Ponto de vista
Há tempos se observa a incapacidade do Poder Judiciário de processar e julgar a quantidade de ações que lhe são apresentadas. A estrutura de pessoal e de material existente não é suficiente. Por outro lado, já é reconhecida no meio jurídico e na sociedade a necessidade de novos métodos de tratamento dos conflitos. Esses meios devem permitir não apenas uma decisão judicial que estabeleça como deve ser a solução para cada conflito — dizendo às partes quais os respectivos direitos e obrigações —, mas também dar paz aos envolvidos, permitindo que eles mantenham um bom relacionamento futuro e, inclusive, tratem de forma amigável outras questões que se apresentem.
A tradicional forma de lidar com conflitos no Judiciário já não é vista como a mais eficiente. Uma sentença de mérito, proferida pelo juiz, quase sempre gera inconformismo e não raro desagrada a ambas as partes. Em muitos casos, enseja a interposição de recursos e manobras processuais ou extraprocessuais que dificultam a execução. Como consequência, a pendência tende a se prolongar, gerando custos ao Estado e incerteza e sofrimento para as partes.
Tal fenômeno é ainda mais visível nos conflitos de ordem familiar, que têm origem quase sempre numa história de amor e geralmente envolve filhos. A instrução processual é nociva para todos os envolvidos. Cada testemunha que depõe a favor de uma parte pode trazer à tona fatos comprometedores relativos à outra, alimentando ressentimento e dificultando a paz. Assim, mesmo depois de julgada a ação, esgotados os recursos e efetivada a sentença, o conflito permanece.
A conciliação no âmbito judicial está instituída há bastante tempo na legislação brasileira, é largamente aplicada nas causas cíveis e, com mais ênfase, naquelas relativas à Vara de Família e nas de menor complexidade, sujeitas ao rito previsto na Lei 9.099/95. Também para o tratamento relativo aos crimes de menor potencial ofensivo, a mesma lei prevê a composição civil dos danos como forma de resolver conflitos, evitando-se uma ação penal. Mas outros métodos se fazem necessários para desafogar os tribunais e resolver os conflitos.
Há 12 anos utilizo técnicas de constelações familiares sistêmicas, obtendo bons resultados na facilitação das conciliações e na busca de soluções que tragam paz aos envolvidos nos conflitos submetidos à Justiça, em processos da Vara de Família e Sucessões e também no tratamento de questões relativas à infância e juventude e à área criminal, mesmo em casos considerados bastante difíceis.
Trata-se de uma abordagem originalmente utilizada como método terapêutico pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger, que a partir das constelações familiares desenvolveu uma ciência dos relacionamentos humanos, ao descobrir algumas ordens (leis sistêmicas) que regem as relações. Essa ciência foi batizada pelo seu autor com o nome de Hellinger Sciencia. O conhecimento de tais ordens nos conduz a uma nova visão a respeito do Direito e de como as leis podem ser elaboradas e aplicadas de modo a trazerem paz às relações, liberando do conflito as pessoas envolvidas e facilitando uma solução harmônica.
A expressão “Direito sistêmico”, termo cunhado por mim quando lancei o blog Direito Sistêmico (direitosistemico.wordpress.com), surgiu da análise do Direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, conforme demonstram as constelações familiares desenvolvida por Hellinger.
Segundo essa abordagem, diversos problemas enfrentados por um indivíduo (bloqueios, traumas e dificuldades de relacionamento, por exemplo) podem derivar de fatos graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também de sua família, em gerações anteriores, e que deixaram uma marca no sistema familiar. Mortes trágicas ou prematuras, abandonos, doenças graves, segredos, crimes, imigrações, relacionamentos desfeitos de forma “mal resolvida” e abortos são alguns dos acontecimentos que podem gerar emaranhamentos no sistema familiar, causando dificuldades em seus membros, mesmo em gerações futuras.
As constelações familiares consistem em um trabalho no qual pessoas são convidadas a representar membros da família de uma outra pessoa (o cliente) e, ao serem posicionadas umas em relação às outras, sentem como se fossem as próprias pessoas representadas, expressando seus sentimentos de forma impressionante, ainda que não as conheçam. Vêm à tona as dinâmicas ocultas no sistema do cliente que lhe causam os transtornos, mesmo que relativas a fatos ocorridos em gerações passadas, inclusive fatos que ele desconhece. Pode-se propor frases e movimentos que desfaçam os emaranhamentos, restabelecendo-se a ordem, unindo os que no passado foram separados, proporcionando alívio a todos os membros da família e fazendo desaparecer a necessidade inconsciente do conflito, trazendo paz às relações.
