Opinião
Em meados da década de 1990, o sistema de telefonia brasileiro viveu momento de grande virada quanto à sua difusão enquanto serviço. O modelo anterior estava esgotado, e o monopólio do Estado sobre esses serviços não atendia mais às necessidades da população brasileira.
A solução, então, partiu de um novo marco regulatório para expressamente permitir que empresas privadas pudessem prestar os serviços de telefonia com a eficiência almejada. As companhias controladas pelo Estado tiveram seus controles vendidos em um procedimento de leilão muito exitoso do ponto de vista de captação de recursos para os cofres públicos.
Entretanto, junto com a privatização, as novas prestadoras dos serviços herdaram uma disputa societária com os usuários dos serviços. Isso porque se adotou, na época da expansão da telefonia exclusivamente pública, um modelo de contratação com o mercado consumidor no qual se adquiria não só o direito de uso da linha, mas uma participação societária compulsória das telefônicas, com a finalidade de financiar a expansão da rede.
Houve rápida proliferação de ações indenizatórias, questionando quantas ações os investidores deveriam ter recebido na época dos aportes e como deveria se dar a indenização pela diferença apurada, sendo que até os dias de hoje o Judiciário encontra dificuldades na valoração, em razão da constante mudança dos critérios contábeis utilizados para o cálculo original, das variadas formas de integralização de capital, acrescentando-se ainda as alterações das estruturas societárias das incorporadoras.
Em 2009, o STJ tentou fixar um critério que fosse aplicado a todos os contratos, resultando na edição da Súmula 371. A apuração do valor contábil das ações deveria ser realizada com base nos balancetes de verificação mensal da empresa emitente. Todavia, diversas variáveis do cálculo permaneceram sem um critério claro, de modo que o entendimento jurisprudencial fixado pela corte não resultou na efetiva pacificação dos conflitos.
Duas décadas após a privatização das teles, as instâncias superiores ainda estão decidindo sobre os critérios de cálculo complementares à Súmula 371, bem como somente agora discutem a possibilidade de responsabilização do antigo controlador público pelas indenizações, enquanto centenas de milhares de processos já foram julgados conforme critérios diversos.
O resultado foi um prejuízo bilionário, com a perda de competitividade e capacidade de investimento adequada das concessionárias para a melhoria dos serviços, prejuízos que jamais serão adequadamente reparados, inclusive em detrimento do próprio usuário final, que paga mais caro por um serviço de qualidade inferior.
O mais grave é que tal situação levou ainda a um cenário de insegurança no que tange aos processos de privatizações, com a diminuição da percepção de valor dos negócios ofertados e, por consequência, nos valores arrecadados nos leilões, pois a avaliação do passivo das estatais cujo controle estava sendo alienado foi realizada de forma incompleta, sem qualquer responsabilização do alienante.
Há que se fazer, então, uma reflexão sobre a capacidade atual do nosso sistema jurídico em lidar em tempo razoável com grande volume de disputas, aventando-se a possibilidade de delegar a resolução dos conflitos a métodos alternativos, como é o caso da arbitragem.
Talvez os céticos questionarão se a arbitragem seria possível num contexto como o exemplo que trouxemos para a mesa de debate, cuja relação jurídica foi tratada na divisa entre Direito Societário, Direito Público e Direito do Consumidor.
É claro que, sem cláusula de arbitragem previamente estabelecida, os casos dependeriam de concordância posterior das partes, pela via do chamado “compromisso arbitral”. A efetividade e eficiência da operacionalização desse mecanismo de resolução de conflitos, por sua vez, precisaria ser feita de forma coletiva, por meio de entidades representativas de interesses dos acionistas.
Nesse sentido, fazemos referência ao que vem ocorrendo amplamente nas companhias de capital aberto, onde a arbitragem é amplamente aceita mesmo em relação aos pequenos investidores. Não só isso, o caso Petrobras virá para demonstrar que a arbitragem societária pode inclusive ser viabilizada como demanda coletiva, pois já se iniciaram os debates sobre a forma de representação dos investidores minoritários, como a criação de associações que defendem os seus interesses.
Um sistema de class arbitration combinado com outras soluções já oferecidas no mercado, como o financiamento da arbitragem por terceiros (third party funding), tornará mais acessível ao acionista minoritário exercer direitos de ordem societária.
Igualmente, não existem dúvidas que tal forma de organização jurisdicional ainda facilitaria a composição consensual das demandas, considerando que haveria que se negociar com apenas um ente jurídico a fixação dos critérios aplicáveis, tornando desnecessária a hercúlea tarefa de se negociar acordos em cada uma das demandas individuais.
O ganho de eficiência num modelo como esse é inegável, pois diminuiria os custos de transação para as empresas, possibilitaria uma uniformização mais rápida acerca dos critérios de indenização, aumentando a previsibilidade e repercutindo em preços menores aos consumidores.
Em meados da década de 1990, o sistema de telefonia brasileiro viveu momento de grande virada quanto à sua difusão enquanto serviço. O modelo anterior estava esgotado, e o monopólio do Estado sobre esses serviços não atendia mais às necessidades da população brasileira.
