Um
dos preceitos básicos de boa gestão na Administração Pública consiste
em verificar se há razoável equilíbrio entre a demanda e a oferta dos
serviços públicos. Atualmente, de acordo com o relatório Justiça em
Números do Conselho Nacional de Justiça, a cada ano, de dez novas
demandas ingressadas no Judiciário brasileiro, apenas três são
resolvidas. As outras sete são postergadas para os anos seguintes.
Grosseiramente, isto significa que são necessários três anos e quatro
meses de atividade do poder Judiciário para proporcionar a
resolutividade necessária para um ano. Por outro lado, já uma tradição
no poder Judiciário brasileiro, a Semana Nacional de Conciliação
proporciona em apenas uma semana cerca de 300 mil acordos. Novamente de
forma aproximada, se fosse possível a designação de nove SNCs em um
único ano, toda a demanda anual do Judiciário estaria absorvida
exclusivamente nessas nove semanas. As demais 43 semanas do ano poderiam
ser direcionadas a reduzir o acervo de mais de 92 milhões de feitos que
aguardam resolução.
Naturalmente, além do problema quantitativo,
há o problema qualitativo — muitas conciliações ainda são pressões
inoportunas para que o jurisdicionado abra mão de direitos — o que não é
sequer legítimo ou legal, pois em muitos casos viola os princípios do
juiz natural, da ampla defesa e do devido processo legal. Ainda quanto
ao problema quantitativo, cumpre destacar também que nem toda demanda é
conciliável e, principalmente, ainda não temos cultura jurídica,
estruturas e recursos humanos para a organização de "nove SNCs" por ano.
Todavia,
cultura jurídica se constrói mediante incentivos apropriados,
estruturas se consolidam com adequados investimentos — obtidos também
por meio da demonstração efetiva de resultados — e recursos humanos se
formam ante modelos pedagógicos racionalmente estruturados. O ano de
2013 não proporcionou tudo isso, todavia alguns avanços importantes
foram realizados - muitos pela iniciativa privada outros pelo próprio
poder público.
O ano de 2013, no âmbito da mediação judicial e da
conciliação, foi marcado pela consolidação do entendimento de que não é
aceitável um modelo de poder público se permitir ser tão deficitário no
que concerne ao seu índice de congestionamento quando já existem no
Brasil soluções possíveis. Merecem destaque os seguintes fatos: i) a
aprovação, no Senado, do projeto de lei de mediação do senador Ricardo
Ferraço, em tramitação desde 2011; ii) a organização da I Conferência
Nacional de Conciliação e Mediação Judicial e da I Conferência Nacional
de Mediação de Família e Práticas Colaborativas; iii) a continuação da
formação de instrutores em mediação judicial e conciliação pelo CNJ; iv)
A organização do I Curso Básico de Mediação Judicial que atendeu 2 mil
alunos de todo o Brasil e v) o estimulo pelo CNJ a magistrados que
encaminhem demandas litigiosas em varas de família a mediadores de
família para atuarem, de forma remunerada quando possível, como
auxiliares da justiça (artigo 139 do CPC) e o encaminhamento a oficinas
de parentalidade e divórcio – uma prática voltada a educar pais
divorciando a resolverem melhor seus conflitos.
A aprovação, no Senado, do projeto de lei 517 de 2011.
O projeto de Lei do Senado de no. 517 de 2011 do senador Ricardo Ferraço, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça em 12 de dezembro de 2013, foi um importante passo para a consolidação de uma ampla cultura de mediação de conflitos na sociedade brasileira. Isto porque, por este projeto, que ainda segue para análise na Câmara dos Deputados, a mediação, ainda que não seja obrigatória (artigo 2º, parágrafo único do PLS 517/11), deverá ser fortemente estimulada. Por este projeto o encaminhamento de feitos para a mediação judicial passa a ser um desdobramento natural da propositura da demanda (artigo 25 do PLS 517/11). Com a atual redação, após recebimento da inicial o magistrado deverá, quando mediável o feito, encaminhá-lo ao mediador judicial. Este, por sua vez, poderá ou não ser do quadro de servidores do poder Judiciário. Na hipótese de mediadores que não são do quadro, ressalvados os contextos de gratuidade da justiça, a mediação deverá ser remunerada.
