Outros caminhos
O monopólio estatal da
jurisdição caminha na contramão do progresso. É preciso observar a
tendência mundial de democratizar o Poder Judiciário, o que somente se
concretizará com a efetiva popularização dos meios adequados de solução
de controvérsias, tão enfaticamente fomentados pela nova legislação
processual civil brasileira.
A declaração foi dada pela ministra Nancy Andrighi durante palestra no evento "Superior Tribunal de Justiça e Corte de Cassação Francesa: A arbitragem na visão comparada",
realizado nesta segunda-feira (25/9). Ministros do STJ e representantes
da corte da França debateram, entre outros temas, as concepções dos
dois países sobre contrariedade à ordem pública em matéria de arbitragem
internacional e a homologação da sentença arbitral estrangeira.
Nancy ressaltou a tradição da França no tema matéria e garantiu que, a
partir das observações feitas no seminário, o STJ implementará um
“infindável” número de boas práticas e de soluções positivas no
cotidiano da arbitragem local. Logo de início, ela lembrou uma medida
que adotou como Corregedora Nacional de Justiça, quando determinou aos
tribunais estaduais que destacassem duas varas cíveis, nas capitais, com
competência exclusiva para receber pedidos de tutela de urgência e
medidas cautelares solicitadas pelos árbitros.
“Com essa
providência, alcançamos a especialização dos juízes de direito, e o
rápido trâmite dos pedidos formulados pelos árbitros, propiciando ao
procedimento arbitral o diferencial que merece”, afirmou.
Desde o
fim de 2004, data em que a Emenda Constitucional 45 entrou em vigor, até
2015, contou a ministra, foram julgados 67 pedidos de homologação, dos
quais apenas 9 foram indeferidos, 5 foram extintos e 3 parcialmente
homologados, resultando em 50 sentenças arbitrais estrangeiras
homologadas.
Para que as pessoas abdiquem da atuação da Justiça e
confiem em outros meios de solução de controvérsias, alertou a
magistrada, é necessário que haja segurança e previsibilidade. Por isso,
o juízo deve recuar e zelar pela máxima preservação da autonomia da
vontade das partes.
“Especificamente em relação à arbitragem,
respeitar a autonomia da vontade das partes equivale a honrar a
autoridade do árbitro a quem as partes confiaram a resolução da
controvérsia, tratando-o de acordo com o — estabelecido na nossa lei de
arbitragem — árbitro é juiz de fato e de direito e, como tal suas
decisões devem ser acatadas”, disse.
Para se discutir a
homologação de sentença arbitral estrangeira, opinou Nancy, o centro do
debate está no conceito do que é a ofensa à ordem pública nacional,
hipótese em que a sentença pode ser negada. Embora a ministra tenha
dito que isso depende da interpretação de cada um, ela deu seu parecer:
“Pode ser representado por um conjunto de princípios incorporados na
ordem jurídica interna que, por serem essenciais à sobrevivência do
Estado, não podem ser contrastados pelo direito estrangeiro”, resumiu.
Esse
conceito é fluido, pois varia no tempo e no espaço entre mudanças
culturais e valorativas da sociedade de cada época, mas é estável, é
limitador da vontade no direito interno e impede a aplicação de leis
estrangeiras, explicou.
O magistrado Patrick Matet, magistrado da
Corte de Cassação Francesa, explicou que, em seu país, o juiz também tem
o controle da sentença e é encarregado de averiguá-la sob ponto de
vista do respeito à ordem pública. Os textos franceses, porém, são muito
mais precisos em definir quando se configura essa ofensa do que a
Convenção de Nova York, também conhecida como a Convenção da ONU sobre o
Reconhecimento e Execução das Decisões Arbitrais Estrangeiras que, no
Brasil, foi transformado no Decreto Legislativo 4.311 de 2002, que
regulamentou a adesão do país à convenção.
A concepção
jurisprudencial de ordem pública internacional está ligada à existência
de uma ordem jurídica autônoma a partir de decretos e tratados que
evidenciem situações específicas, disse. Para encerrar, ele destacou a
importância da realização de seminários sobre o tema, pois o
desenvolvimento de uma arbitragem eficaz demanda novas experiências
sobre o direito comparado.
Direitos Humanos
O professor da Universidade de São Paulo e reconhecido especialista na
área Luiz Olavo Baptista também ressaltou a importância da segurança e
da previsibilidade na arbitragem internacional. Para garantir que esses
dois pontos se fortaleçam em vários países simultaneamente, apontou, é
necessários ter métodos que incitem a coerência do pensamento. “Não é
uniformidade. É coerência, pois coerência depende da mudança que ocorre
na ordem social. Até porque aquilo que era inaceitável quando eu nasci
hoje é visto como desejável. Essa mudança que ocorre deve se refletir na
coerência que as decisões devem ter”, pontuou.
Em todos os casos,
ressaltou, deve ser observado o direito das pessoas. A exigência de
citação e o respeito ao devido processo legal, por exemplo, estão
previstos tanto na lei brasileira quanto na convenção internacional que
rege o tema. No caso da ordem pública internacional, disse, não se trata
de uma afirmação da cultura jurídica nacional, mas de uma comunhão da
humanidade sobre a necessidade de observar certas coisas inerentes aos
seres humanos.
