Criatividade, gestão e bom senso
Temos que ir atrás de muitos outros motivos para comprovar a eficácia do modelo consensual quanto ao tratamento adequado dos conflitos, antes mesmo da instauração oficial do processo e, se o mesmo infelizmente o for, porque não estimularmos que ele seja economicamente vantajoso acaso as partes cheguem a um consenso de imediato? E no curso do processo, podemos temos ter esse benefício?
Temos que ir atrás de muitos outros motivos para comprovar a eficácia do modelo consensual quanto ao tratamento adequado dos conflitos, antes mesmo da instauração oficial do processo e, se o mesmo infelizmente o for, porque não estimularmos que ele seja economicamente vantajoso acaso as partes cheguem a um consenso de imediato? E no curso do processo, podemos temos ter esse benefício?
A política nacional de tratamento adequado de
conflito é a reflexão desenvolvida pelo Poder Judiciário sobre a sua
importância no meio social como referência na solução de conflitos e na
necessidade de aprimoramento das vias de resolução dos conflitos de
interesses.
As ações desenvolvidas, que ultrapassam os limites da
simples preocupação da baixa do estoque processual, impõem investimentos
na prevenção e contenção de demandas, assim como na melhoria na oferta
de solução aos conflitos. Não podemos mais continuar a achar que todos
os conflitos que chegam ao Judiciário serão resolvidos pela jurisdição
tradicional de forma satisfatória ou no tempo esperado.
Torna-se
preocupante a inefetividade do Judiciário no volume de demandas que lhe é
apresentado, especialmente quando há estudos que apontam não ser sempre
a solução judicial — com o enquadramento do caso à norma legal e suas
imposições — a melhor providência para o conflito, muitas vezes não
alcançando o resultado esperado pelas partes, qual seja, a pacificação
social com a satisfação dos interesses contrapostos, já que Justiça é
algo muito subjetivo.
Entretanto, podemos, com certeza, a partir
do diálogo franco, aberto e criativo, chegar a uma solução pelas
próprias partes, contando no máximo com a intermediação de um terceiro,
que pode ser o Estado-juiz, no sentido amplo do termo, hoje com seus
novos auxiliares (mediadores e conciliadores), agindo de uma forma
totalmente diferente da tradicional. E esse é justamente o seu maior
desafio hodiernamente.
Não é outra a compreensão que podemos ter da afirmação da comissão do anteprojeto do CPC, na exposição do anteprojeto do CPC[1],
ao dizer que "a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais
intenso se a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz".
Além
desse resultado prático, nota-se com facilidade o proveito econômico ao
Estado, que deve lutar pela melhor forma de atenção ao cidadão,
utilizado o investimento necessário para prestação desse serviço.
O
ministro Joaquim Barbosa, na Presidência cumulativa do STF e do CNJ,
quando da abertura da I Conferência Nacional de Conciliação e Mediação[2]
(em 28/6/2013), destacou que "65% das ações da área cível, que incluem
pedidos de indenização, discutem valores menores do que R$ 1 mil e o
custo médio de cada processo é de R$ 1,3 mil".
Trata-se, pois, de
uma medida de probidade com a coisa pública, uma vez que as despesas
para a solução de conflitos pela via do consenso envolvem um
investimento de menor custo racional.
A priorização da composição
amigável dos conflitos judicializados é expressa no inciso V,
artigo 139, do Código de Processo Civil de 2015, cumprindo aos tribunais
a criação de setor próprio destinado a estimular a autocomposição
(artigo 165).
Consta, ainda, em caráter que nos parece impositivo,
dada a redação apresentada, o encaminhamento de todos os processos para
tentativa de se chegar ao consenso, desde que preenchidos os requisitos
essenciais e não for caso de improcedência liminar (artigo 334).
Portanto,
a audiência inaugural que busca o consenso será o passo inicial de
todas as demandas com direitos disponíveis em discussão, isso sem contar
com as demandas em que a conciliação já é fase processual antecipatória
do contraditório (juizados especiais, rito sumário, ação de alimentos
etc.).
