quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Arbitragem, mediação e cultura



Todas as questões oriundas deste contrato serão dirimidas no foro central do rio de janeiro” 

A frase em epígrafe costuma ser a última cláusula dos mais variados contratos existentes, inclusive aqueles envolvendo o mercado editorial, os relacionados ao mercado de artes plásticas e demais obras intelectuais. 

Por essa cláusula, a solução indicada por quem assina o contrato, em caso de divergência, é o recurso ao Poder Judiciário, que tradicionalmente dirá o direito, assim prestando a jurisdição (do latim juris dicere), isto é, solucionando os conflitos e dando razão a A ou B. 

A Constituição brasileira de 1988, em breve uma senhora trintona, diante da aceleração do tempo histórico, estimulou a população a reivindicar seus direitos ao Poder Judiciário, outorgando-lhe o papel de protagonista na solução de conflitos. Ocorre que, aproximando-se o fim dessas três décadas, o Judiciário se encontra notoriamente sobrecarregado. A demanda é brutal e o tempo de digestão dos processos e entrega de solução adequada deixou para longe a duração razoável instituída pela Constituição Federal (“art. 5º LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”) como direito fundamental do cidadão. 

No mundo inteiro a crescente defasagem entre a rápida solução requerida pelo ritmo da vida e dos negócios e a realidade das cortes abarrotadas de processos costurados com linha e carimbos traz grande insatisfação a sociedade. Os temas mais sofisticados (biotecnologia, tecnologia da informação, questões internacionais) exigem soluções técnicas que, mesmo instrumentalizado pelo processo eletrônico, o Judiciário não consegue dar na extensão, profundidade e rapidez exigidas. 

Surgem nos EUA, principalmente, na década de 1990, as soluções alternativas de conflitos (ADR – Alternative Dispute Resolution) que vêm se disseminando pelo mundo. Por essa nova corrente, os litígios podem ser resolvidos, ou prevenidos, basicamente por arbitragem ou mediação. 

Na arbitragem um terceiro, eleito pelas partes, que não precisa ser membro do Poder Judiciário (pode ser um advogado ou técnico de qualquer profissão) decide o litígio, em prazo que costuma demorar no máximo um ano e dessa decisão não há recurso! Basta que as partes insiram cláusula no contrato por elas assinado determinando que em caso de divergência a questão será solucionada pela arbitragem. Assim, em caso de divergência inicia-se um Juízo arbitral, com todas as garantias de defesa para as partes. Essa opção pela arbitragem também pode se dar antes da celebração de contrato, mesmo durante uma negociação. O Brasil já tem lei específica sobre o tema desde 1996, várias Câmaras (órgãos privados) que praticam a arbitragem foram criadas e estão em pleno funcionamento, e vários litígios já foram solucionados em tempo recorde e de forma mais adequada para as partes. O Judiciário só será requisitado se uma parte não cumprir a sentença da arbitragem, e aí a Justiça forçará a execução dessa decisão. 

Já na mediação que tenha sido estipulada em cláusula contratual e que pode ser prévia ao litígio ou ser suscitada durante um processo já em curso, uma, ou mais pessoas, se obrigam a conversar com as partes, desde que essas assim o desejem, para tentar encontrar uma solução. O mediador facilita o diálogo, apara arestas, formula questões e mediante técnica mundialmente consagrada procurar fazer com que, em última análise, as próprias partes encontrem o denominador comum entre suas pretensões. A solução apontada pela mediação vincula os contratantes. 

E como esses institutos se aplicam ao mercado editorial e a cultura em geral? Lembrando o início do artigo, a cláusula ali transcrita poderia ser substituída por outra do seguinte teor: “Todas as questões oriundas deste contrato serão dirimidas por meio de mediação ou arbitragem, ficando desde logo escolhida a Câmara de Mediação ou Arbitral X ou Y”. 

Dessa forma, eventual divergência num contrato de edição de livro, tradução, adaptação de obra literária para audiovisual, e outros tantos, não fica restrita ao caminho único do Judiciário. As partes se obrigam, na assinatura do contrato a, em caso de divergência, conversar assistidas por profissional especializado (mediador) ou submeter a questão a técnico do setor (árbitro). Por essa via, um editor pode ser um árbitro, ou um advogado que faça a mediação pode se servir de órgão de classe (SNEL ou CBL) para indicar técnico apto a assessorar o procedimento de entendimento das partes. 

As vantagens de economia de tempo e dinheiro, e ainda de adequação da solução tem se mostrado evidentes. Cresce a adesão a esses métodos de solução (ou prevenção) de conflitos e igualmente aumenta a satisfação das partes com a pertinência das soluções. Claro que o Judiciário tem profissionais competentíssimos e os magistrados se servem de técnicos igualmente capazes, mas as estatísticas sobre a demora dos processos e outros fatores negativos abundam nos meios de comunicação, estimulando a procura de alternativas pelas partes. Não se justifica hoje, nem ontem, uma demanda durar 12 anos, de modo que um processo iniciado em 2016 pode acabar, no ritmo que testemunhamos, em 2028! 

E não só o mercado editorial, como os de artes plásticas, audiovisual, teatral, publicitário, e tantos outros podem se utilizar desses meios alternativos de solução de disputas, com as evidentes vantagens apontadas. 

Ingressei nesse mundo e vejo futuro altamente positivo. Penso que está na hora de se reformularem os contratos do setor, inserindo nos novos a chamada cláusula compromissória, que obriga as partes, em caso de divergência, a procurarem mediador ou árbitro. E nos contratos já existentes pode ser substituída essa cláusula (é legalmente possível) estipuladora do Judiciário como única alternativa de solução de eventual litígio, pelo compromisso de solução alternativa, como acabo de referir. 

É um passo relevante para que as questões de setor sensível e peculiar, como o artístico, possam ter soluções rápidas e compatíveis com as suas singularidades. Questões como plágio de obras literárias, adequação de traduções, edição de livros eletrônicos e uso de megadados são exemplos de casos que exigem especial atenção, técnica e sensibilidade, para serem bem solucionados. 

No mercado de artes plásticas as controvérsias relativas a direito de imagem, reprodução de obras em coleções particulares ou em museus públicos, em catálogos de exposições ou leilões, cópias de esculturas e quadros e pretensões de herdeiros, por exemplo, exigem profissionais que conheçam minimamente o mundo jurídico e das artes, para dar solução a questões que muitas vezes se apresentam inéditas, muitas vezes em decorrência de avanços tecnológicos impressionantes. 

É um novo passo, firme e seguro e que tende a solucionar as questões, conduzindo para um mundo de maior diálogo e estabilidade, derivado do entendimento entre as partes. Enfim é a sociedade se olhando e se curando.

Por Gustavo Martins de Almeida é carioca, advogado e professor. Tem mestrado em Direito pela UGF. Atua na área cível e de direito autoral. É também advogado do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e conselheiro do MAM-RIO. Em sua coluna, Gustavo Martins de Almeida aborda os reflexos jurídicos das novas formas e hábitos de transmissão de informações e de conhecimento. De forma coloquial, pretende esclarecer o mercado editorial acerca dos direitos que o afetam e expor a repercussão decorrente das sucessivas e relevantes inovações tecnológicas e de comportamento. Seu e-mail é gmapublish@gmail.com.
Fonte: Publishnews

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