O Direito sistêmico vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema, ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião etc.) e busca encontrar a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio.
Há temas que se apresentam com frequência: como lidar com os filhos na separação, as causas e soluções para a violência doméstica, questões relativas à guarda e alienação parental, problemas decorrentes do vício (em geral relacionado a dificuldades na relação com o pai), litígios em inventários nos quais se observa alguém que foi excluído ou desconsiderado no passado familiar, entre outros. Cada um dos presentes, mesmo os que se apresentavam apenas como vítimas, pode frequentemente perceber de forma vivenciada que havia algo em sua própria postura ou comportamento que, mesmo inconscientemente, estava contribuindo com a situação conflituosa. Essa percepção, por si só, é significativa e naturalmente favorece a solução.
Em ações de família, muitas vezes uma constelação simples, colocando representantes para o casal em conflito e os filhos, é suficiente para evidenciar a existência de dinâmicas como a alienação parental e o uso dos filhos como intermediários nos ataques mútuos, entre outros emaranhamentos possíveis. Essas explicações têm se mostrado eficazes na mediação de conflitos familiares e, em cerca 90% dos casos, as partes reduzem resistências e chegam a um acordo.
Em alguns tribunais, no Ministério Público e na Defensoria Pública, vêm sendo realizadas experiências na área criminal, com o objetivo de facilitar a pacificação dos conflitos e a melhoria dos relacionamentos, incluindo réu, vítima e respectivas famílias. As constelações têm servido de prática auxiliar no trabalho com a Justiça restaurativa, ajudando a preparar as partes e a comunidade envolvidas para que possam dar um encaminhamento adequado à questão. No âmbito penitenciário, multiplicam-se as práticas visando proporcionar aos presos uma oportunidade de compreender as dinâmicas ocultas por trás do padrão criminoso e enxergar onde está o amor que, de forma cega, os fez repetir os comportamentos antissociais já ocorridos em gerações passadas, na história da própria família. As reações dos participantes têm indicado resultados notáveis.
Independentemente da aplicação da lei penal, acredito que as constelações possam reduzir as reincidências, auxiliar o agressor a cumprir a pena de forma mais tranquila e com mais aceitação, aliviar a dor da vítima e, quem sabe, desemaranhar o sistema de modo que não seja necessário outra pessoa da família se envolver novamente em crimes, como agressor ou vítima, por força da mesma dinâmica sistêmica.
Resultados
Durante e após o trabalho com constelações, os participantes têm demonstrado boa absorção dos assuntos tratados, um maior respeito e consideração em relação à outra parte envolvida, além da vontade de conciliar — o que se comprova também com os resultados das audiências realizadas semanas depois e com os relatos das partes e dos advogados da comarca.
A abordagem coletiva, na forma de palestras vivenciais, ocupa relativamente pouco tempo (aproximadamente três horas) e atinge simultaneamente as partes envolvidas em algumas dezenas de processos. Quando da realização das audiências de conciliação, os acordos acontecem de forma rápida e até emocionante.
Por meio de questionários respondidos após a audiência de conciliação por pessoas que participaram das vivências de constelações, obtivemos as seguintes respostas:
*Nesta sexta-feira e sábado (22 e 23/6) ocorre o I Congresso Internacional Hellinger de Direito Sistêmico, em São Paulo.
Há tempos se observa a incapacidade do Poder Judiciário de processar e julgar a quantidade de ações que lhe são apresentadas. A estrutura de pessoal e de material existente não é suficiente. Por outro lado, já é reconhecida no meio jurídico e na sociedade a necessidade de novos métodos de tratamento dos conflitos. Esses meios devem permitir não apenas uma decisão judicial que estabeleça como deve ser a solução para cada conflito — dizendo às partes quais os respectivos direitos e obrigações —, mas também dar paz aos envolvidos, permitindo que eles mantenham um bom relacionamento futuro e, inclusive, tratem de forma amigável outras questões que se apresentem.
A tradicional forma de lidar com conflitos no Judiciário já não é vista como a mais eficiente. Uma sentença de mérito, proferida pelo juiz, quase sempre gera inconformismo e não raro desagrada a ambas as partes. Em muitos casos, enseja a interposição de recursos e manobras processuais ou extraprocessuais que dificultam a execução. Como consequência, a pendência tende a se prolongar, gerando custos ao Estado e incerteza e sofrimento para as partes.
