Entrevista
Fátima Nancy Andrighi é bacharela em direito pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e desde 1999 é ministra
do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em entrevista exclusiva à Resultado, a
magistrada diz que não é dado ao juiz envelhecer. É preciso, segundo ela,
buscar novas fórmulas, usar recursos tecnológicos e replicar experiências
inovadoras e exitosas. Tudo isso para um melhor funcionamento do Judiciário
brasileiro.
Quando corregedora do Conselho Nacional de Justiça (biênio
2014/2016), Nancy determinou a criação de varas especializadas em mediação e
arbitragem.
Na conversa com a Resultado, Nancy fala de incentivo ao uso
dos Métodos Extrajudiciais de Solução de Controvérsias (MESCs), honorários
advocatícios, câmaras privadas, cláusula compromissória, entre outros assuntos.
Confira!
O
Supremo Tribunal Federal divulgou em setembro o raio-x anual do Judiciário
brasileiro, o “Justiça em Números”. Os dados do relatório apontam que apenas
27% dos processos que entraram no Judiciário em 2016 foram solucionados, quando
quase 110 milhões de processos estiveram em
tramitação. Como avalia estes números?
Os números apresentados, dizem, indubitavelmente, de um
grande passivo do Poder Judiciário em relação ao jurisdicionado, isso porque,
em que pese o crescimento exponencial de demandas que são trazidas à apreciação
do Estado Juiz, é certo que o monopólio estatal na administração da Justiça –
que hoje já não é tão rígido quanto dantes – impõe ao Estado a solução de todas
os conflitos que lhe são submetidos e, principalmente, em um tempo razoável.
Nessa senda, vejo o Judiciário prestando um serviço aquém
das legítimas aspirações sociais, não em termos qualitativos, mas em termos
quantitativos o que, por conseguinte, gera uma demora na solução do conflito,
que não raras vezes frustra as expectativas daqueles que procuram a tutela estatal.
É certo que, diante das restrições orçamentárias do Estado
brasileiro, não é razoável se imaginar um crescimento da estrutura do Poder
Judiciário que acompanhe, pari passu, o crescimento no ajuizamento de ações,
mas isso também não pode justificar uma inércia dos membros do Poder
Judiciário, na busca por melhorias no fluxo de apreciação dos processos, sem
nunca descurar da segurança que esse múnus impõe.
Com isso em mente, sempre tenho dito que não é dado ao juiz
envelhecer, deixar de buscar fórmulas novas para problemas velhos; não usar os
recursos tecnológicos que são postos à sua disposição; não replicar
experiências inovadoras e comprovadamente exitosas, pois só com o uso intensivo
e combinado de novas fórmulas e tecnologias, poderemos fazer frente, ou ao
menos reduzir esse gritante descompasso entre ações propostas e ações solvidas.
De
que maneira o Judiciário poderia trabalhar para que estes números diminuíssem?
Os Métodos Extrajudiciais de Solução de Controvérsias (MESCs) são boas
alternativas?
Como eu disse antes, pela adoção intensiva do novo: novos
métodos, novas tecnologias, novas formas – de procedimento interno e
legislativas - de pensar o processo e, é claro, também algum incremento na
estrutura estatal, hoje claramente deficitária frente ao crescente número de
ações ajuizadas.
Os MESC’s, embora não sejam propriamente fórmulas novas,
são sim, uma boa alternativa para a diminuição no tempo da resposta estatal aos
reclamos sociais por Justiça.
Isso porque, retirando-se do sistema judicial uma parcela
significativa de conflitos, por óbvio, vislumbra-se um ritmo mais célere para
aqueles conflitos que ainda tenham que ser solvidos no Poder Judiciário.
Como
o Judiciário poderia incentivar empresas brasileiras a utilizarem a mediação e
a arbitragem? A duração do processo pode ser um atrativo?
Indubitavelmente, o grande atrativo e chamariz para a
utilização da mediação, da conciliação e da arbitragem, é o tempo de duração do
processo.