Tudo que ofender essa premissa está afastado,
disse: “A arbitragem internacional com países que admitem a escravatura
não será reconhecida, uma vez que o objeto fere questão inaceitável,
pois exigimos como requisito a liberdade”, explicou.
Jean-Noël
Acquaviva, que também é magistrado da Corte de Cassação Francesa,
explicou que, naquele país, a homologação de sentença estrangeira passa
por um controle que observa a proteção do direito de defesa, a igualdade
de tratamento e o princípio da lealdade. A neutralidade do juízo é
fundamental, sob o risco de comprometer o equilíbrio das partes na
causa, alertou. “A fraude ou a dissimulação frente aos árbitros,
obviamente, também são proibidas”, ressaltou.
A impossibilidade de
uma das partes acessar o tribunal arbitral, mesmo que por motivos
financeiros devido às despesas do processo, configura omissão da
Justiça, comentou. Ele também indicou soluções para a arbitragem
internacional: “Unificando regras comuns a todos com a manutenção de
padrões próprios de cada Estado. É um dos interesses desse seminário
pensar a partir do direito comparado modalidades que possam nos
aproximar”.
O ministro João Otávio de Noronha citou precedentes em que o STJ
rejeitou a homologação de sentença arbitral estrangeira. Em um deles,
por exemplo, constatou-se que o presidente do tribunal arbitral já havia
advogado para uma das partes. Além disso, seu escritório, embora ele
não tenha prestado o serviço, havia feito pareceres à outra parte. “Não
podemos reconhecer neutralidade nesse árbitro”, disse.
Ele conta
que a Justiça dos Estados Unidos refutou que o envolvimento do juiz
afetaria a imparcialidade. “Pode ser lá, mas quando vou aferir isso o
faço com base na ordem jurídica nacional, e aqui verificamos que o caso
se enquadra exatamente nos casos de suspeição e impedimento regulados
pela nossa legislação”, afirmou.
Em outro caso, o juiz arbitral
havia decretado a falência de uma das partes, o que, para ele, ofendeu a
ordem pública nacional. “Processo de falência, como se trata de
execução, é reservada à atividade jurisdicional. Não pode particular
invadir esfera patrimonial do devedor. É atividade privativa do Estado”.
Questão importante Esclarecendo a
temática da polêmica de que o Advogado não pode atuar como conciliador e
mediador com a fundamentação de se configurar captação de clientela e concorrência desleal. A conciliação e mediação judicial é um grande avanço para o mundo atual,
resultando em uma reeducação na solução dos conflitos da sociedade, evitando a
morosidade e desgaste de um processo buscando resgatar relações entre as
partes. Desta forma o Conciliador e Mediador desenvolve um papel importante
nesse processo, podendo ser qualquer pessoa habilitada e que preencha os
requisitos do artigo 2º e respectivos incisos do Provimento CSM 2.287/2015,
inclusive o advogado.
Não basta apenas seguir as exigências do
enunciado 125 do CNJ, o profissional advogado tem que estar atento aos
Enunciados do FONAMEC (fórum nacional da mediação e conciliação), e ao código
de ética dos advogados, especificamente no tocante a captação de clientela e a
concorrência desleal por partes dos profissionais da área.
Esclarecendo sobre a atuação dos Advogados nos
CEJUSCs (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania), estes não
possuem incompatibilidade que os impeçam de atuarem como conciliador ou
mediador. Contudo o profissional estará impedido de advogar para as partes que
atendeu como conciliador e mediador e nas varas nas quais tenha atuado na mesma
condição.
Outrossim, é
cediço o entendimento do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados
do brasil em sua 1ª Turma de Ética Profissional do TED,
respondendo a uma consulta, explicou que com esses impedimentos “previne-se a
prática da captação de causas e clientes e a concorrência desleal”, vejamos na
íntegra:
"ADVOGADOS
CONCILIADORES E MEDIADORES NOS CENTROS JUDICIÁRIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E
CIDADANIA – INCOMPATIBILIDADE E IMPEDIMENTO – INEXISTÊNCIA DA PRIMEIRA E
EXISTÊNCIA DA SEGUNDA – IMPEDIMENTO PARA ATUAR COMO ADVOGADO PARA AS PARTES QUE
ATENDEU COMO MEDIADOR E CONCILIADOR E NA VARA COM A QUAL COLABOROU NAQUELA
CONDIÇÃO, SOB PENA DE CONFIGURAR CAPTAÇÃO DE CLIENTELA E CONCORRÊNCIA DESLEAL –
NECESSIDADE DE SUJEIÇÃO À CLÁUSULA DE CONFIDENCIALIDADE – INEXISTÊNCIA, EM
TESE, DE VIOLAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA E NOBREZA DA PROFISSÃO. Não se tratando de cargo ou função
pública, mas de múnus especial, em colaboração com a tarefa de distribuição da
justiça, não cria incompatibilidade, para seus colaboradores, com o exercício
da advocacia, nos termos do que preceituam os artigos 28 e 30 do EOAB,
c. C artigo 8º e §§ do Regulamento Geral. Existem Atividade que
comunga os limites éticos que correspondem a impedimentos e sujeições. Motivos
de impedimento e suspeição atribuídos aos juízes e serventuários da justiça
(arts 134 e ss do CPC).