Contudo, não é apenas com a administração pública que o
CPC/2015 preocupou-se em assegurar redução de custos para os trâmites
processuais.
Vimos com muita simpatia a autonomia às partes
conferida no artigo 190, que pode eliminar burocracias reconhecidas como
inúteis à sustentação da defesa dos seus próprios argumentos, bem como
da oportunidade para conversão mais econômica do processo, pois
controlando diretamente o procedimento, o enxugamos no próprio interesse
da solução mais eficaz, reabrindo a questão da busca do consenso.
Outra
passagem que promete grandes alterações no proceder econômico com
impacto na conciliação foi a inclusão da obrigatoriedade de indicação do
valor de ressarcimento por dano moral sofrido (artigo 292, inciso V),
particularmente nas relações de consumo, uma das mais renitentes
demandas judicializadas, que, juntamente com a identificação de
precedentes compatíveis (artigo 489, parágrafo 1º, V), deve aproximar os
pedidos do resultado final da condenação, o que termina por mobilizar
os demandados habituais a buscarem a solução que reduza os custos
efetuados com o trâmite processual já no início do processo, fazendo-se,
de plano, o devido sopesamento dos riscos de uma eventual condenação e
aí chegam ao consenso, reduzindo ao custo que terá com a continuidade.
Notável
medida de estímulo é percebida nas dispensas de custas remanescentes
para o caso de transação (artigo 90, parágrafo 3º) e redução de metade
dos honorários de sucumbência, com o reconhecimento do direito e
cumprimento da obrigação pelo réu (artigo 90, parágrafo 4º).
De
todos os empenhos, é inegável que a gratuidade da conciliação e mediação
pré-processual ou em processos com concessão de gratuidade, praticada
por servidores ou voluntários ou em percentual definido para as câmaras
privadas (artigo 169, parágrafos 1º e 2º), seja a mais vantajosa.
Do
lado oposto, é atribuída multa a quem deixa de participar da audiência
de consenso prévio (parágrafo 8º, artigo 334), por reconhecimento de ser
um ato atentatório à dignidade da Justiça, por ferir seu compromisso
público de utilizar dos recursos necessários à resolução de suas
demandas, ou seja, por violação de um dever de solidariedade da parte
litigante com todos demais indivíduos que necessitam da prestação
jurisdicional. São estímulos que devem ser divulgados para massificar a
política consensual.
E mais, não se pode admitir o mero
comparecimento físico, pois, mesmo sendo patente que não há obrigação
legal de se fazer o acordo pela própria compreensão do artigo 5º inciso
XXXV em face da supremacia do princípio da autonomia da vontade, não se
pode, por outro lado, querer burlar o escopo legal de se criar dentro do
procedimento, logo no seu início, um espaço em que deve prevalecer o
efetivo diálogo, pelo menos mostrando a disposição de querer resolver
por essa via, e muitas vezes as próprias partes não conseguem dispor o
suficiente para obtenção do acordo, mas conversaram, e isso deve ser
aplaudido.
O que não se pode permitir é o uso desse espaço, ainda
mais quando o autor já manifestou-se pela dispensa da audiência para
mera procrastinação e desrespeito ao Judiciário, que tem investido na
política consensual, formando os seus auxiliares, logo comparecer sem
possibilidade fática de exercitar a atividade de consenso, deve ser
compreendida como não presente, aplicando a multa, sob pena da novidade
de se tornar letra morta.
Mesmo com esses benefícios assegurados,
cumpre ao Poder Judiciário, em especial ao Núcleo Permanente de Métodos
Consensuais de Solução de Conflitos de cada tribunal, no trabalho de
implantação de políticas de tratamento adequado dos conflitos, propor a
adoção de medidas que estimulem ainda mais o uso dos meios consensuais
de solução de litígio, em particular o uso da conciliação e mediação.
