Acúmulo de Processos
A experiência com a 
injustiça é dolorosa. Mesmo em doses homeopáticas, a injustiça mata. Mas
 a experiência com a Justiça também pode doer. Principalmente quando o 
acúmulo de processos impede o Judiciário de dar a resposta oportuna. 
Administrar 93 milhões de processos num Brasil de 200 milhões de 
habitantes é acreditar que se vive no país mais beligerante do planeta. 
Será que é assim?
Não é verdade que todos os brasileiros sejam 
hoje clientes do Judiciário. Este é prioritariamente procurado pelo 
próprio Estado. União, por si e pela administração indireta, por suas 
agências, organismos, entidades e demais exteriorizações, é uma 
litigante de bom porte. Por reflexo, o estado-membro e os municípios 
também usam preferencialmente da Justiça.
Um exemplo claro disso é
 a execução fiscal. Uma cobrança da dívida estatal pretensamente devida 
pelo contribuinte. Por força da Lei de Responsabilidade Fiscal, todos os
 anos milhões de certidões de dívida ativa são arremessadas para o 
Judiciário, que fica incumbido de receber tais créditos. Sabe-se que o 
retorno é desproporcional ao número de ações. Os cadastros são 
deficientes, muitos débitos já estão prescritos ou são de valor muito 
inferior ao custo da tramitação do processo.
Mas o governo é 
também bastante demandado em juízo. Gestões estatais podem vulnerar 
interesses e uma legião de cidadãos entra em juízo para pleitear 
ressarcimento de seus direitos. Outros clientes preferenciais são os 
prestadores de serviços essenciais, que nem sempre atendem de forma 
proficiente os usuários. São lides repetitivas, às vezes sazonais, mas 
atravancam foros e tribunais.
O brasileiro precisa meditar se vale
 a pena utilizar-se exclusivamente do processo convencional ou se não é 
melhor valer-se de alternativas de resolução de conflito que dispensem o
 ingresso em juízo. Os norte-americanos, ricos e pragmáticos, só 
recorrem ao Judiciário para as grandes questões. As pequenas são 
resolvidas por conciliação, negociação, mediação, transação e outras 
modalidades como o "rent-a-judge", que nós ainda não usamos. Ganha-se tempo e eles sabem que "time is money", motivo por que o ganho é duplo.
O
 mais importante é que a solução conciliada ou negociada é uma resposta 
eticamente superior à decisão judicial. Esta faz com que o chamado 
"sujeito processual" se converta, na verdade, em "objeto da vontade do 
Estado-juiz". Enquanto que nas alternativas de resolução de conflitos o 
sujeito é protagonista, discute os seus direitos com a parte adversa, se
 vier a chegar a um acordo, será fruto de sua vontade, sob a orientação 
de um profissional do direito. Mas nunca será mero destinatário de uma 
decisão heterônoma, que prescindiu do exercício de sua autonomia.
É
 de se pensar se este não seria um caminho redentor da Justiça 
brasileira e, simultaneamente, construtor de um cidadão apto a 
implementar a ambicionada Democracia Participativa, que o constituinte 
prometeu em 1988.
Por José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo
Fonte: ConJur 

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