Compromisso de imparcialidade, neutralidade e isenção, independência,
competência e diligência e, acima de tudo, o compromisso de confidencialidade.
Impedimento de atuar ou envolver-se com as partes e questões conhecidas em
decorrência de sua atuação no setor como, também, perante a Vara onde funcionou
como conciliador. Previne-se, com isto, a prática da captação de causas e
clientes e a concorrência desleal conforme precedentes deste Tribunal:
E-1.696/98, E-2.172/00, E-2.383/01, E-3.049/04, E-3.056/04, E-3.074/04,
E-3153/05 e E-3.276/06. Proc. E-4.155/2012 - v. U., em 20/09/2012, do parecer e
ementa da Rel. Dra. MARY GRUN - Rev. Dr. ZANON DE PAULA BARROS - Presidente Dr.
CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA.(...)” Proc. E-4.525/2015 - v. U., em
18/06/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. PEDRO PAULO WENDEL GASPARINI - Rev.
Dra. CÉLIA MARIA NICOLAU RODRIGUES - Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA
SILVA."
Além disso, de
acordo com o Enunciado nº 47 do FONAMEC de 22 de
outubro de 2015, Desembargador José Roberto Neves Amorim, Presidente
do FONAMEC, os Advogados que atuarem como conciliadores e mediadores nos
CEJUSCs não estarão impedidos de exercerem a advocacia nos juízos em que
desempenhem suas funções, isso ocorre pelo fato de os CEJUSCs estarem
vinculados ao seu Juiz Coordenador dos CEJUSCs, portanto são Setores diversos
dos outros Juízos. Desta forma a vinculação do Advogado/Conciliador e Mediador
norteia-se apenas aos CEJUSCs, não havendo qualquer vinculação do conciliador
ou mediador operante nos CEJUSCs ao juízo do processo (Varas Cíveis, Criminais,
Juizados Especiais etc...), vejamos o enunciado na íntegra:
"ENUNCIADO
nº 47 – A
atividade jurisdicional stricto sensu volta-se à solução dos litígios dentro do
processo, pela manifestação da vontade estatal, apreciando o mérito da ação. Os
CEJUSCs são órgãos de natureza diversa, tendo por função precípua fomentar e
homologar os acordos a que as partes chegaram, atividade puramente formal sem
caráter de jurisdição stricto sensu. Nos termos do artigo 7º, inciso IV, da
Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, a atividade da conciliação e da
mediação é concentrada nos CEJUSCs. Por isso, estando o conciliador ou o
mediador subordinado ao Juiz Coordenador dos CEJUSCs, não há qualquer
vinculação do conciliador ou mediador operante nos CEJUSCs ao juízo do processo,
razão porque não se aplica aos advogados atuantes nas comarcas em que há
CEJUSCS instalados o impedimento do artigo 167, § 5º, do Código
de Processo Civil (Lei 13.105,
de 16 de março de 2015)."
Ainda, reforça a
fundamentação da não captação de clientela, uma vez que o Advogado conciliador
e mediador assina um termo de confidencialidade perante os CEJUSCs,
submetendo-se ao cumprimento do dever profissional de agir como Conciliador e
Mediador apenas.
Aos advogados de
atuam como Conciliadores e Mediadores nas Varas Judiciais (cível, Juizados),
ficam impedidos de terem processos nas mesmas varas da comarca respectiva,
porém admite-se interpretações diversas, vai depender do entendimento do juiz
da comarca.
Desta maneira,
conclui-se que ao Advogado conciliador e mediador se aplica um impedimento parcial,
não ferindo, portanto, seu código de ética, Estatuto e principalmente o Novo
Código de Processo Civil em seu artigo 167, parágrafo quinto, não havendo o que se
falar em representação contra o advogado perante a OAB.
