Ponto de vista
A Reforma Trabalhista, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, autoriza a arbitragem nos contratos individuais de trabalho (novo artigo 507-A da CLT), desde que (i) a remuneração do empregado seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social; e (ii) a cláusula compromissória seja pactuada por iniciativa do empregado ou mediante sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96).
Isso significa dizer que, a partir da entrada em vigor da nova legislação, empregados com maior grau de sofisticação de educação e renda (variáveis estatisticamente correlacionadas) podem assinar contratos de trabalho prevendo a solução de eventuais disputas pela via arbitral.
Anteriormente à publicação da reforma legal, havia óbices da justiça trabalhista. A resistência que havia na justiça do trabalho plasmada em precedentes, entre outros, do Tribunal Superior do Trabalho, está relacionada a problemas de (i) interpretação constitucional que proibiria arbitragem em dissídios individuais; (ii) indisponibilidade dos direitos trabalhistas, (iii) caráter protetivo da Justiça do Trabalho, que presume hipossuficiência do empregado; (iv) custo do procedimento arbitral.
A interpretação constitucional do TST no sentido de que o texto dos parágrafos primeiro e segundo do artigo 114 da Constituição Federal apenas admitiria arbitragem em dissídios coletivos não é a única possível, pois a dicção da norma não proíbe arbitragem em dissídios individuais. Ela apenas dispõe que os dissídios individuais serão julgados pela justiça trabalhista e que em dissídios coletivos as partes poderão eleger árbitros para solucionar disputa.
Contudo, a Lei 9.307/96 que trata a arbitragem como um método jurisdicional de solução de controvérsias foi elaborada posteriormente ao texto original da Constituição. Assim, o silêncio à arbitragem como método de solução de controvérsias no texto constitucional não indica necessariamente sua proibição, até porque, dado o princípio fundamental do direito constitucional da legalidade, a proibição deve sempre ser expressa. Ausente proibição, indivíduos e empresas, nos termos do artigo 5º da mesma Constituição, são autorizados a praticar atos e negócios, como celebrar contratos de trabalho com a previsão de arbitragem.
De outra parte, não deve ser esquecido que o Supremo Tribunal Federal já foi chamado a interpretar a constitucionalidade da Lei 9.307 na SEC 5206-2001 e concluiu pela sua absoluta constitucionalidade, tratando-se de método jurisdicional de solução de disputas que substitui o Poder Judiciário, não se tratando a cláusula arbitral de renúncia ao acesso à justiça. Não há razão para acreditar que o acesso à justiça do trabalho seja diferente do acesso à justiça comum.
Isso nos leva ao segundo ponto. Haveria uma particularidade do direito material do trabalho, o que restringiria o campo de escolha do trabalhador. Aqui cabe lembrar que o princípio por trás de toda a Reforma legal aprovada é justamente de flexibilizar a legislação trabalhista (sem prejuízo a direitos constitucionais, diga-se de passagem) e fazer valer a negociação (seja ela privada, quando há maior poder de barganha; seja coletiva).
Lembre-se que apenas trabalhadores que recebem um salário superior a cerca de R$ 10 mil que poderão escolher a via arbitral. Isso corresponde aos 5% mais ricos dentre os brasileiros (“classes A e B”) e pequena parcela dos que litigam na justiça do trabalho.
Outro equívoco é definir os direitos trabalhistas como indisponíveis. Claramente, os direitos trabalhistas tem natureza econômica e são disponíveis; tanto é assim, que empregados frequentemente fazem acordos, negociam cláusulas. O que existe é uma natureza imperativa de muitas normas trabalhistas que limitam a barganha das partes. E essa natureza imperativa das normas trabalhistas deverão ser observadas pelos árbitros em procedimentos arbitrais entre empregadores e empregados.