O projeto de Lei do Senado de no. 517 de 2011 do senador Ricardo Ferraço, aprovada na Comissão de Constituição e Justiça em 12 de dezembro de 2013, foi um importante passo para a consolidação de uma ampla cultura de mediação de conflitos na sociedade brasileira. Isto porque, por este projeto, que ainda segue para análise na Câmara dos Deputados, a mediação, ainda que não seja obrigatória (artigo 2º, parágrafo único do PLS 517/11), deverá ser fortemente estimulada. Por este projeto o encaminhamento de feitos para a mediação judicial passa a ser um desdobramento natural da propositura da demanda (artigo 25 do PLS 517/11). Com a atual redação, após recebimento da inicial o magistrado deverá, quando mediável o feito, encaminhá-lo ao mediador judicial. Este, por sua vez, poderá ou não ser do quadro de servidores do poder Judiciário. Na hipótese de mediadores que não são do quadro, ressalvados os contextos de gratuidade da justiça, a mediação deverá ser remunerada.
A I Conferência Nacional de Conciliação e
Mediação Judicial e a I Conferência Nacional de Mediação de Família e
Práticas Colaborativas.
Mais do que reunir especialistas na área de Resolução Apropriada de Disputas, essas duas conferências foram sede importantes definições em políticas públicas em conciliação e mediação judicial. Na I Conferência Nacional de Conciliação e Mediação Judicial, que ocorreu em 28 de junho, definiu-se a necessidade de uma lei de mediação que tornasse mais natural o encaminhamento de feitos diretamente à mediação antes da fase de instrução. Constatou-se que em países em que não há encaminhamento compulsório de feitos à mediação a redução de congestionamento no Poder Judiciário foi insignificante. O projeto de lei que mais se aproximou do referido ponto, do senador Ricardo Ferraço, até então apenas determinava que o juiz "recomendasse" a mediação judicial (artigo 12 da redação original do PLS 517/11). Após esta conferênci,a foram organizadas duas comissões para definição desse marco legal com habilidosa condução pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, Marco Aurélio Buzzi, Fátima Nancy Andrighi, pelos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça José Roberto Neves Amorim e Emmanoel Campelo e, pelo secretário Flávio Crocce do Ministério da Justiça. As duas comissões contaram com a participação de diversos especialistas interessados na construção de uma Justiça Consensual eficiente e culiminaram em uma redação de encaminhamento à mediação judicial após a distribuição do feito. Como mencionado acima, pelo texto atual, a participação na mediação não é obrigatória mas estimulada e as partes podem, a qualquer momento, rejeitar a mediação.
Mais do que reunir especialistas na área de Resolução Apropriada de Disputas, essas duas conferências foram sede importantes definições em políticas públicas em conciliação e mediação judicial. Na I Conferência Nacional de Conciliação e Mediação Judicial, que ocorreu em 28 de junho, definiu-se a necessidade de uma lei de mediação que tornasse mais natural o encaminhamento de feitos diretamente à mediação antes da fase de instrução. Constatou-se que em países em que não há encaminhamento compulsório de feitos à mediação a redução de congestionamento no Poder Judiciário foi insignificante. O projeto de lei que mais se aproximou do referido ponto, do senador Ricardo Ferraço, até então apenas determinava que o juiz "recomendasse" a mediação judicial (artigo 12 da redação original do PLS 517/11). Após esta conferênci,a foram organizadas duas comissões para definição desse marco legal com habilidosa condução pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, Marco Aurélio Buzzi, Fátima Nancy Andrighi, pelos conselheiros do Conselho Nacional de Justiça José Roberto Neves Amorim e Emmanoel Campelo e, pelo secretário Flávio Crocce do Ministério da Justiça. As duas comissões contaram com a participação de diversos especialistas interessados na construção de uma Justiça Consensual eficiente e culiminaram em uma redação de encaminhamento à mediação judicial após a distribuição do feito. Como mencionado acima, pelo texto atual, a participação na mediação não é obrigatória mas estimulada e as partes podem, a qualquer momento, rejeitar a mediação.
Por outro
lado, a I Conferência Nacional de Mediação de Família e Práticas
Colaborativas proporcionou também ganhos na consolidação de políticas
públicas com um rico debate sobre a possibilidade de se aplicar o art.
139 do Código de Processo Civil ("são auxiliares do juízo, além de
outros, cujas atribuições são determinadas pelas normas de organização
judiciária, o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o
administrador e o intérprete") para o encaminhamento de disputas
familiares para mediadores de família. A experiência de juízes do TJ-SP e
do TJ-GO foram ouvidas. Esta prática foi estimulada pelo conselheiro
Emmanoel Campelo do CNJ e pelo ministro Marco Buzzi do STJ. Ambos
constataram também que o encaminhamento de disputas para mediadores de
família demanda acompanhamento pelos magistrados e gerenciamento para
que demandas complexas não sejam encaminhadas para mediadores menos
experientes.