Ponto de vista A corrupção faz parte da
natureza humana, manifestando-se das mais variadas formas desde os
primórdios da humanidade e em diversos tipos de relações. Com base nessa
premissa e diante do atual contexto político-jurídico do país, o
presente artigo pretende abordar a problemática dos acordos de leniência
tal como vem sendo celebrados atualmente. É dizer: não apenas o
Ministério Público vem usurpando a competência outorgada por lei no
âmbito do Poder Executivo Federal à Controladoria Geral da União (artigo
16, § 10, da Lei 12.843/2013), como também acordos por ele celebrados
ficam sujeitos a invalidação. Tal atuação descoordenada por parte do
Poder Público causa extrema insegurança jurídica, especialmente, para as
empresas que com ele celebram tal acordo, podendo por em risco um
instrumento de importância fundamental no combate à corrupção. A
matéria carece de uma regulamentação que possibilite uma atuação
integrada e coordenada de todos os órgãos que atuam nessa seara. Os
desafios no âmbito governamental, portanto, são inegáveis. Tais acordos
vem sendo celebrados com órgãos públicos e empresas envolvidas em
escândalos de corrupção, com a possibilidade de se por em risco a
confiança e a credibilidade do instituto caso sejam invalidados. Assim,
uma solução consensual para as controvérsias geradas em seu âmbito se
faz fundamental diante dos possíveis efeitos deletérios, inclusive,
perante à sociedade. É com o intuito de se buscar uma atuação coordenada
entre os órgãos envolvidos em celebrações de tais acordos, bem como
visando a concretização dos primados da eficiência administrativa, da
segurança jurídica e da expectativa legítima, que se escreve este
artigo. Ele é fruto de um Parecer jurídico emitido em processo que
envolve a operação "lava jato" e cujo julgamento recente pelo Tribunal
Regional Federal da 4ª Região reconheceu a competência da CGU para
celebrar acordos de leniência. No caso concreto o MPF celebrou acordo de
leniência com valor próximo à metade do valor da ação de improbidade
ajuizada pela Advocacia Geral da União. Muitos foram os órgãos
incumbidos pelo Constituinte na missão de fiscalizar a res publica, em
especial o Tribunal de Contas da União. À Advocacia Pública, por seu
turno, juntamente com o Ministério Público, cumpre o papel de função
essencial à justiça (artigos 127 e 131, da CRFB). Todos estes órgãos
tiveram as suas atribuições delimitadas e vem cumprindo esse mister de
fiscalização da coisa pública e das suas missões constitucionais. O que
menos se precisa nessa toada da história do país é que se inicie uma
guerra institucional. O momento é de conjugar esforços pois os ganhos
sociais são imensuráveis. A mudança cultural pela qual passa a sociedade
brasileira é um ativo o qual não se pode admitir retrocesso. O que se
propõe é uma análise pragmática a fim de que os órgãos incumbidos dessa
nobre missão de combate à corrupção passem a agir de forma integrada,
coordenada e em regime de cooperação. Na prática, com o advento da
lei de improbidade em 1992, o Ministério Público acabou assumindo
protagonismo nessas ações. São poucos os casos em que a própria pessoa
jurídica interessada toma essa iniciativa, tendo sido esse papel ocupado
majoritariamente pelo Parquet. No âmbito da AGU, somente em 2009, 17
anos após a publicação da lei 8.429/1992, foi constituído o Grupo
Permanente de Atuação Proativa da AGU (Portaria PGU nº 15/2008) com a
missão de buscar a recuperação judicial de valores desviados dos cofres
públicos federais, a partir de constatações realizadas pelos órgãos de
controle da União, dentre eles a CGU, o TCU e a Polícia Federal. Com
efeito, a Advocacia Pública vem buscando exercer efetivamente o seu
papel de função essencial à justiça, bem como de Advocacia de Estado, na
defesa da juridicidade dos atos praticados por agentes públicos. Além
disso, outros instrumentos normativos surgiram após o advento da lei de
improbidade, com o mesmo fim de recuperação do patrimônio público,
dentre eles, a delação premiada e o acordo de leniência. O
instituto da delação premiada ganhou notoriedade com a operação "lava
jato", iniciada pela Polícia Federal. A mencionada operação, como se
sabe, começou com a investigação de um grupo de doleiros envolvidos em
desvio de dinheiro no âmbito da Petrobras. Trata-se de um acordo firmado
com o Ministério Público ou Polícia Federal no qual o suspeito de
cometer crimes se compromete a colaborar com as investigações e
denunciar outros integrantes da organização criminosa em troca de
benefícios. No Brasil, o instituto existe desde a década de 90, e vem
passando por uma série de aprimoramentos acompanhado do amadurecimento
institucional do MP e da Polícia Federal. Trata-se de instituto de
extrema importância para a descoberta de infrações penais, em especial o
crime de corrupção, que pode envolver estruturas extremamente
sofisticadas de organização criminosa, estruturas dessas muitas vezes em
funcionamento dentro da própria Administração Pública. Em
paralelo a este importante instrumento, surgiu o Acordo de Leniência na
esfera administrativa. Tal instrumento está previsto nas denominadas Lei
do Cade (artigo 86), Lei Anticorrupção (artigo 16 a 21) e,
recentemente, também no âmbito do Banco Central (artigo 30, da MP
784/2017). É evidente o interesse da Administração Pública em celebrar
estes acordos não somente para obter informações a respeito de eventuais
ilícitos praticados por outras empresas envolvidas, mas também o
reconhecimento da prática do ilícito pela pessoa jurídica além do
ressarcimento dos prejuízos aos cofres públicos. A maior
dificuldade que se enfrenta está no fato de que muitos dos atos
