A advocacia tem
acompanhado, e com muita frequência protagonizado, as muitas mudanças da
sociedade brasileira. O mesmo pode ser afirmado quanto ao movimento de
consensualização do sistema de Justiça. A realidade do advogado
contencioso no Poder Judiciário tem passado por mudanças significativas.
Em
2006, no início do CNJ e seu movimento pela conciliação, a advocacia
pública na alegada defesa de órgãos públicos mostrava-se marcantemente
avessa às soluções consensuadas, e a advocacia privada apresentava suas
resistências iniciais (por exemplo, o receio de transmitir-se imagem de
fragilidade, pois equivocadamente considerava-se que buscava acordo
apenas quem tinha dúvidas quanto ao seu êxito em uma demanda). Todavia,
essa mudança de postura e da prática da advocacia mostram-se patentes:
atualmente, a tendência do campo profissional dos artífices de Direito
mostra uma valorização maior do advogado que consegue trazer
racionalidade, objetividade e criar valor para o cliente no processo de
resolução de disputas.
Por outro lado, escritórios de grande porte
dividem suas atuações em setores ou grupos especializados em
empresarial, tributário, trabalhista, imobiliário e... contencioso.
Parte-se da premissa de que esse setor se direciona a auxiliar clientes a
litigarem seus conflitos. Todavia, uma prática contenciosa diante de um
sistema público de resolução de disputas voltado cada vez mais a
soluções consensuais mostra-se, no mínimo, anacrônico.
A interação
de um advogado contencioso com o cliente, consiste, em boa parte, em
avaliar se há alguma probabilidade de a perspectiva do cliente ser
defensável e conceber uma estratégia jurídica a partir da qual o
causídico passará a defender seu cliente. Essa prática produz um viés
cognitivo no advogado de querer ver o quanto o seu cliente está correto
na disputa. Não por outro motivo, em algumas práticas de resolução de
disputas empresariais, quando um mediador questiona separadamente aos
advogados acerca de suas probabilidades de êxito, a soma dos percentuais
apresentados raramente é menor que 170% — quando, ao menos
matematicamente, se houvesse avaliações precisas e distanciadas de
paixões, a soma deveria necessariamente ser 100%.
Por um lado, ter
um advogado que se engaja na causa de seu cliente mostra-se importante
para o litígio — afinal, ninguém quer um defensor incrédulo, fraco ou
desmotivado. Por outro lado, ter um advogado que o faz de forma a perder
a sensibilidade quanto à real probabilidade de êxito faz com que se
percam oportunidades de negociação, e com isso geram-se perdas
pecuniárias.
A título de exemplo, um advogado que acredita que
possui 90% de chance de êxito em uma demanda na qual poderá receber R$ 1
milhão, em uma negociação, como sugere a teoria própria a esse respeito[1],
deve fechar um acordo igual ou superior a R$ 900 mil. Todavia, se essa
avaliação estiver equivocada e sua real probabilidade de êxito seguindo
parâmetros descritivos de litígios semelhantes for de 30%, uma proposta
da parte contrária de R$ 400 mil mostra-se, de fato, uma ótima proposta.
Assim, corre-se o risco de incorrer-se não apenas em perdas de
oportunidades, mas também em prejuízos financeiros.
O erro de
aferição e a escolha equivocada de estratégia profissional, por ora (e
esperamos, por pouco tempo), não se mostra tão relevante no Direito como
é em outras profissões. Considere-se a situação de um oncologista que
se equivoca na escolha de tratamento de um paciente em razão da
avaliação incorreta acerca da probabilidade de êxito do tratamento
optado. A falta de conformidade com protocolos médicos consolidados e
seu desconhecimento de índices seguros de probabilidade de êxito dos
tratamentos expõe o médico a maiores probabilidades de ser civilmente
responsabilizado por esse erro.
Ademais, não apenas deve o
advogado produzir uma aferição segura e isenta — nem que para tanto
tenha que contratar um avaliador neutro — como também oferecer, diante
de uma disputa em concreto, um rol de procedimentos possíveis para
resolver de forma objetiva e eficiente o conflito. Atualmente, é
possível, entre muitas outras práticas, negociar, mediar, ter um
avaliador neutro, facilitar negociações, arbitrar e, naturalmente,
contender ou litigar. Todavia, indicar que o grupo ou setor em um
escritório de advocacia responsável por gerenciar esse rol de escolhas
procedimentais denomina-se "grupo contencioso" soa tão inapropriado no
século XXI como chamar dentistas de "tira-dentes". Advogados que lidam
bem com disputas são muito mais que isso... E criam para os clientes
muito mais valor do que apenas permitindo que demandas permaneçam em
juízo por anos.
Escritórios de advocacia precisam alterar suas atividades contenciosas substituindo-as pelo que se denominou[2]
de advocacia resolutiva: aquela baseada em análises objetivas de
probabilidade de êxito, identificação apropriada de interesses reais das
partes, criação de valor em razão de abordagens integrativas, auxílio
com a escolha procedimental adequada baseada em critérios objetivos
referentes aos diversos processos de resolução de disputas e apoio às
partes no desenvolvimento de competências emocionais que permitam o
distanciamento de escolhas baseadas em paixões ou posições irracionais.