A continuação da formação de instrutores em mediação judicial pelo CNJ.
A despeito dos esforços dos últimos 3 anos pelo CNJ o número de instrutores em mediação e conciliação no país ainda permanece reduzido. Considerando a crescente demanda, e a perspectiva de que a demanda crescerá exponencialmente nos próximos anos o CNJ tem envidado esforços para para multiplicar o número de instrutores em mediação e conciliação no Brasil, visando a formação de efetivos facilitadores que desempenhem suas funções satisfatoriamente para a população. Como mencionado em outra oportunidade[1] as aulas tem sido ministradas para servidores dos tribunais de Justiça e voluntários, com a condição de já possuírem ampla experiência em mediação. Os novos instrutores, para receber seus certificados, devem lecionar cinco cursos básicos de mediação — sem custo aos tribunais ou aos participantes — e são também avaliados pelos seus próprios alunos. Nesses cursos, parte-se da premissa de que é possível uma abordagem mais pluralista dentro do próprio oder Judiciário, ou seja: podem existir diversas respostas concomitantemente corretas (e legítimas) para uma mesma questão levada a juízo. Nesse contexto, cumpre às partes construírem a solução para suas próprias questões e, assim, encontrarem a resposta que melhor se adeque às suas necessidades – sejam estas juridicamente tuteladas ou não. Nesses treinamentos, abandona-se a perspectiva de que, no poder Judiciário, as partes necessariamente estão em lados opostos. Isto porque adota-se a visão de que estas podem estar do mesmo lado. Assim, utiliza-se progressivamente a perspectiva de que o poder Judiciário é essencialmente um órgão de aproximação de pessoas em conflito — ou um “hospital de relações sociais”.
A despeito dos esforços dos últimos 3 anos pelo CNJ o número de instrutores em mediação e conciliação no país ainda permanece reduzido. Considerando a crescente demanda, e a perspectiva de que a demanda crescerá exponencialmente nos próximos anos o CNJ tem envidado esforços para para multiplicar o número de instrutores em mediação e conciliação no Brasil, visando a formação de efetivos facilitadores que desempenhem suas funções satisfatoriamente para a população. Como mencionado em outra oportunidade[1] as aulas tem sido ministradas para servidores dos tribunais de Justiça e voluntários, com a condição de já possuírem ampla experiência em mediação. Os novos instrutores, para receber seus certificados, devem lecionar cinco cursos básicos de mediação — sem custo aos tribunais ou aos participantes — e são também avaliados pelos seus próprios alunos. Nesses cursos, parte-se da premissa de que é possível uma abordagem mais pluralista dentro do próprio oder Judiciário, ou seja: podem existir diversas respostas concomitantemente corretas (e legítimas) para uma mesma questão levada a juízo. Nesse contexto, cumpre às partes construírem a solução para suas próprias questões e, assim, encontrarem a resposta que melhor se adeque às suas necessidades – sejam estas juridicamente tuteladas ou não. Nesses treinamentos, abandona-se a perspectiva de que, no poder Judiciário, as partes necessariamente estão em lados opostos. Isto porque adota-se a visão de que estas podem estar do mesmo lado. Assim, utiliza-se progressivamente a perspectiva de que o poder Judiciário é essencialmente um órgão de aproximação de pessoas em conflito — ou um “hospital de relações sociais”.
A organização do I Curso Básico de Mediação Judicial que atendeu 2 mil alunos de todo o Brasil.
Este curso representou um dos maiores desafios desde o início do Movimento pela Conciliação no Conselho Nacional de Justiça em 2007: transpor um curso eminentemente prático com enfoque em técnicas e competências para um ambiente não presencial. Esta adaptação demandou grandes esforços dos cursistas e dos tutores, pois os participantes precisavam gravar em vídeo (e realizar upload para o Youtube) segmentos de mediação em que demonstravam conhecimento de técnicas. Os tutores, por sua vez examinavam os vídeos e apresentavam sugestões de melhoria da técnica. Pelo esforço de gravação e revisão das técnicas, o curso foi considerado pelos alunos como muito demandante. Nesse sentido, os participantes compreenderam que mediar demanda grande esforço não apenas das partes mas também do próprio mediador no que tange também à sua formação.