Uma
sugestão foi apresentada pelo ministro César Peluso, quando presidente
do Supremo Tribunal Federal, durante o seminário dos 100 maiores
litigantes[3]
(SP, 2/5/2011), ao defender, como medida para prevenção de entrada de
novas ações na Justiça, a isenção das custas processuais quando as
partes consigam resolver, por meio do consenso, seus processos.
Trazendo
como exemplo de tribunal que tem se preocupado em sempre estimular o
consenso e acolhendo a uma recomendação do seu Nupemec, o Tribunal de
Justiça do Maranhão incluiu em sua tabela de custas[4]
a possibilidade de redução em 50% do valor do procedimento para o caso
de resolução alcançada na audiência de conciliação prévia, sendo
precursor nessa providência.
A proposta foi motivada pela
observação de que, adiantado o valor das custas, esse gasto já se
inseria no valor posto para discussão do entendimento, como forma de
reposição do investimento, o que chega a dificultar um resultado
consensual.
Em vigor a partir de 1º de março de 2017, não se tem
ainda delimitado o impacto prático dessa redução de custas na ocorrência
da resolução autocompositiva das demandas, contudo, não temos dúvidas
de que irá atingir seu objetivo, e tanto acreditamos que já foi
divulgada a iniciativa entre os demais membros de Nupemec, tendo havido
uma grande aceitação, já se acolhendo de pronto pelo Nupemec do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Norte a sua discussão, e quem sabe também
se terá no futuro uma lei nesse sentido.
O público-alvo dessa
proposta são as empresas que não possuem legitimidade para demandarem
nos juizados, onde a isenção de custas já é prevista, ou demandas
promovidas por pessoas físicas não isentas.
Sendo possível a
concessão do benefício para todas as demandas que versem sobre direitos
disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam a transação
(artigo 3º, da Lei 13.140/2015), não há óbice, diante do que estabelece o
artigo 190 do CPC, que se admita a tentativa de conciliação em
processos cujo rito não a preveja como ato antecedente à contestação,
como previsto no artigo 334 do CPC, mas que tem se revelado melhores
meios de solução das demandas, como é o caso da monitória e execução, na
qual os demandados, já em situação de inadimplência, podem chegar a
melhores entendimentos com dispêndio de menos recursos. Nesses casos,
sabemos que a discussão sobre o direito em si é exceção em relação à
certeza do débito, logo objetivamente temos um grande incentivo.
A
proposta vem sendo analisada por instituições de ensino particular, que
estudam alterações de seus contratos de prestação de serviços para
inserir cláusulas sobre a possibilidade de buscar uma composição para
eventual demandas de satisfação de crédito não adimplido.
Quanto
ao procedimento, temos que o pedido de redução de custa é apresentado
junto com a inicial, indicando de pronto a parte o desejo de buscar a
resolução da demanda pela via consensual, devendo a parte, no momento do
preenchimento do formulário, indicar a condição especial de redução.
Uma
vez recebida a petição na secretaria da vara, deverá ser agendada uma
audiência, observando a pauta do Centro Judiciário de Solução de
Conflito e Cidadania que atue nos processos judiciais, competindo à
secretaria a expedição da citação para comparecimento da parte demandada
para o ato, com a advertência sobre a pena de multa por ausência e
prazo para contestação, em caso de não ocorrência de entendimento.
Na
eventualidade de acordo firmado, mas não cumprido voluntariamente, a
execução do mesmo exigirá o recolhimento das custas na forma da lei, sem
qualquer redução.
Caso a conciliação seja inviabilizada, o
conciliador/mediador fará constar no termo de audiência que o autor
deverá complementar as custas para o regular andamento do processo, que
passa a ter seu prosseguimento regular, e, se não o fizer, o processo
será extinto sem apreciação do mérito, e, acaso novamente intentado,
teremos o pagamento integral e nova possibilidade de consenso.
A
cultura do consenso tem por expectativa trazer para a sociedade uma nova
postura de maior solidariedade, na perspectiva apenas econômica ou por
vantagens técnicas, registrando-se que temos outras, que não serão
objetos desse texto.
