Ao privilegiar a solução extrajudicial para conflitos, o moderno processo civil inglês condena a cultura da sentença, quase sempre, levada às últimas consequências num grande país do outro lado do oceano. A receita está descrita no livro O Moderno Processo Civil – formas judiciais e alternativas de resolução de conflitos na Inglaterra, do professor da universidade de Cambridge Neil Andrews, que está sendo lançado no Brasil com tradução e revisão da professora da PUC de São Paulo, Teresa Arruda Alvim Wambier.
Estruturado de forma diferente, o Judiciário britânico possui três instâncias e um sistema que dificulta apelação. A primeira é formada pelas County Courts e High Courts, que funcionam em cidades e vilarejos. A diferença básica entre elas é que as ações de pequeno valor, small claims (pequenas causas), são impetradas geralmente nas County Courts, enquanto as de maior valor vão para as High Courts. Essas decisões são proferidas por apenas um juiz.
Já a 2ª instância é formada pela Court of Appel (Tribunal de Apelação). É preciso obter uma autorização para recorrer e segundo o livro, o preço que se paga é alto. A última instância é a House of Lords. Se compararmos com o Brasil, esta representa o Supremo Tribunal Federal, porque julga assuntos de importância especial. Mas a House of Lords não trata de assuntos constitucionais. A mais antiga democracia formal do mundo tem até um rei (ou rainha), mas não tem constituição escrita.
Para controlar os processos, não existe o direito de recorrer, deve-se solicitar uma permissão. Apenas os recursos finais vão parar na House of Lords ou Court of Appel, um número baixo se compararmos com o Brasil. Logo, não há tantas possibilidades de ingressar com recursos e embargos como existe no Brasil, por isso a fórmula da conciliação faz tanto sucesso por lá.
Para decidir, os magistrados usam como base o sistema de precedentes (Common Law), principalmente para as questões de direito material. Porém, hoje em dia utilizam também leis escritas como as Civil Procedural Rules (CPR's).
“As partes têm direito de recorrer e aqui cabe recurso para tudo”, observa Andrews referindo-se ao Processo Civil brasileiro. O professor entender que a possibilidade infindável de recursos e embargos não é boa para o judiciário que acaba com uma quantidade enorme de processos, o que provoca morosidade e perda de credibilidade do sistema de Justiça. “Lá tem que pedir autorização para recorrer”, afirma Andrews.
O professor destaca que a principal diferença entre o sistema processual de seu país e o brasileiro é a confiança dos britânicos nos juízes de primeira instância. Também nesse caso a diferença nos dois lados do Atlântico é marcante. O grande número de recursos e um alta taxa de sentenças reformadas no caso do Brasil, levam ao quase total descrédito do juiz de primeiro grau.
A carreira trilhada pelo advogado na Inglaterra também mostra significativa diferença. O advogado não precisa ter diploma do curso de Direito, apenas um diploma universitário. Independentemente da área de atuação, precisará passar por exame no qual será auferido seu conhecimento em matéria Constitucional, Administrativo, Criminal e Delitos Civis, Contratual, e União Europeia. Assim como no Brasil, os advogados devem estar inscritos nas entidades de classe em que atuam.
No Judiciário Britânico existem dois cargos diferentes para os advogados, o solicitor e barristers. O primeiro tem como função representar a parte, mover a ação. Já o segundo será solicitado pelo primeiro para representar sua parte perante o juiz, ou seja, um tem o contato com a parte, e o outro respectivamente, terá contato apenas com o advogado e os magistrados. Os barristers atuam apenas nos tribunais e os solicitors apenas com o autor da ação.
Código
Apesar de a Inglaterra seguir a Common Law, modelo no qual operadores do direito se baseiam em decisões vinculantes de outros magistrados para solucionar um caso, o país também absorve a Civil Law ao fazer o Código do Processo Civil em 1998, no qual a lei escrita orienta operadores do Direito. Criado com o objetivo de tornar a Justiça Civil mais acessível ao cidadão comum, ele também pretende acelerar e promover solução rápida para conflitos.
A obra destaca que, após a entrada em vigor do Código em 22 de abril de 1999, a procura pelo Judiciário caiu, isso porque o próprio Código incentiva o uso de formas alternativas de solução dos conflitos, como a mediação. Segundo o livro, atualmente existem poucos processos civis nos tribunais, comprovando esta procura por outras formas de solução de litígio.
Se no Brasil o pagamento das custas pode ou não recair sobre quem “perdeu” a ação, na Inglaterra conforme o Código a regra é clara ao definir que quem perde paga as custas. Segundo o livro, as regras para definir custas detém a maior complexidade do Código, e litigar ainda é caro. Essa é outra forma de desencorajar a apresentação de processos e de recursos.
Na Common Law o autor tem o ônus da prova. Assim, quem postula uma ação deve reunir as provas que tragam a maior veracidade dos fatos. “De acordo com o sistema, o tribunal desempenha papel passivo, respondendo e reagindo ao estimulo das partes”, escreve o autor.
Oficial
“Uma cultura de negociação já está estabelecida”, afirma a frase inicial do capítulo sobre acordo. Como se pode observar, esta é a forma mais utilizada pelos ingleses para solucionar seus conflitos. Entre os fatores que explicam este comportamento estão o preço de litigar, a necessidades de autorização para recorrer e a necessidade de produzir provas. São barreiras que fazem com que o autor avalie apuradamente se compensa procurar a Justiça. Nesse contexto o próprio juiz desempenha um papel na orientação das partes para resolver o litígio.
A prova disso está descrita em números; o número de litigios declinou 9% entre 1999 e 2005.
A mediação é bastante popular na Inglaterra. Nela, as partes escolhem alguém para interceder e negociar a fim de solucionar o conflito. Segundo a obra, “um acordo mediado pode ser superior a uma decisão judicial”. Porém, ela só é possível se ambas as partes concordarem. Já a arbitragem é o sistema onde os litigantes submetem o problema a um julgador neutro para solucionar os conflitos.
Fonte: Conjur
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