tipificados na Lei Anticorrupção podem também configurar atos de
improbidade administrativa, crimes e até mesmo irregularidades
verificadas pelos tribunais de contas. O pior que pode acontecer nesses
casos é a sobreposição de atuação dos órgãos envolvidos. O momento é de
conjugação de esforços para se elucidar ilícitos já cometidos além de
coibir infrações futuras, criando-se uma cultura de desincentivo à
prática de tais atos, bem como de incentivo à colaboração com o Poder
Público para o seu desmantelamento. Por expressa previsão legal,
no âmbito do Poder Executivo Federal, a competência para a celebração de
acordos de leniência é da CGU. Assim, ainda que louvável a celebração
de acordos pelo Ministério Público, trata-se de usurpação de
competência. O Parquet pode celebrar acordos de natureza penal com
fundamento na delação premiada. Já os acordos de leniência na esfera
administrativa cabem ao Poder Executivo. Contudo, não se está aqui a
querer de forma alguma invalidar os acordos celebrados pelo Parquet que
adentraram nessa competência. Repise-se, o momento é de conjugação de
esforços no combate à corrupção. Aliado a esta questão legal,
tem-se que o acordo de leniência tem natureza jurídica de ato
convencional por meio do qual "Administração e administrado estipulam a
mitigação ou a supressão de um plexo de penalidades passíveis de
imposição à pessoa jurídica pelo cometimento doloso de atos ilícitos
(...)", conforme Maurício Zockum. Ora. Sendo ato convencional, em muito
se assemelha ao TAC, previsto na Lei 7.347/1985. Se prevalecer o
entendimento do TCU de legitimidade para fiscalização prévia de acordos
de leniência (IN 74/2015), o mesmo tipo de raciocínio teria de ser
aplicado aos TACs eventualmente celebrados pelo MP. E mais. Em se
tratando de espécie de contrato, a sua sustação somente poderia ser
feita diretamente pelo Congresso Nacional, e não pelo TCU (artigo 70, §
1º, da CRFB). A atuação prévia do TCU, portanto, pode até mesmo ser
considerada inconstitucional. Não há dúvidas de que o sistema de
freios e contrapesos seja uma grande conquista do constitucionalismo
moderno, visando que os Poderes constituídos não exorbitem de suas
atribuições. É salutar e fundamental para o Estado Democrático de
Direito. Todavia, da mesma forma, o constituinte previu a independência e
harmonia entre os poderes, de forma que é chegado o momento de se
sopesar esses princípios, conjugados com as competências conferidas a
cada órgão. Da mesma forma que os criminosos se reúnem em quadrilhas
para fortalecer a sua atuação, os órgãos responsáveis pelo combate à
corrupção e recuperação dos prejuízos por ela causados devem se reunir
em uma ação coordenada visando o atingimento de objetivos comuns,
deixando de lado vaidades institucionais. A lei anticorrupção é
clara ao fixar a competência para firmar acordos de leniência como sendo
da CGU. Por outro lado, o ideal seria operacionalizar estas tratativas
em regime de cooperação. O objetivo principal é se evitar decisões
sobrepostas de diversos órgãos. Esse tipo de postura pode desmotivar as
empresas a colaborarem e, consequentemente, dificultar o desmantelamento
das organizações criminosas. Diante disso, o que se sugere como
meio de aperfeiçoamento do uso dos acordos de leniência é que sejam
tomadas medidas no sentido de se implementar a mediação durante as
tratativas do acordo, com a participação de representantes da CGU, AGU,
MPF e TCU, medida a qual pode ser viabilizada mediante Decreto
(artigo 84, VI, "a" e pu, da CRFB). O que se propõe possui fundamento
legal. A 13.140/2015 possui disposições expressas sobre Mediação na
Administração Pública. E, sendo a competência dos Acordos de
Leniência conferida por lei à CGU, não há vedação legal para
regulamentação de um modelo de Acordo Global de Leniência com os demais
órgãos interessados (Arts. 10 e 16, §§6º da Lei 12.846/2013; Arts. 2º,
21, 30 §1º, 32§ 3º e 40, da Lei 13.140/2015 c/c Arts. 20 e 86, §9º da
Lei 12.529/2015). Em entrevista concedida recentemente, Francisco
Ortigão, especialista em compliance e anticorrupção, também segue a linha da proposta aqui sugerida:
“(...)
As empresas acusadas de corrupção, como as envolvidas na operação "lava
jato", terão de enfrentar um longo caminho para regularizar sua
situação perante o Executivo e evitar cobranças futuras. Da forma como
hoje os acordos de leniência são regulamentados no país, as companhias
que buscam segurança são obrigadas a negociar, separadamente, com quatro
órgãos: Ministério Público, Ministério da Transparência, Tribunal de
Contas e Advocacia-Geral da União. Não existe, no Brasil, previsão de
acordo global de leniência, como nos Estados Unidos, onde os órgãos
interessados trabalham em conjunto para encerrar a questão. “Há um vácuo
legislativo no Brasil e esse é o pior dos mundos para as empresas”,
afirma o professor e coordenador do mestrado profissional da
FGV-Direito, Mario Engler. Segundo ele, falta uma regulamentação no país
que permita a esses órgãos trabalhar em conjunto. (...) evitaria
divergências posteriores entre os órgãos – que possuem visões distintas
sobre o tema – e mesmo o risco de anulação de acordos. (...) O professor
acrescenta que sem um consenso, essas questões vão acabar sendo
judicializadas. (...) Com a lacuna hoje existente na lei brasileira, o
professor Francisco Ortigão acredita que o melhor caminho seria criar
acordos administrativos entre o MP, TCU e Executivo para que os
processos de leniência abrangessem obrigatoriamente esses órgãos.
Enquanto isso não existir, Ortigão afirma que o prejuízo é de todos,
pois os acordos deixam de ser efetivos.”