Tal fenômeno é ainda mais visível nos conflitos de ordem familiar, que têm origem quase sempre numa história de amor e geralmente envolve filhos. A instrução processual é nociva para todos os envolvidos. Cada testemunha que depõe a favor de uma parte pode trazer à tona fatos comprometedores relativos à outra, alimentando ressentimento e dificultando a paz. Assim, mesmo depois de julgada a ação, esgotados os recursos e efetivada a sentença, o conflito permanece.
A conciliação no âmbito judicial está instituída há bastante tempo na legislação brasileira, é largamente aplicada nas causas cíveis e, com mais ênfase, naquelas relativas à Vara de Família e nas de menor complexidade, sujeitas ao rito previsto na Lei 9.099/95. Também para o tratamento relativo aos crimes de menor potencial ofensivo, a mesma lei prevê a composição civil dos danos como forma de resolver conflitos, evitando-se uma ação penal. Mas outros métodos se fazem necessários para desafogar os tribunais e resolver os conflitos.
Há 12 anos utilizo técnicas de constelações familiares sistêmicas, obtendo bons resultados na facilitação das conciliações e na busca de soluções que tragam paz aos envolvidos nos conflitos submetidos à Justiça, em processos da Vara de Família e Sucessões e também no tratamento de questões relativas à infância e juventude e à área criminal, mesmo em casos considerados bastante difíceis.
Trata-se de uma abordagem originalmente utilizada como método terapêutico pelo terapeuta e filósofo alemão Bert Hellinger, que a partir das constelações familiares desenvolveu uma ciência dos relacionamentos humanos, ao descobrir algumas ordens (leis sistêmicas) que regem as relações. Essa ciência foi batizada pelo seu autor com o nome de Hellinger Sciencia. O conhecimento de tais ordens nos conduz a uma nova visão a respeito do Direito e de como as leis podem ser elaboradas e aplicadas de modo a trazerem paz às relações, liberando do conflito as pessoas envolvidas e facilitando uma solução harmônica.
A expressão “Direito sistêmico”, termo cunhado por mim quando lancei o blog Direito Sistêmico (direitosistemico.wordpress.com), surgiu da análise do Direito sob uma ótica baseada nas ordens superiores que regem as relações humanas, conforme demonstram as constelações familiares desenvolvida por Hellinger.
Segundo essa abordagem, diversos problemas enfrentados por um indivíduo (bloqueios, traumas e dificuldades de relacionamento, por exemplo) podem derivar de fatos graves ocorridos no passado não só do próprio indivíduo, mas também de sua família, em gerações anteriores, e que deixaram uma marca no sistema familiar. Mortes trágicas ou prematuras, abandonos, doenças graves, segredos, crimes, imigrações, relacionamentos desfeitos de forma “mal resolvida” e abortos são alguns dos acontecimentos que podem gerar emaranhamentos no sistema familiar, causando dificuldades em seus membros, mesmo em gerações futuras.
As constelações familiares consistem em um trabalho no qual pessoas são convidadas a representar membros da família de uma outra pessoa (o cliente) e, ao serem posicionadas umas em relação às outras, sentem como se fossem as próprias pessoas representadas, expressando seus sentimentos de forma impressionante, ainda que não as conheçam. Vêm à tona as dinâmicas ocultas no sistema do cliente que lhe causam os transtornos, mesmo que relativas a fatos ocorridos em gerações passadas, inclusive fatos que ele desconhece. Pode-se propor frases e movimentos que desfaçam os emaranhamentos, restabelecendo-se a ordem, unindo os que no passado foram separados, proporcionando alívio a todos os membros da família e fazendo desaparecer a necessidade inconsciente do conflito, trazendo paz às relações.
O Direito sistêmico vê as partes em conflito como membros de um mesmo sistema, ao mesmo tempo em que vê cada uma delas vinculada a outros sistemas dos quais simultaneamente façam parte (família, categoria profissional, etnia, religião etc.) e busca encontrar a solução que, considerando todo esse contexto, traga maior equilíbrio.
Há temas que se apresentam com frequência: como lidar com os filhos na separação, as causas e soluções para a violência doméstica, questões relativas à guarda e alienação parental, problemas decorrentes do vício (em geral relacionado a dificuldades na relação com o pai), litígios em inventários nos quais se observa alguém que foi excluído ou desconsiderado no passado familiar, entre outros. Cada um dos presentes, mesmo os que se apresentavam apenas como vítimas, pode frequentemente perceber de forma vivenciada que havia algo em sua própria postura ou comportamento que, mesmo inconscientemente, estava contribuindo com a situação conflituosa. Essa percepção, por si só, é significativa e naturalmente favorece a solução.