Em perfeita análise do impacto social sobre os meios adequados de conflitos, Daniela Amaral e Adriana Maillart[5]
reconhecem nesses mecanismos um instrumento de solidez das relações
interpessoais, com a reconstrução de laços e valorização do respeito
mútuo entre as partes, concluindo com a observação de que o escopo da
autocomposição é a harmonização das relações entre os indivíduos,
promovendo uma Justiça reparadora.
Contudo, até que essa cultura
se veja suficientemente solidificada, a implantação de uma política de
tratamento adequado de conflito, que tenta inverter a ordem cultural da
delegação do tratamento de controvérsias por terceiro para dar ao
envolvido o papel de ser sujeito ativo da defesa de seus interesses,
necessita de receptividade e acolhimento, devendo revelar, além de seus
ganhos intrínsecos, atraente o bastante para mobilizar os usuários do
sistema de Justiça a usá-lo, pois fica patente que nessa política o
poder será das próprias partes.
Aqui, restringimos o tema ao
universo econômico como indutor da experiência desses meios de solução
de conflitos, cujos resultados esperados vão ao encontro de um melhor
uso desses recursos, não mais se ocupando as estruturas do poder
público, mas, sim, aprimorando os ambientes privados que se encontram
aptos a prestar esses serviços, deixando o Judiciário livre para as
demandas que só ele pode dirimir.
E tanto é verdade que talvez uma
das tarefas mais hercúleas dos presidentes e coordenadores de Nupemec
de todo o país — e falamos por experiências próprias — será
conscientizar as empresas que, olhando o processo sob o crivo da
política consensual imposta pela lei, poderão reduzir de modo
significativo o custo total do mesmo, ou até evitá-lo, e, com isso,
aumentar o seu percentual de lucro, já que sabemos que toda empresa
precisa ter superávit, e, quando se perde dentro de um processo na via
tradicional, o custo global dessa perda muitas vezes torna o litígio um
negócio ruim ou, no mínimo, diminui a sua margem de lucro.
Portanto,
a conversa franca e aberta com os maiores litigantes do país afora o
próprio Estado tem demonstrado a eficácia do argumento, e estamos vendo
várias empresas se renderem e mudarem radicalmente o modo de se
contrapor ao pedido dos consumidores, obtendo, por conseguinte, uma
maior satisfação dos mesmos em todos os sentidos e ainda reduzindo seu
custo, ampliando automaticamente o seu lucro.
Dessa forma,
finalizamos este pequeno texto chamando a atenção, não só dos que operam
com o Direito, mas de toda a sociedade, de que investir na política do
consenso é investir em seus próprios escopos, pois tal política foi e é
pensada das partes para as próprias partes, ficando a própria Justiça em
segundo plano.
[1] http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/anteprojeto.pdf
[2] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/25273:joaquim-barbosa-abre-i-conferencia-nacional-de-conciliacao-nesta-sexta-feira
[3] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/14188-ministro-peluso-defende-isencao-de-custas-para-quem-conciliar
[4] http://gerenciador.tjma.jus.br/app/webroot/files/publicacao/408838/tabela_de_emolumentos_para_maroo_de_2017_-_lei_10_534-2016_07032017_1456.pdf
[5] Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0b115042dd978264. Acesso em 19/3/2017.
[2] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/25273:joaquim-barbosa-abre-i-conferencia-nacional-de-conciliacao-nesta-sexta-feira
[3] http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/14188-ministro-peluso-defende-isencao-de-custas-para-quem-conciliar
[4] http://gerenciador.tjma.jus.br/app/webroot/files/publicacao/408838/tabela_de_emolumentos_para_maroo_de_2017_-_lei_10_534-2016_07032017_1456.pdf
[5] Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0b115042dd978264. Acesso em 19/3/2017.
Por José Herval Sampaio Júnior, é juiz de Direito e coordenador do Nupemec do TJ-RN
e Alexandre Abreu é juiz de Direito e coordenador do Nupemec do TJ-MA.
Fonte: ConJur
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