Como
uma das muitas ferramentas desta nova prática da advocacia, cite-se o
exemplo da elaboração pelo advogado de uma árvore de decisões. Por essa
ferramenta, o advogado examina as diversas variáveis que influenciarão
diretamente no resultado da disputa, atribui um percentual de êxito à
causa, que, multiplicado pelo valor pretendido inicialmente, delimita a
zona de possível acordo, ou seja, o intervalo economicamente
interessante para as partes chegarem ao consenso[3].
Ao
utilizar tal ferramenta, o advogado apresenta ao seu cliente, de
maneira técnica e precisa, as vantagens do uso de cada meio de resolução
de disputas — com a monetização esperada de sua utilização. A título de
exemplo, uma avaliação objetiva feita pelo advogado (ou por um
avaliador neutro) de que o cliente possui 50% de probabilidade de lograr
uma condenação da parte adversa em R$ 100 mil; 30% de probabilidade de
lograr R$ 50 mil; e 20% de probabilidade de não obter qualquer êxito
gera uma base de negociação de R$ 65 mil (R$ 50 mil + R$ 15 mil + R$ 0).
Cabe, ao advogado resolutivo, consultar seu cliente acerca de a
possibilidade de sua relação com a outra parte ser reestruturada de
forma a se criar (ou gerar) valor e com isso buscar-se um acordo acima
do patamar sugerido pela análise probabilística de resultados esperados
da demanda. Assim, o papel do advogado resolutivo consiste em apresentar
ao seu cliente, objetivamente, o benefício econômico que a resolução da
disputa não litigiosa pode lhe trazer, e o risco inerente à utilização
de formas judicatórias para, ao final, decidirem em conjunto quanto a
sua viabilidade.
Nessa atuação, a prática de inflacionar-se a
probabilidade de vitória de um cliente em uma demanda passa a significar
retirar dele a oportunidade de ganhos decorrentes do controle quanto ao
resultado, da economia de tempo na resolução da disputa, de se criar
valor em negociações diretas e, finalmente, mantendo-se o cliente em um
patamar de eficiência reduzida de resolução de disputas.
Apesar de
no Brasil apenas 11,9% das sentenças e decisões proferidas no Poder
Judiciário em 2016 terem sido homologatórias de acordo[4],
não há como fugir do nítido movimento de que aos poucos, diante dos
benefícios da advocacia resolutiva — principalmente econômicos e tempo
de duração do processo —, o mercado vai exigir que os
escritórios extingam o setor denominado contencioso, onde ajuizar ações e
contestá-las é uma prioridade, para criar o setor resolutivo, onde o
advogado deverá saber quando usar o chapéu de litigante e quando usar o
de solucionador[5] em razão de critérios objetivos e quantificáveis.
Como
indicava Lewis Carroll, “quando não se sabe para onde se está indo,
qualquer caminho o levará ao seu destino”. Este, por muitos anos, foi um
ótimo adágio para o litígio: segue-se este caminho por não se saber
para onde se está indo. Por outro lado, como sugere o professor Michael
Wheeler, rigor analítico é fundamental para sucesso da negociação ou na
resolução de disputas[6].
Com isso, surgem não apenas diversas formas de economizar tempo e gerar
valor para clientes, mas também uma forma mais inteligente de se
advogar: a advocacia resolutiva.
[1] RAIFFA, Howard, Lectures in Negotiation Analysis, Cambridge, MA: PON Books, 1996.
[2] V. GOMMA DE AZEVEDO, André. Pedagogia
de competências como paradigma do processo formativo em negociação: uma
proposta a partir da experiência da oficina de negociação da Faculdade
de Direito da Universidade de Brasília. Brasília: Faculdade de
Direito da Universidade de Brasília, 2018. 305p. (Tese, Doutorado em
Direito) e GOMMA DE AZEVEDO, André (Org.) Manual de Mediação Judicial. 7ª Ed. Brasília: Ed. Grupos de Pesquisa, 2018.
[3] SENGER, Jeffrey, Federal Dispute Resolution: Using ADR with the United States Government 80, 113-15, 2004.
[4] http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2017/12/9d7f990a5ea5e55f6d32e64c96f0645d.pdf, fls. 125.
[5] MACFARLANE, Julie, The New Lawyer: How Settlement is Transforming The Practice of Law, Vancouver: UBC Press 2008, page 119.
[6] WHEELER, Michael, Negotiation Analysis: an introduction, Cambridge, MA: Harvard Business School paper, 9-801-156, 2000.
Arnoldo de Paula Wald é advogado.
André Gomma de Azevedo é juiz de Direito (TJ-BA) e professor-adjunto do programa de mestrado em
Resolução de Disputas do Straus Institute for Dispute Resolution da
Universidade de Pepperdine, em Malibu (Califórnia - EUA).
Fonte: ConJur
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