O terceiro ponto é o caráter protetivo da justiça do trabalho. Em primeiro lugar, cumpre recordar que já não era sem tempo que a realidade batesse à porta do direito trabalho e se permitisse que empregados com maior grau de sofistificação pudessem prescindir do paternalismo estatal e escolher livremente suas cláusulas contratuais e o método de solução de disputas. Já dizia o prêmio Nobel de economia Ronald Coase que, em regra, indivíduos fazem melhor escolhas do que a genérica regulação estatal. Em segundo lugar, a realidade brasileira se alterou desde a publicação da CLT, em 1943.
Apesar da pobreza dos dados sobre educação, urbanização, expectativa de vida e renda desde então, a verdade é que todos os índices melhoraram substancialmente, alguns deles inclusive mais que dobraram. Com maior expectativa de vida (saúde), acesso a informações em grandes centros urbanos, melhora substancial de escolaridade, a renda media dos brasileiros aumentou substancialmente. Como seguir repetindo certos dogmas da realidade social brasileira que justificaram a publicação da CLT sem se fazer pesquisa de campo? Pois os dados do IBGE, dentre outros pesquisados, trazem uma realidade que juízes do trabalho terão de aceitar. Houve melhora geral de todos indicadores sociais, tornando a flexibilização um caminho até desejável. E a internet ainda fará muito mais para os brasileiros no que tange ao acesso à informação.
O último óbice à arbitragem trabalhista é talvez o maior desafio e diz respeito ao custo. No entanto, devemos lembrar que a Reforma está tratando dos 5% mais ricos, logo, estão longe de representar pobres que precisam de acesso gratuito à justiça. Trata-se de um estamento social que até deveria pagar para utilizar o sistema público judicial, caso contrário, acabam sendo subsidiados pelos mais pobres via tributos (sim porque a justiça do trabalho é subsidiada pelos pagadores de impostos brasileiros e deveria cuidar com a distribuição “gratuita” de AJG). Também é possível que os principais centros arbitrais possam desenvolver arbitragens mais baratas, com procedimentos simplificados a fim de atender essa nova demanda. Eventualmente se possa pensar igualmente em procedimentos arbitrais financiados, pelo menos em parte, pelos empregadores.
A Reforma Trabalhista, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, autoriza a arbitragem nos contratos individuais de trabalho (novo artigo 507-A da CLT), desde que (i) a remuneração do empregado seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social; e (ii) a cláusula compromissória seja pactuada por iniciativa do empregado ou mediante sua concordância expressa, nos termos previstos na Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96).
Isso significa dizer que, a partir da entrada em vigor da nova legislação, empregados com maior grau de sofisticação de educação e renda (variáveis estatisticamente correlacionadas) podem assinar contratos de trabalho prevendo a solução de eventuais disputas pela via arbitral.
Anteriormente à publicação da reforma legal, havia óbices da justiça trabalhista. A resistência que havia na justiça do trabalho plasmada em precedentes, entre outros, do Tribunal Superior do Trabalho, está relacionada a problemas de (i) interpretação constitucional que proibiria arbitragem em dissídios individuais; (ii) indisponibilidade dos direitos trabalhistas, (iii) caráter protetivo da Justiça do Trabalho, que presume hipossuficiência do empregado; (iv) custo do procedimento arbitral.
A interpretação constitucional do TST no sentido de que o texto dos parágrafos primeiro e segundo do artigo 114 da Constituição Federal apenas admitiria arbitragem em dissídios coletivos não é a única possível, pois a dicção da norma não proíbe arbitragem em dissídios individuais. Ela apenas dispõe que os dissídios individuais serão julgados pela justiça trabalhista e que em dissídios coletivos as partes poderão eleger árbitros para solucionar disputa.
Contudo, a Lei 9.307/96 que trata a arbitragem como um método jurisdicional de solução de controvérsias foi elaborada posteriormente ao texto original da Constituição. Assim, o silêncio à arbitragem como método de solução de controvérsias no texto constitucional não indica necessariamente sua proibição, até porque, dado o princípio fundamental do direito constitucional da legalidade, a proibição deve sempre ser expressa. Ausente proibição, indivíduos e empresas, nos termos do artigo 5º da mesma Constituição, são autorizados a praticar atos e negócios, como celebrar contratos de trabalho com a previsão de arbitragem.