No mesmo sentido Maurício Zockun:
Com
efeito, o acordo de leniência é um dos meios concebidos pela ordem
jurídica para tutela do interesse público, permitindo não só a
identificação do ilícito ou do seu agente, mas a recondução das práticas
da entidade faltosa aos trilhos da legitimidade, sem prejuízo da
recomposição do dano causado. Desse modo, não apenas se evita a
perpetuação de situação de ilicitude como, adicionalmente, premia-se a
solução pacífica de um conflito, sem prejuízo da integral preservação do
patrimônio público. (...) Alguma celeuma poderá surgir quando as
autoridades envolvidas estiverem em desacordo quando à intensidade da
mitigação da penalidade pecuniária imponível à entidade leniente. Uma
vez mais, espera-se que os agentes públicos reconheçam neste instrumento
negocial um especial modo de pacificar (e não estimular) conflitos
sociais (...)
Não se desconhece do relevante papel protagonizado
pelo MPF na celebração de acordos com vistas a desmantelar organizações
criminosas. Todavia, não sendo estes acordos de natureza penal, não pode
o Parquet efetuar acordos de natureza administrativa no âmbito do Poder
Executivo, cuja competência é da CGU, conforme recente Acórdão do TRF
4ª Região na Ação de Improbidade 5025956-71.2016.4.04.7000. Por
mais louvável que seja a iniciativa do Ministério Público, trata-se de
usurpação de competência. Assim, o que se propõe é que o Poder Público
envide esforços no sentido de implementar uma atuação coordenada entre
CGU, AGU, MPF e TCU, por meio da regulamentação do instituto da mediação
nos Acordos de Leniência, a fim de se dirimir eventuais divergências
que surjam entre os envolvidos nas negociações. Registre-se que
não há prejuízo na suspensão de enventuais processos para que se
efetivem as tratativas pois os prazos prescricionais ficam suspensos
(artigo 16, § 9º, da Lei 12.846/2013 combinado com artigo 14, parágrafo
único, da Lei 13.140/2015). Salienta-se, ainda, que recentemente esta
articulista participou da Comissão de Mediação do Fórum Permanente de
Processualistas Civis (FPPC), realizado em Florianópolis neste ano, no
qual foi aprovado o “Enunciado 617: (artigo 3º, §2º; artigo 36, §4º, da
Lei 13.140/2015; artigo 17, § 1º, da Lei 8.429/1992) A mediação e a
conciliação são compatíveis com o processo judicial de improbidade
administrativa”. Na ocasião, não incluímos o Acordo de Leniência por não
se tratar de matéria atinente ao processo civil. Por derradeiro,
havendo processos em curso, eventuais valores a maior ou a menor poderão
ser compensados ou complementados. Não há risco de prescritibilidade
pois o STF, recentemente, fixou a tese da imprescritibilidade do
ressarcimento ao erário por danos decorrentes de ilícitos penais ou de
atos de improbidade administrativa (RE 669.069). Com esta breve
exposição, espera-se ter contribuído para a reflexão sobre a
problemática dos acordos de leniência tal qual vem sendo entabulados
atualmente, sendo um dos grandes desafios para o Estado Brasileiro
atualmente. Acredita-se firmemente que uma atuação coordenada e
cooperada entre CGU, AGU, MPF e TCU seja capaz de aperfeiçoar o uso de
instrumento tão relevante, sendo juridicamente possível que isso seja
implementado por meio de outro novel instituto, a Mediação
Extrajudicial. BIBLIOGRAFIA: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/Mauricio-Zockun/vinculacao-e-discricionariedade-no-acordode- leniencia - Acesso em 20/04/2017 http://www.franciscoortigao.adv.br/2017/03/16/vacuo-legal-poe-em-risco-acordos-de-leniencia/ -Acesso em 16/03/2017 Ação de Improbidade Administrativa nº 5025956-71.2016.4.04.7000/TRF4
Segundo o relatório elaborado no ano de 2015, disponibilizado pelo programa “Justiça em Números” (CNJ), os altos índices de carga contenciosa no Brasil apontaram um aumento desproporcional no número de ações judiciais, reforçando-se a percepção de crise de litigiosidade e morosidade da Justiça1.
Esse cenário revelou que a sociedade contemporânea esteve por muito tempo pautada nos ideias de competitividade e individualismo, que desencadearam, por consequência, um processo de antagonismo social, percebido pelo aumento do número de demandas em estoque2. O clima de excessiva judicialização trouxe à tona, então, a necessidade de mudança no comportamento de todos os envolvidos no sistema de justiça, na direção de se valorizar práticas cooperativas e empáticas que tornem os usuários menos dependentes da cultura da sentença.
Após o incentivo dos meios consensuais pela Política Pública estabelecida na Resolução nº 125/2010do CNJ, como forma de se promover a cultura do consenso,foi dada forma jurídica à Mediação de Conflitos, com a inserção do instituto na Lei nº 13.140/2015.
O marco legal optou por trazer um conceito de mediação, estabelecendo que se trata de uma técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório que escolhido ou aceito pelas partes as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. Contudo, tal definição é objeto de crítica por parte da doutrina, sob a alegação de que confunde a mediação com a conciliação, já que apenas nesta última é possível que o facilitador (conciliador) faça sugestões às partes3.
Para que o procedimento da mediação seja levado a sério, algumas diretrizes comportamentais precisam ser consideradas. Por essa razão, a técnica se orienta por princípios, que devem ser observados por todos os sujeitos (participantes, mediadores, representantes legais, etc.). Dentre eles, destacam-se a imparcialidade do mediador e a proteção da confidencialidade das informações divulgadas durante as sessões (que só pode ser mitigada em hipóteses excepcionais).