Em relação aos mecanismos de autocomposição (mediação e
conciliação), há também elemento anímico que não pode deixar de ser destacado e
divulgado para aqueles que ainda são reticentes em relação à sua adoção: a
maior resignação das partes com o resultado, pois ele é fruto do consenso
erigido em torno da querela, o que também gera maior efetividade no cumprimento
do quanto homologado, pois uma possível obrigação assumida por uma das partes,
não foi imposta nem na determinação, nem na forma de cumprimento.
Essas perspectivas devem ser inculcadas gradativamente no
seio da população, por meio de medidas educativas e de divulgação, que mostrem
de forma clara, aos jurisdicionados, os benefícios da negociação.
Nesse sentido, a previsão do art. 135 do CPC vigente, de
que os tribunais criem centros judiciários de solução consensual de conflitos,
dá concretude ao que antes poderíamos chamar de uma norma programática: o
incentivo à mediação e conciliação, mesmo no curso do processo.
No que toca especificamente à arbitragem, a rápida solução
de um conflito que está além do campo da negociação e o conhecimento
especializado que se pode conseguir com a escolha dos árbitros tornam esse
mecanismo instrumento igualmente convidativo para as partes.
Mas também aqui, vale a necessidade de divulgação das
evidentes vantagens da arbitragem, hoje já bem compreendidas pelo mundo
corporativo, mas ainda pouco utilizada e mesmo pouco entendida pelas pessoas
físicas.
O
uso da cláusula compromissória nos contratos de negócios é uma boa alternativa
de incentivo ao uso da arbitragem?
Entendo que a inserção da cláusula compromissória em
contratos, gera sim, um incentivo ao uso da arbitragem.
No entanto, é de se ressalvar sua incidência nos contratos
de adesão, nos quais não se pode vislumbrar, por parte do aderente, uma efetiva
manifestação de vontade quanto à adoção da arbitragem para as soluções de
conflitos relacionadas ao contrato.
Nessas circunstâncias a cláusula compromissória perde
eficácia e capacidade vinculante, exigindo do aderente uma posterior e expressa
manifestação de anuência com a instituição da arbitragem.
Também deve se levar em conta, para a consecução desse
objetivo – incentivo ao uso da arbitragem – , a própria formulação da cláusula
compromissória, pois vícios como a chamada cláusula compromissória vazia além
de não gerarem o fim pretendido, ainda exacerbam o conflito no âmbito judicial,
Como
enxerga o trabalho das câmaras de arbitragem privadas?
As câmaras de arbitragem privadas têm se proliferado no
Brasil, e isso tem dado efetividade à possibilidade das partes, ao contratarem,
optarem pela jurisdição arbitral.
No entanto, é de se frisar que a criação e funcionamento
das câmaras arbitrais privadas, não se submetem à regulação e fiscalização
estatal, razão pela qual, cabe às partes buscarem informações sobre a
confiabilidade e qualidade dos serviços oferecidos pelas diversas câmaras, bem
como sobre os custos envolvidos na opção pela jurisdição arbitral, que podem
variar a depender da estrutura física e do corpo técnico de cada uma das
câmaras arbitrais.
A
Lei da Arbitragem foi criada em 1996 e em 2001 o STF declarou sua
Constitucionalidade. Ao longo destes mais de 21 anos de vida, que avanços a
Justiça brasileira alcançou? Que mudanças aconteceram?
A arbitragem no Brasil, que inicialmente recebeu severas
críticas – inclusive dentro do Judiciário –, tendo inclusive sua
constitucionalidade contestada junto ao STF, foi paulatinamente ganhando
confiabilidade e sendo gradativamente aceita, tanto pelas partes quanto pelos
operadores do Direito.
Mas, sem dúvida, foi a consolidação de um posicionamento
jurisprudencial afirmativo da validade da arbitragem, e da cláusula
compromissória que usualmente lhe antecede – desde que observada a livre adesão
–, que deram credibilidade ao uso da arbitragem.
Era comum – e ainda hoje existem inúmeras demandas nesse
sentido – uma das partes, que inicialmente optara pela jurisdição arbitral,
contestar judicialmente tanto a validade do compromisso arbitral quanto o
próprio mérito do que decidido pelo juízo arbitral.