De outra parte, não deve ser esquecido que o Supremo Tribunal Federal já foi chamado a interpretar a constitucionalidade da Lei 9.307 na SEC 5206-2001 e concluiu pela sua absoluta constitucionalidade, tratando-se de método jurisdicional de solução de disputas que substitui o Poder Judiciário, não se tratando a cláusula arbitral de renúncia ao acesso à justiça. Não há razão para acreditar que o acesso à justiça do trabalho seja diferente do acesso à justiça comum.
Isso nos leva ao segundo ponto. Haveria uma particularidade do direito material do trabalho, o que restringiria o campo de escolha do trabalhador. Aqui cabe lembrar que o princípio por trás de toda a Reforma legal aprovada é justamente de flexibilizar a legislação trabalhista (sem prejuízo a direitos constitucionais, diga-se de passagem) e fazer valer a negociação (seja ela privada, quando há maior poder de barganha; seja coletiva).
Lembre-se que apenas trabalhadores que recebem um salário superior a cerca de R$ 10 mil que poderão escolher a via arbitral. Isso corresponde aos 5% mais ricos dentre os brasileiros (“classes A e B”) e pequena parcela dos que litigam na justiça do trabalho.
Outro equívoco é definir os direitos trabalhistas como indisponíveis. Claramente, os direitos trabalhistas tem natureza econômica e são disponíveis; tanto é assim, que empregados frequentemente fazem acordos, negociam cláusulas. O que existe é uma natureza imperativa de muitas normas trabalhistas que limitam a barganha das partes. E essa natureza imperativa das normas trabalhistas deverão ser observadas pelos árbitros em procedimentos arbitrais entre empregadores e empregados.
O terceiro ponto é o caráter protetivo da justiça do trabalho. Em primeiro lugar, cumpre recordar que já não era sem tempo que a realidade batesse à porta do direito trabalho e se permitisse que empregados com maior grau de sofistificação pudessem prescindir do paternalismo estatal e escolher livremente suas cláusulas contratuais e o método de solução de disputas. Já dizia o prêmio Nobel de economia Ronald Coase que, em regra, indivíduos fazem melhor escolhas do que a genérica regulação estatal. Em segundo lugar, a realidade brasileira se alterou desde a publicação da CLT, em 1943.
Apesar da pobreza dos dados sobre educação, urbanização, expectativa de vida e renda desde então, a verdade é que todos os índices melhoraram substancialmente, alguns deles inclusive mais que dobraram. Com maior expectativa de vida (saúde), acesso a informações em grandes centros urbanos, melhora substancial de escolaridade, a renda media dos brasileiros aumentou substancialmente. Como seguir repetindo certos dogmas da realidade social brasileira que justificaram a publicação da CLT sem se fazer pesquisa de campo? Pois os dados do IBGE, dentre outros pesquisados, trazem uma realidade que juízes do trabalho terão de aceitar. Houve melhora geral de todos indicadores sociais, tornando a flexibilização um caminho até desejável. E a internet ainda fará muito mais para os brasileiros no que tange ao acesso à informação.
O último óbice à arbitragem trabalhista é talvez o maior desafio e diz respeito ao custo. No entanto, devemos lembrar que a Reforma está tratando dos 5% mais ricos, logo, estão longe de representar pobres que precisam de acesso gratuito à justiça. Trata-se de um estamento social que até deveria pagar para utilizar o sistema público judicial, caso contrário, acabam sendo subsidiados pelos mais pobres via tributos (sim porque a justiça do trabalho é subsidiada pelos pagadores de impostos brasileiros e deveria cuidar com a distribuição “gratuita” de AJG). Também é possível que os principais centros arbitrais possam desenvolver arbitragens mais baratas, com procedimentos simplificados a fim de atender essa nova demanda. Eventualmente se possa pensar igualmente em procedimentos arbitrais financiados, pelo menos em parte, pelos empregadores.
Luciano Benetti Timm, é professor da Unisinos (RS), FGV-SP e CEU/IICS. Doutor e mestre em Direito. Presidente da ABDE
Fonte: ConJur
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