A Lei também traz a possibilidade de que o conflito possa ser tratado de forma total ou parcial por meio da mediação. Nesse sentido, nada impede que parte do conflito seja tratado pela via judicial e outra pela via consensual. Trata-se de uma escolha que deve ser feita pelas partes.
No que diz respeito aos conflitos que versem sobre direitos indisponíveis que admitam a transação, o marco legal estabeleceu a necessidade de que seja o eventual acordo homologado pelo juiz, com a oitiva do membro do Ministério Público, para que possa produzir efeitos. Tal disposição também é alvo de críticas, por estabelecer a necessidade de se recorrer ao Judiciário, ainda que a parte tenha optado pela mediação extrajudicial.
O profissional facilitador da mediação é denominado mediador,que atua como verdadeiro construtor de pontes, já que ajuda as partes a atravessarem o rio da vida. Seu ofício se destaca por criar as condições necessárias para que os processos de comunicação transcorram de forma eficaz entre os envolvidos. Para isso, ele se vale de suas habilidades sociais e das ferramentas para gerar mudanças nas posturas dos participantes.
Pode atuar como mediador judicial qualquer pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha formação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM ou pelos Tribunais.
Pode funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz, que tenha a confiança das partes e que se considere capacitada para fazer mediação. Além desses requisitos, importante destacar a necessidade de que o mediador seja empático, ou seja, que seja treinado para lidar com posturas resistentes e competitivas,familiares de quem só conhece a forma contenciosa para lidar com as controvérsias. Em se tratando de algo novo para os usuários do sistema de justiça, as habilidades e capacidades do Mediador poderão fazer a diferença na percepção da credibilidade da mediação. Daí a importância da capacitação e treinamento permanente desses profissionais.
A mediação privilegia o cuidado afetivo do conflito, pois considera, além das questões jurídicas, os sentimentos e reais interesses das partes. Nesse sentido, a crise de litigiosidade pode ser vista como uma oportunidade de redução da dependência cultural da sentença. Nesse caminho, o método é uma das formas não adversariais que merecem ser incentivadas, junto com outras práticas cooperativas e empáticas que promovam uma melhor convivência com as diferenças.
_________
1 GOULART; Juliana Ribeiro; GONÇALVES, Jéssica. Breves considerações obre a Lei de Mediação. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/breves-consideracoes-sobre-a-lei/ Acesso em 20 mar.2017.
2 SPENGLER. Fabiana Marion; NETO, Theobaldo Spengler (Org.) Mediação, Conciliação e arbitragem. Artigo por artigo de acordo com a Lei n 13.140/2015, Lei n. 9.307/1996, Lei n. 13.105/2015 e com a Resolução n. 125/2010 do CNJ (Emendas I e II). Rio de Janeiro: FGV
Editora, 2016, p. 19.
3 CALMON. Petronio. In: SPENGLER. Fabiana Marion; NETO, Theobaldo Spengler (Org.) Mediação, Conciliação e arbitragem. Artigo por artigo de acordo com a Lei n. 13.140/2015, Lei n. 9.307/1996, Lei n. 13.105/2015 e com a Resolução n. 125/2010 do CNJ (Emendas I e II).
Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016, p. 14.
Referências
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2015: ano-base 2014. Brasília: CNJ, 2013. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros. Acesso 27 dez.2015.
GOULART; Juliana Ribeiro; GONÇALVES, Jéssica. Breves considerações obre a Lei de Mediação. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/breves-consideracoes-sobre-a-lei/ Acesso
em 20 mar. 2017.
SPENGLER. Fabiana Marion; NETO, Theobaldo Spengler (Org.) Mediação, Conciliação e arbitragem. Artigo por artigo de acordo com a Lei n. 13.140/2015, Lei n. 9.307/1996, Lei n. 13.105/2015 e com a Resolução n. 125/2010 do CNJ (Emendas I e II). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016.
Fonte: Revista Resultado nº 56
Por Juliana Goulart, Advogada. Especialista em Direito Processual pelo CESUSC. Mestranda pela UFSC. Frequenta curso de Mediação Empresarial pela CBMAE. Coordenadora do grupo de pesquisa “Mediação como Política Pública” da UFSC.
Atualmente está pacificado o
entendimento de que há jurisdição perante a arbitragem, sendo que as
sentenças proferidas pelo árbitro ou árbitros têm a mesma força e geram
os mesmos efeitos que as sentenças proferidas pelos juízes perante o
Poder Judiciário.
Carlos Alberto Carmona, um dos maiores estudiosos da arbitragem, afirma que “a
discussão sobre arbitragem e jurisdição não é meramente acadêmica. A
jurisdicionalização da arbitragem é uma realidade, que o legislador
brasileiro já reconheceu. Resta saber se haverá coragem suficiente para
libertar o instituto das teias a que se encontra preso para torná-lo
novamente útil e viável a nível interno”.
2. ARBITRAGEM NA TEORIA GERALDO PROCESSO
Sendo, atualmente, pacífico o
entendimento que há jurisdição perante a arbitragem, as atividades
exercidas ocorrerão dentro de um processo, o processo arbitral e,
portanto, enquadrado dentro da teoria geral do processo.
