Ponto de vista
Em 5 de outubro de 1988 foi promulgada a Constituição, principal instrumento de redemocratização após longo período de Estado de exceção. Em meio a fortes discursos e momentos de emoção, ficaram famosas as palavras de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte: “Declaro promulgado o documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra!”
Não sem razão, ficaram consignadas nessas breves palavras quatro grandes missões da chamada Constituição Cidadã: liberdade, dignidade, democracia e justiça social. Passados 30 anos de vigência, podemos ver sérios problemas em todas essas áreas, que tornam a nossa amada Constituição um tanto distante da realidade percebida.
A Emenda Constitucional 45/2004, no artigo 5º, inciso 78, dispõe que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
O novo Código de Processo Civil, cuja criação é fruto da dedicação do ministro Luiz Fux, estampou o princípio da razoável duração como um direito das partes, dos jurisdicionados (artigo 4º: As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa), mediante a conduta cooperativa de todos os sujeitos processuais, incluindo o magistrado.
Nesse aspecto, a Corregedoria exerce importante função de estímulo da postura proativa e engajada por parte dos juízes destinada à solução efetiva dos conflitos submetidos à apreciação do Judiciário.
Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem os juízes mais produtivos do mundo, principalmente em comparação com os juízes europeus. Cada um dos 18 mil juízes brasileiros produz, em média, 1.749 sentenças por ano contra a média de 959 dos juízes italianos, 689 dos espanhóis e 397 dos portugueses.
Apesar disso, o Brasil possui um dos Judiciários mais morosos e assoberbados do mundo. Cada instância e cada ramo da Justiça têm seus problemas específicos, mas, de modo geral, há excesso de demanda desnecessária e faltam juízes. Para cada grupo de 100 mil brasileiros, há 8,2 magistrados. Em Portugal, são 19 juízes para cada grupo de 100 mil habitantes. Na Itália, são 10,2. Na Espanha, 10,7 para cada grupo de 100 mil pessoas.
Cada juiz brasileiro recebe, em média, 1.375 casos novos por ano. Sem falar dos picos de média de até 2.900 em estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em Portugal, cada juiz recebe apenas 379 casos por ano. Na Itália, 667; e, na Espanha, 673. Em termos numéricos, o juiz brasileiro tem o dobro da carga de trabalho do juiz europeu. E o número de processos em tramitação em nosso país só aumenta a cada ano: atualmente, somam cerca de 109 milhões.
No entanto, culpar o cidadão por buscar seus direitos não explica a complexidade do problema da Justiça brasileira. Todo conflito de interesses deságua na Justiça, como convém a uma sociedade democrática. Com o crescimento do país, surgem nossos direitos sociais, novas relações de consumo, novos crimes etc.
Também não podemos colocar a culpa nos juízes, que trabalham intensamente. Analisando os dados, vemos que governos, bancos, companhias telefônicas e de internet e INSS são os responsáveis por boa parte das ações judiciais em tramitação no Brasil.
Problemas com serviços públicos sobrecarregam o Poder Judiciário com demandas desnecessárias ou repetitivas, que poderiam ser facilmente resolvidas pelas agências reguladoras ou pela própria administração pública. A responsabilidade pela solução dos problemas sociais e interpessoais não pode ser direcionada apenas ao Poder Judiciário.
É certo que o acesso à Justiça está previsto no artigo 5º, inciso 35 da Constituição Federal, que diz: “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.” Porém, deve-se ter em mente que o Poder Judiciário não pode ser visto como o único meio de solução de conflitos. Meios alternativos podem e devem ser utilizados evitando-se uma judicialização desnecessária, que gera ônus financeiro e dispêndio de tempo pelo Poder Judiciário.
A administração pública, maior litigante nacional, segundo pesquisa realizada pela AMB, precisa se conscientizar da importância de se adotar formas outras de solução de controvérsias contribuindo para que a Justiça destine seu tempo e sua estrutura aos demais problemas da sociedade.
O bom e integrado relacionamento entre os Poderes do Estado é essencial para a adequada condução da sociedade, de forma que, se o Executivo não presta de forma apropriada o seu serviço e não disponibiliza meios para a solução do problema, este acaba sendo direcionado ao Judiciário, avolumando o já elevado contingente de demandas judiciais e comprometendo a observância da garantia constitucional da razoável duração do processo.
Mas há maneiras de o Judiciário melhorar: a atuação integrada entre os Poderes de Estado, com vistas à “solução pacífica das controvérsias”, mencionada no preâmbulo da nossa Constituição Federal, e a estruturação planejada do Poder Judiciário, administrada com base nos fundamentos de gestão, que não se restringe ao ramo empresarial, mas se estende ao Poder Público, inclusive, com a atribuição de uma nova visão da Magistratura em que o juiz deve ser enxergado como gestor, pragmático, como agente transformador. Isso é indispensável nos tempos atuais.
Por Cláudio de Melle Tavares, é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e corregedor-geral de Justiça
Fonte: ConJur
Nenhum comentário:
Postar um comentário