Este curso representou um dos maiores desafios desde o início do Movimento pela Conciliação no Conselho Nacional de Justiça em 2007: transpor um curso eminentemente prático com enfoque em técnicas e competências para um ambiente não presencial. Esta adaptação demandou grandes esforços dos cursistas e dos tutores, pois os participantes precisavam gravar em vídeo (e realizar upload para o Youtube) segmentos de mediação em que demonstravam conhecimento de técnicas. Os tutores, por sua vez examinavam os vídeos e apresentavam sugestões de melhoria da técnica. Pelo esforço de gravação e revisão das técnicas, o curso foi considerado pelos alunos como muito demandante. Nesse sentido, os participantes compreenderam que mediar demanda grande esforço não apenas das partes mas também do próprio mediador no que tange também à sua formação.
o estimulo ao encaminhamento, por
magistrados, de demandas litigiosas em varas de família a mediadores de
família para atuarem, de forma remunerada quando possível, como
auxiliares da justiça (art. 139 do CPC) e o encaminhamento a oficinas de
parentalidade e divórcio – uma prática voltada a educar pais
divorciando a resolverem melhor seus conflitos.
Alguns magistrados há anos têm encaminhado feitos a mediadores com base no art. 139 do Código de Processo Civil. Esta prática foi estimulada pelo presidente da Comissão de Acesso à Justiça do CNJ, conselheiro Emmanoel Campelo, em sua abertura da I Conferência Nacional de Mediação de Família e Práticas Colaborativas. No entanto, a seleção do mediador para atuar em um caso específico, nos termos do artigo 139 do CPC, consiste em decisão do magistrado, que pode e deve ser tomada a partir de critérios objetivos. Um desses critérios sugeridos no encontro foi o formulário de satisfação do usuário de mediação, que permite mensurar os parâmetros básicos de condução da mediação.
Alguns magistrados há anos têm encaminhado feitos a mediadores com base no art. 139 do Código de Processo Civil. Esta prática foi estimulada pelo presidente da Comissão de Acesso à Justiça do CNJ, conselheiro Emmanoel Campelo, em sua abertura da I Conferência Nacional de Mediação de Família e Práticas Colaborativas. No entanto, a seleção do mediador para atuar em um caso específico, nos termos do artigo 139 do CPC, consiste em decisão do magistrado, que pode e deve ser tomada a partir de critérios objetivos. Um desses critérios sugeridos no encontro foi o formulário de satisfação do usuário de mediação, que permite mensurar os parâmetros básicos de condução da mediação.
Outra
prática de magistrados que este ano recebeu forte incentivo foi a
organização de oficinas de parentalidade e divórcio. A pratica oferece
encontros dos pais e dos filhos em grupos separados, com duração média
de duas a quatro horas, e com a participação de psicólogos, pedagogos e
juízes. O par parental é separado em grupos mistos, composto por homens e
mulheres e nos quais se abordam os efeitos que os conflitos podem
acarretar nos filhos. Parte-se da premissa de que o divórcio não é o
grande fator de prejuízo para os filhos e para o par parental mas sim os
próprios conflitos mal administrados. Além de auxiliar pais a
resolverem melhor seus conflitos, as oficinas de parentalidade, já em
funcionamento em diversos tribunais brasileiros, tem proporcionado
índices de conciliação de 70%.
Como muito bem indicado pelo
conselheiro Emmanoel Campelo, o poder Judiciário em 2013 se antecipou às
alterações legislativas e tem buscado soluções preparatórias para o
novo modelo de encaminhamento de feitos para mediadores proposto no PLS
517/11 e no projeto do Novo Código de Processo Civil. Isso decorre de
mudanças significativas quanto expectativas quantitativas e qualitativas
do Poder Judiciário, deixando de ser um ambiente em que se
tolera o monstruoso congestionamento de 70% quando já existem soluções
mais satisfatórias para o jurisdicionado — como a mediação, a
conciliação, as oficinas de parentalidade entre outras – e que, por
envolverem maior participação ou contribuição da sociedade, são também
mais democráticas.
Diante da democratização e da consensualização
da justiça não há como deixar de concluir que, para a conciliação e
mediação judicial, 2013 foi um bom ano. Que 2014 permita a continuação
desse amadurecimento da nossa sociedade...
[1] http://www.conjur.com.br/2013-jan-01/retrospectiva-2012-conciliacao-mediacao-pilares-judiciario
Por André Gomma de Azevedo é
juiz de Direito na Bahia, pesquisador associado da Universidade de
Brasília e membro do Comitê Gestor da Conciliação do Conselho Nacional
de Justiça.
Fonte: ConJur
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