Em ações de família, muitas vezes uma constelação simples, colocando representantes para o casal em conflito e os filhos, é suficiente para evidenciar a existência de dinâmicas como a alienação parental e o uso dos filhos como intermediários nos ataques mútuos, entre outros emaranhamentos possíveis. Essas explicações têm se mostrado eficazes na mediação de conflitos familiares e, em cerca 90% dos casos, as partes reduzem resistências e chegam a um acordo.
Em alguns tribunais, no Ministério Público e na Defensoria Pública, vêm sendo realizadas experiências na área criminal, com o objetivo de facilitar a pacificação dos conflitos e a melhoria dos relacionamentos, incluindo réu, vítima e respectivas famílias. As constelações têm servido de prática auxiliar no trabalho com a Justiça restaurativa, ajudando a preparar as partes e a comunidade envolvidas para que possam dar um encaminhamento adequado à questão. No âmbito penitenciário, multiplicam-se as práticas visando proporcionar aos presos uma oportunidade de compreender as dinâmicas ocultas por trás do padrão criminoso e enxergar onde está o amor que, de forma cega, os fez repetir os comportamentos antissociais já ocorridos em gerações passadas, na história da própria família. As reações dos participantes têm indicado resultados notáveis.
Independentemente da aplicação da lei penal, acredito que as constelações possam reduzir as reincidências, auxiliar o agressor a cumprir a pena de forma mais tranquila e com mais aceitação, aliviar a dor da vítima e, quem sabe, desemaranhar o sistema de modo que não seja necessário outra pessoa da família se envolver novamente em crimes, como agressor ou vítima, por força da mesma dinâmica sistêmica.
Resultados
Durante e após o trabalho com constelações, os participantes têm demonstrado boa absorção dos assuntos tratados, um maior respeito e consideração em relação à outra parte envolvida, além da vontade de conciliar — o que se comprova também com os resultados das audiências realizadas semanas depois e com os relatos das partes e dos advogados da comarca.
A abordagem coletiva, na forma de palestras vivenciais, ocupa relativamente pouco tempo (aproximadamente três horas) e atinge simultaneamente as partes envolvidas em algumas dezenas de processos. Quando da realização das audiências de conciliação, os acordos acontecem de forma rápida e até emocionante.
Por meio de questionários respondidos após a audiência de conciliação por pessoas que participaram das vivências de constelações, obtivemos as seguintes respostas:
- 59% das pessoas disseram ter percebido, desde a vivência, mudança de comportamento do pai/mãe de seu filho que melhorou o relacionamento entre as partes. Para 28,9%, a mudança foi considerável ou muita;
- 59% afirmaram que a vivência ajudou ou facilitou a obtenção do acordo para conciliação durante a audiência. Para 27%, ajudou consideravelmente. Para 20,9%, ajudou muito;
- 77% disseram que a vivência ajudou a melhorar as conversas entre os pais quanto à guarda, visitas, dinheiro e outras decisões em relação ao filho das partes. Para 41%, a ajuda foi considerável; para outros 15,5%, ajudou muito;
- 71% disseram ter havido melhora no relacionamento com o pai/mãe de seu(s) filho(s) após a vivência. Melhorou consideravelmente para 26,8% e muito para 12,2%;
- 94,5% relataram melhora no seu relacionamento com o filho. Melhorou muito para 48,8%, e consideravelmente para outras 30,4%. Somente 4 pessoas (4,8%) não notaram tal melhora;
- 76,8% notaram melhora no relacionamento do pai/mãe de seu(ua) filho(a) com ele(a). Essa melhora foi considerável em 41,5% dos casos e muita para 9,8% dos casos;
- 55% das pessoas afirmaram que desde a vivência de constelações familiares se sentiram mais calmas para tratar do assunto; 45% disseram que diminuíram as mágoas; 33% disseram que ficou mais fácil o diálogo com a outra pessoa; 36% disseram que passaram a respeitar mais a outra pessoa e compreender suas dificuldades; e 24% disseram que a outra pessoa envolvida passou a lhe respeitar mais.
*Nesta sexta-feira e sábado (22 e 23/6) ocorre o I Congresso Internacional Hellinger de Direito Sistêmico, em São Paulo.
Por Sami Storch é juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia,
doutorando em Direito Civil (PUC-SP) e mestre em Administração Pública e
Governo (Eaesp-FGV/SP). É pioneiro na aplicação das constelações
familiares no sistema judiciário do Brasil e autor da expressão "Direito
sistêmico".
Fonte: ConJur
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