial, a mediação privada representa um verdadeiro movimento de não judicialização dos conflitos. Significa retirar efetivamente das mãos do Estado a árdua tarefa de resolver sozinho os conflitos. Utilizar a mediação privada significa permitir que as partes sejam realmente donas da solução do conflito.
A mediação é uma forma de resolução de conflitos em que se utiliza a figura de um terceiro imparcial, o Mediador, como facilitador da comunicação e da negociação entre as partes.
A mediação privada, como o seu nome indica, é PRIVADA. Ou seja, não se realiza e nem se inicia perante o Poder Judiciário.
Levar um conflito para a mediação privada oferece uma série de vantagens:
1) Evita a judicialização do conflito – na mediação privada não há necessidade de se acionar o Poder Judiciário. O acordo formalizado na mediação já possui força de título executivo extrajudicial. Apenas se houver interesse ou tratando-se de direitos indisponíveis, o acordo será levado para homologação judicial. Utilizar a mediação judicial, por exemplo, por meio dos CEJUSCs – Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, é apenas uma outra forma de judicialização. A sobrecarga do Poder Judiciário não pode simplesmente ser transferida do contencioso judicial para os CEJUSCs.
2) Soluções mais rápidas – um caso no Poder Judiciário pode levar anos! Uma mediação privada, ao contrário, ocorre de acordo com a agenda dos participantes e pode ser realizada muito mais rapidamente, podendo durar poucos dias ou alguns meses. Caso não seja possível a formalização de um acordo sobre todos os pontos do conflito, a mediação privada assegura total privacidade e permite a resolução parcial da controvérsia. Apenas as questões que ficarem em aberto precisarão ser levadas posteriormente para uma arbitragem ou contencioso judicial.
3) Maior controle pelas partes - As partes têm efetivo controle tanto sobre o procedimento de mediação como sobre o seu resultado. A mediação privada permite afastar a imposição de uma decisão por um terceiro (árbitro ou juiz estatal), que pode não ser exatamente aquela desejada pelas partes.
4) Custos reduzidos e controlados – Os custos de um processo contencioso, além de altos, são imprevisíveis. Na mediação privada, em que o foco é encontrar uma solução construtiva e não destruir o outro, as partes utilizam o tempo e o dinheiro na busca efetiva de uma solução criativa para o conflito. Os custos da mediação privada são previsíveis, controlados e mais facilmente gerenciados pelas partes.
5) Privacidade – a mediação privada é um processo sigiloso, que não ocorre perante um órgão público. Os clientes da mediação privada têm a possibilidade de decidir o que desejam divulgar. Quando o Poder Judiciário é acionado, as partes perdem o controle sobre a confidencialidade das informações, uma vez que o processo judicial é, em regra, público.
6) Autonomia da vontade – cabe às partes a escolha do mediador, da câmara de mediação e de como desejam organizar o procedimento. As partes têm condições de assegurar que terão um mediador com a qualificação, conhecimentos e experiência necessárias para mediar o seu caso. Um conflito empresarial complexo e que envolve valores consideráveis, por exemplo, necessita um mediador experiente para que o tempo e o dinheiro das partes sejam valorizados. A mediação privada garante que as partes não irão se sujeitar a um mediador sem experiência e sem a qualificação desejada.
7) Acesso livre aos métodos contenciosos – o fato de escolher a mediação privada não inviabiliza o acesso ao Judiciário ou à arbitragem, caso se torne necessário. A escolha pela mediação e a permanência das partes em mediação são sempre voluntárias.
8) Mediação privada não é conciliação – a mediação privada assegura que o procedimento utilizado pelo mediador tenha a qualidade necessária e não se confunda com a conciliação. Algumas pessoas já tiveram experiências ruins com a conciliação, o que as leva a não acreditar também na mediação. Porém, importante deixar claro: o mediador privado não é um conciliador; o mediador privado não é um juiz; o mediador privado não impõe ou obriga as partes a fazerem acordos.
9) Valorização do advogado – um bom mediador privado sabe a importância da presença de um advogado capacitado para atuar em procedimentos de mediação. O advogado na mediação privada é valorizado e as partes são estimuladas e buscarem o seu apoio, na preparação do caso, durante o andamento da mediação, na busca por opções criativas e juridicamente viáveis, e na própria redação do acordo de mediação.
10) Nada a perder – a mediação está baseada na autonomia da vontade. Ninguém irá forçar as partes a tomarem decisões indesejadas. O custo e o tempo são reduzidos. A proposta é encontrar soluções criativas que gerem ganhos mútuos. Portanto, as partes nada têm a perder.