A solução, então, partiu de um novo marco regulatório para expressamente permitir que empresas privadas pudessem prestar os serviços de telefonia com a eficiência almejada. As companhias controladas pelo Estado tiveram seus controles vendidos em um procedimento de leilão muito exitoso do ponto de vista de captação de recursos para os cofres públicos.
Entretanto, junto com a privatização, as novas prestadoras dos serviços herdaram uma disputa societária com os usuários dos serviços. Isso porque se adotou, na época da expansão da telefonia exclusivamente pública, um modelo de contratação com o mercado consumidor no qual se adquiria não só o direito de uso da linha, mas uma participação societária compulsória das telefônicas, com a finalidade de financiar a expansão da rede.
Houve rápida proliferação de ações indenizatórias, questionando quantas ações os investidores deveriam ter recebido na época dos aportes e como deveria se dar a indenização pela diferença apurada, sendo que até os dias de hoje o Judiciário encontra dificuldades na valoração, em razão da constante mudança dos critérios contábeis utilizados para o cálculo original, das variadas formas de integralização de capital, acrescentando-se ainda as alterações das estruturas societárias das incorporadoras.
Em 2009, o STJ tentou fixar um critério que fosse aplicado a todos os contratos, resultando na edição da Súmula 371. A apuração do valor contábil das ações deveria ser realizada com base nos balancetes de verificação mensal da empresa emitente. Todavia, diversas variáveis do cálculo permaneceram sem um critério claro, de modo que o entendimento jurisprudencial fixado pela corte não resultou na efetiva pacificação dos conflitos.
Duas décadas após a privatização das teles, as instâncias superiores ainda estão decidindo sobre os critérios de cálculo complementares à Súmula 371, bem como somente agora discutem a possibilidade de responsabilização do antigo controlador público pelas indenizações, enquanto centenas de milhares de processos já foram julgados conforme critérios diversos.
O resultado foi um prejuízo bilionário, com a perda de competitividade e capacidade de investimento adequada das concessionárias para a melhoria dos serviços, prejuízos que jamais serão adequadamente reparados, inclusive em detrimento do próprio usuário final, que paga mais caro por um serviço de qualidade inferior.
O mais grave é que tal situação levou ainda a um cenário de insegurança no que tange aos processos de privatizações, com a diminuição da percepção de valor dos negócios ofertados e, por consequência, nos valores arrecadados nos leilões, pois a avaliação do passivo das estatais cujo controle estava sendo alienado foi realizada de forma incompleta, sem qualquer responsabilização do alienante.
Há que se fazer, então, uma reflexão sobre a capacidade atual do nosso sistema jurídico em lidar em tempo razoável com grande volume de disputas, aventando-se a possibilidade de delegar a resolução dos conflitos a métodos alternativos, como é o caso da arbitragem.
Talvez os céticos questionarão se a arbitragem seria possível num contexto como o exemplo que trouxemos para a mesa de debate, cuja relação jurídica foi tratada na divisa entre Direito Societário, Direito Público e Direito do Consumidor.
É claro que, sem cláusula de arbitragem previamente estabelecida, os casos dependeriam de concordância posterior das partes, pela via do chamado “compromisso arbitral”. A efetividade e eficiência da operacionalização desse mecanismo de resolução de conflitos, por sua vez, precisaria ser feita de forma coletiva, por meio de entidades representativas de interesses dos acionistas.
Nesse sentido, fazemos referência ao que vem ocorrendo amplamente nas companhias de capital aberto, onde a arbitragem é amplamente aceita mesmo em relação aos pequenos investidores. Não só isso, o caso Petrobras virá para demonstrar que a arbitragem societária pode inclusive ser viabilizada como demanda coletiva, pois já se iniciaram os debates sobre a forma de representação dos investidores minoritários, como a criação de associações que defendem os seus interesses.
Um sistema de class arbitration combinado com outras soluções já oferecidas no mercado, como o financiamento da arbitragem por terceiros (third party funding), tornará mais acessível ao acionista minoritário exercer direitos de ordem societária.
Igualmente, não existem dúvidas que tal forma de organização jurisdicional ainda facilitaria a composição consensual das demandas, considerando que haveria que se negociar com apenas um ente jurídico a fixação dos critérios aplicáveis, tornando desnecessária a hercúlea tarefa de se negociar acordos em cada uma das demandas individuais.
O ganho de eficiência num modelo como esse é inegável, pois diminuiria os custos de transação para as empresas, possibilitaria uma uniformização mais rápida acerca dos critérios de indenização, aumentando a previsibilidade e repercutindo em preços menores aos consumidores.
Por Nikolai Sosa Rebelo é advogado, mestre em Direito pela University of
California Berkeley (EUA) e especialista em Direito Societário e fusões e
aquisições, contratos empresariais nacionais e internacionais e
resolução de disputas em arbitragem em Direito Empresarial.
Felipe Esbroglio de Barros Lima é advogado, pós-graduado em Direito dos
Negócios e especialista em Direito Empresarial e conflito de acionistas.
Fonte: ConJur
Nenhum comentário:
Postar um comentário