Você já parou para pensar em quantas vezes se depara com situações que exigem uma postura de negociador em seu cotidiano?
Essa é uma das perguntas que mais tem feito aos seus alunos o
antropólogo e professor de Harvard William Ury, especialista na arte de
construir consensos, que acredita que o mundo está passando por uma nova
era para as relações humanas.
Autor dos best-sellers "Como chegar ao sim" e "Como chegar ao sim com
você mesmo", ele se dedica há 35 anos à atuação como conselheiro e
mediador de conflitos políticos e sociais ao redor do mundo, além de
impasses empresariais.
O caso mais emblemático aqui no Brasil foi a disputa entre o empresário
Abilio Diniz e Jean-Charles Naori, presidente do grupo Casino. Mais
recentemente, Ury trabalhou nas tensas negociações entre o governo
colombiano e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Em uma palestra em agosto de 2016, o antropólogo defendeu a importância
da negociação para bons resultados nas vidas pessoal e profissional e
deu dicas aos participantes sobre como aprimorar a técnica. "As
pirâmides de poder estão caminhando para a horizontalidade, através das
negociações, acompanhadas pela revolução digital. Cada vez mais, nosso
sucesso depende das nossas negociações", observa Ury.
Para ele, a essência de uma negociação bem-sucedida está na
transformação do confronto entre as partes em cooperação. O especialista
defende que é preciso buscar resultados que levem em consideração os
envolvidos direta e indiretamente, além de todo o ambiente em que a
negociação está se consolidando. Essa seria a verdadeira "relação
ganha-ganha-ganha".
Baixar as armaduras e recolher as armas por uma postura cooperativa
entre as partes pode ser a chave do sucesso para muitos negócios e
relações em diferenças esferas da atividade humana. É preciso encarnar a
figura do negociador reflexivo, defende Ury. Para isso, mais do que
focar nos resultados, o interessado tem que estar disposto a aprender
com os processos, ter paciência e entender que nem sempre uma derrota
poderá ser evitada. De todo modo, com as técnicas a seguir, as chances
de sucesso tendem a crescer significativamente. Elas podem ser usadas em
variados contextos, mas o antropólogo ressalta uma situação específica
que precisa ser sempre levada em conta, mas que não raramente é
ignorada: "a negociação mais difícil é com nós mesmos".
Passo 1: Para resolver rápido, aja devagar
Pode soar paradoxal, mas, se você quiser avançar rapidamente em uma
negociação, terá que ir devagar. Em vez de reagir às demandas das outras
partes, observe seu próprio comportamento, suas emoções. É tempo de
tranquilidade, estudo e compreensão, momento que Ury costuma chamar de
"visita à varanda" -- um local que possibilita análise mais sensata e
distanciada dos fatos. É preciso entender as motivações e desejos que
estão em jogo com as partes envolvidas. Depois, reflita sobre os seus
próprios interesses verdadeiros. O que você realmente deseja? Por quê?
Insista. De início, vale outra dica importante: nem sempre o melhor
negócio é o exato ponto entre os interessados.
Passo 2: As saídas
É hora de quebrar a cabeça para buscar o maior número de alternativas
possível. Deixe de culpar os outros pelos problemas e comece a assumir
as responsabilidades e tente desenvolver a melhor saída para a
satisfação de seus interesses se você não pode chegar a um acordo com o
outro lado. Quão menos dependente estiver daquela negociação, mais
simples será avançar, buscar alternativas viáveis, dialogar. Este é o
momento para listar alternativas modestas e irrevogáveis -- toda opção
interessante é válida.
Passo 3: Escute e respeite
Esta etapa marca o retorno às negociações. Para avançar agora, é
importante ter paciência e estar aberto a ouvir tudo que as partes
envolvidas têm a dizer. Descubra quais são os reais interesses deles em
seus mais diversos níveis, dê atenção e valor ao que é colocado à mesa.
Pergunte "por quê?", mas principalmente agora "por que não?" e
estabeleça os critérios justos para que a negociação avance em detalhes.
Passo 4: Colocando a mão na massa
Passada essa fase, é hora de refazer o quadro-geral da negociação e
colocar a mão na massa. "Podemos pensar, agir e conduzir nossos
relacionamentos como se o universo fosse essencialmente um amigável
lugar e a vida estivesse do nosso lado?", questiona Ury. Evite refutar,
tente reconduzir, e mude o foco das posições para os interesses e
opções. Muitas vezes há mais de uma posição possível para atender a um
interesse. Olhe para os ganhos mútuos do acordo e avance. É hora de
negociar, com respeito e atenção aos objetivos das outras partes.
Passo 5: O "não" faz parte
Não se frustre com as respostas negativas ao longo de uma negociação;
elas também são parte do processo. Em vez disso, procure as brechas em
cada "não" recebido, descubra campos em que haja oportunidade de avançar
e reformule sua proposta, insista em alternativas para a construção de
um consenso. Convença as outras partes dos benefícios que um acordo
poderia representar aos seus interesses, mostre como os reais desejos
delas seriam atendidos e esteja aberto às contraditas. Mas atenção:
lembre-se sempre dos seus objetivos e saiba até que ponto é interessante
continuar a oferecer concessões em busca de um acordo. Como diz Ury,
uma boa negociação não tem vencedores nem perdedores.
Passo 6: A ponte de ouro
Você já notou que, em certas circunstâncias, quanto mais puxa, tenta
persuadir e insiste, mais resistência da outra parte enfrentará (e
muitas vezes inconscientemente)? A pressão muitas vezes torna mais
difícil para o outro interessado aceitar sua proposta, uma vez que tende
a se sentir cerceado, intimidado. "Em vez de puxar a outra parte em
direção a um acordo, você precisa fazer o oposto. É necessário
conduzi-los à direção que você quer que ele se mova. Sua missão é
construir uma ponte de ouro através do abismo", recomenda Ury. Para
isso, às vezes é necessária uma terceira parte capaz de consolidar o
consenso. No entanto, na ausência dessa possibilidade, a iniciativa terá
de vir de você.
"Em vez de começar de onde você está -- o que é nosso instinto --, você
precisa começar de onde a outra pessoa está para guiá-la em direção a um
possível acordo", explica o especialista. Este é o momento de andar
lado a lado com as partes envolvidas na negociação para que se alcance o
consenso. "Construir uma ponte de ouro significa tornar mais simples
para o outro lado superar os obstáculos mais comuns em um acordo.
Significa envolvê-los ativamente na elaboração de uma solução com ideias
deles também, não apenas suas. Significa satisfazer os interesses deles
não satisfeitos. É assim que se torna o processo de negociação o mais
fácil possível", conclui o antropólogo.
Por Prof. Rogerio Monteles
Fonte: InfoMoney