E mais. A mediação privada pode ser utilizada a qualquermomento:
1) Antes de pensar em iniciar um processo arbitral ou judicial, as partes devem saber que podem resolver o conflito pela mediação privada.
2) Se já existe uma arbitragem ou processo judicial em andamento, a mediação privada poderá ser utilizada para minimizar os gastos e o tempo que as partes estão tendo que se dedicar ao processo contencioso.
3) Mesmo depois de proferida uma sentença, caso as partes percebam que os conflitos não foram resolvidos de forma definitiva, a mediação privada pode ser utilizada.
As partes têm, essencialmente, duas opções para utilizar a mediação privada:
1) Uma primeira opção é a mediação ad hoc. Neste caso, as partes procuram diretamente um mediador capacitado para conduzir o procedimento, sem que haja a participação de uma câmara ou centro de mediação. Considerando que o mediador terá que tomar todas as providências necessárias para que a mediação possa ocorrer de forma válida e eficiente, é fundamental que as partes escolham um mediador experiente e reconhecido pelo mercado. Os procedimentos de certificação de mediadores propostos pelo ICFML – Instituto de Certificação e Formação de Mediadores Lusófonos, por exemplo, buscam definir critérios mínimos de qualidade na atuação dos mediadores. Além disso, será fundamental que as partes definam previamente, se possível em uma cláusula contratual, a forma de escolha do mediador. Como sugestão, pode ser definido que cada parte irá indicar, em ordem de preferência, dois ou três mediadores certificados. Em seguida, as partes deverão verificar se algum dos nomes coincide em suas listas e, caso isso não ocorra, elas poderão entrar em consenso em relação aos nomes que elas aceitam ou os que elas não aceitam, até que seja definido o mediador. Como regra, os mediadores cobram os seus honorários com base em um valor pela hora ou dia de sessão de mediação, o que possibilita às partes um maior controle sobre os gastos que terão com a mediação, podendo avançar ou interromper a mediação, caso os custos ultrapassem os limites máximos previstos.
2) Outra opção para as partes é a mediação institucional. Neste caso, ocorrerá a contratação dos serviços de uma câmara ou um centro de mediação privado que tenha reconhecida experiência em organizar procedimentos de mediação e possa auxiliar as partes, desde a escolha do mediador até a realização das sessões de mediação e formalização do acordo ao final do procedimento. Neste caso, é fundamental buscar boas referências e indicações de pessoas que tenham experiência em mediação e que possam indicar as melhores e mais experientes câmaras de mediação disponíveis no mercado. O CONIMA – Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem, por exemplo, é uma entidade nacionalmente reconhecida e que mantem um controle constante da atuação das suas filiadas. A CAMARB – Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil, por sua vez, é uma instituição reconhecida e atuante no mercado desde 1998 e que tem por objeto a administração de procedimentos de mediação, arbitragem e outras formas extrajudiciais de solução de controvérsias.
Mas por que motivo escolher a mediação privada ao invés da mediação judicial?
A Resolução 125 de 2010 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça implantou a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, estimulando o uso dos métodos consensuais, especialmente a mediação e a conciliação. Sua principal motivação foi contribuir para a redução da sobrecarga do Poder Judiciário, que atualmente acumula mais de 110 milhões de processos judiciais. Porém, não foi a intenção do CNJ transferir simplesmente essa sobrecarga dos Gabinetes dos Magistrados para os CEJUSCs.
Se a proposta é mudar a cultura da sentença para a cultura do consenso, é fundamental que as pessoas deixem de acreditar que somente sob o manto do Estado, dentro da estrutura do Poder Judiciário, é possível resolver os conflitos. Se for assim, o Poder Judiciário continuará sobrecarregado. O Estado-pai continuará arcando com todas as despesas dessa judicialização. E nós, contribuintes, continuaremos financiando a máquina estatal.
Assim, somente devem ser levados para o Poder Judiciário os conflitos que não puderem ser resolvidos na esfera privada. Com isso, todos saem ganhando. Os cidadãos passam a decidir seus conflitos de forma amigável, enquanto o Poder Judiciário somente se preocupará com os casos em que a solução consensual não for possível.
Ao contrário da mediação judicial, a mediação privada representa um verdadeiro movimento de não judicialização dos conflitos. Significa retirar efetivamente das mãos do Estado a árdua tarefa de resolver sozinho os conflitos. Utilizar a mediação privada significa permitir que as partes sejam realmente donas da solução do conflito.
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*Leandro Rennó é vice-presidente da CAMARB – Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial – Brasil, vice-presidente do ICFML Brasil e professor da PUC Minas.
*Ana Maria Maia Gonçalves é presidente do ICFML
Fonte: Migalhas