A firme, e cada vez mais consonante consolidação
jurisprudencial de uma regra geral de “não-intervenção” da jurisdição estatal
na arbitragem, deu segurança ao instituto, inclusive deixando, também em regra,
ao próprio Juízo arbitral, a manifestação acerca de sua própria competência e
sobre a validade ou nulidade da cláusula arbitral, circunstância advinda da
recepção em nosso meio jurídico do princípio da competência-competência
(kompetenz-kompetenz).
Assim, apenas excepcionalmente há intervenção estatal, como
no reconhecimento das cláusulas compromissórias “patológicas”, cuja apreciação
e declaração de nulidade podem ser pela Jurisdição estatal.
Nessa linha, e também pelos expressivos resultados
apresentados pela arbitragem, em termos de satisfação das partes, que pode,
inclusive, ser aferido pelo crescimento da oferta de câmaras de arbitragem,
vejo, depois desses 21 anos, a arbitragem como um instituto já consolidado na
cultura jurídica brasileira.
O
que espera do uso dos MESCs para os próximos anos? Existe a tendência de que a
população utilize mais os MESCs? Por quê?
Prevejo uma curva de crescimento acentuado dos MESCs nos
próximos anos, pois as alterações legislativas recentes, notadamente no Código
de Processo Civil e na Lei de Arbitragem (alterada pela Lei 13.129/2015) e a
vigência de regulamento específico para a mediação (Lei 13.140/2015), trazem
uma maior segurança jurídica para os métodos extrajudiciais.
A par dessas alterações e inclusões legislativas, há também
uma crescente percepção, pela população, da efetividade desses métodos, circunstâncias,
que entendo, contribuirão para o incremento e adoção generalizada dos chamados
MESCs.
Sobre
os honorários advocatícios nos procedimentos de mediação privada, qual sua
opinião?
A questão dos honorários advocatícios dentro da mediação
privada ainda causa alguma celeuma, principalmente porque se discute o
interesse dos litigantes em pagar pela atuação desses profissionais, no âmbito
da conciliação e da mediação.
É preciso, no entanto, entender que a mediação ou a
conciliação são processos de negociação que envolvem, para além do bem da vida
perseguido, uma avaliação subjetiva sobre as vantagens da adoção desses métodos
extrajudiciais, cabendo, nessa avaliação, uma percepção, subjetiva é claro, das
chances de sucesso de uma demanda judicial sobre a matéria, do tempo médio para
a conclusão do processo, e dos custos envolvidos.
A partir desses elementos, avalia-se a vantagem de se
conciliar e quais são os limites de disponibilidade de negociação de cada um
dos litigantes.
Sob essa perspectiva, é evidente que a expertise do
advogado, posta à disposição do seu cliente, bem como o tempo utilizado na
avaliação dessas circunstâncias e da própria negociação, precisam ser
remunerados, até mesmo porque, a efetiva aceitação desses métodos
extrajudiciais de solução de conflitos precisam do estímulo desses
profissionais para a sua efetiva encampação social.
Assim, a priori, entendo que os honorários advocatícios são
cabíveis nos métodos extrajudiciais de solução de conflitos, devendo esses ser
regularmente contratados pelas partes interessadas.
Quando
foi corregedora do CNJ a senhora determinou a criação de varas especializadas
em mediação e arbitragem. Como foi feito o acompanhamento da implantação destas
varas? Elas estão em todos os estados brasileiros? De que forma estas varas
melhoraram o ambiente para a apreciação de recursos? E o incentivo ao uso dos
métodos, foi aprimorado?
As providências que tomamos à frente da Corregedoria
Nacional de Justiça de criar varas especializadas em mediação e arbitragem
contribuíram determinadamente para esse avanço. A confiança na arbitragem é um
conjunto de fatores, e saber que se tem à disposição juízes especializados na
área para resolver os conflitos dela decorrentes, aumenta o incentivo ao seu
uso, bem como a duração dos conflitos no Judiciário tem o trâmite agilizado
sobremaneira.
Os dados que temos demonstram a eficácia e praticidade da
medida, ficando em primeiro lugar o Tribunal de Justiça de São Paulo, com o
maior número de acionamento para incidentes ocorridos no procedimento arbitral,
devidamente solucionados.
Fonte: Revista Resultado nº 58
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