Tratando da teoria geral do processo, não há como olvidar as lições de Cândido Rangel Dinamarco[1], que com muita clareza expõe a respeito do tema, nos seguintes termos, existindo
na arbitragem um processo e nesse processo exercendo-se jurisdição,
ação e defesa, é natural que seu estudo sistemático passe pela teoria
geral do processo e por esses seus institutos fundamentais, antes de
chegar ao enfoque especializado da arbitragem em si mesma …A própria Lei
de Arbitragem, ao proclamar que “serão sempre respeitados no
procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das
partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento” (art.
21, § 2º), está a explicitar a consciência que teve o legislador de que
o processo arbitral, sendo um processo, sujeita-se aos ditames do
direito processual constitucional, no qual reside o comando supremo do
exercício da jurisdição e da realização de todo processo, jurisdicional
ou não … Ainda quando se trate de litígio de natureza trabalhista admissível no juízo arbitral, ainda nesse caso o processo perante os árbitros tem o nítido perfil de um processo civil(g.n.).
3. A REFORMA TRABALHISTA
A Reforma Trabalhista aprovada em julho
deste ano, veio para trazer a modernização das regras de direito
material e processual, adequando-as à realidade atual, e mais que isso, à
realidade já vivenciada em muitos tribunais do país.
Podemos considerar que a alteração da
legislação trabalhista e do processo do trabalho faz parte da nova era
do processo, para agregá-lo ao contexto das instituições sociais e
políticas da nação, reconhecida sua missão relativa ao bem-comum. Daí
falar-se nos escopos sociais do processo, em seus escopos políticos e só
num segundo plano em seu escopo jurídico de dar atuação à lei material.
Afinal, processo e direito material compõem a estrutura jurídica das
nações e acima da missão de um perante o outro paira a grande
responsabilidade de ambos perante os membros da comunidade.
Com essa consciência é que foi inserido o
art. 507-A na CLT, pela Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 (reforma
trabalhista), a possibilidade de adoção do procedimento arbitral para
solucionar os conflitos individuais trabalhistas.
Em que pese a Constituição Federal, em
seu art. 114 prever a possibilidade de utilização da arbitragem para a
solução de conflitos em dissídios coletivos, restava omissa quanto à
utilização na esfera dos conflitos individuais trabalhistas, fato que
causava insegurança jurídica aos que optavam por utilizá-la como meio
alternativo.
Além disso, a aplicação da Arbitragem na
esfera dos direitos individuais esbarrava justamente na disponibilidade
desses direitos eis que para um conflito ser submetido à arbitragem é
necessário além da capacidade para contratar das partes, a existência de
direitos patrimoniais disponíveis, que possam ser negociados, o que
acabava por invalidar a sentença arbitral quando era submetida ao
Judiciário.
Com efeito, esse impasse foi solucionado
pela doutrina e jurisprudência nos últimos anos. Concluiu-se que os
direitos trabalhistas são irrenunciáveis durante todo o pacto laboral,
porém disponíveis após o término do contrato de trabalho, fato que torna
a utilização da arbitragem plenamente possível.
Outrossim, não há como negar tratar-se
de direito que autoriza a composição e portanto podendo ser objeto de
negócio jurídico processual, inclusive com a eleição da arbitragem como
meio de solução de eventual conflito de interesses[2],
pelo simples fato das conciliações serem estimuladas perante a Justiça
do Trabalho, tendo inclusive semanas reservadas para a realização dessas
transações.
Com efeito, a possibilidade de inserção
nos contratos individuais de trabalho, com a concordância do empregado,
da cláusula compromissória de arbitragem para os empregados que
receberem remuneração superior a duas vezes o limite máximo dos
benefícios do Regime Geral da Previdência Social (aproximadamente R$
11.000,00), representa uma clara tentativa de migração da jurisdição
estadual para a jurisdição arbitral, tendo em vista a sedimentação do
entendimento de equiparação de ambas para todos os fins de Direito.
O procedimento será definido em comum
acordo pelas partes e será julgado por um número ímpar de árbitros,
podendo inclusive ser apreciado por árbitro único escolhido em comum
acordo pelas partes envolvidas (empregador e empregado). Em atenção ao
princípio processual da celeridade, somado ao alto knowhow do
assunto em conflito por parte do arbitro, temos que da decisão proferida
em arbitragem não caberá recurso e portanto ela poderá ser
imediatamente executada na Justiça Comum, o que nada mais é do que uma
integração jurisdicional em busca do bem comum e da pacificação das
relações sociais.
4. CONCLUSÃO
A realidade é que nos encontramos em um
momento histórico onde é privilegiada a paz social e priorizado e
valorizado mundialmente os meios alternativos de solução de conflitos,
sendo que apenas uma mínima/residual parte ficará restrita à apreciação
do Poder Judiciário, não sendo mais possível pensar-se em um Estado que
deve prover tudo a todos e, nessa nova perspectiva é que a arbitragem
foi inserida como meio de solução de conflito de interesse na esfera
individual trabalhista.
A Reforma trabalhista inseriu no seu
âmbito uma nova era, rempendo dogmas, temores e preconceitos, numa
releitura de princípios tradicionais e tentativa de afeiçoar sua
interpretação às exigências do tempo.
Essas inovações constituem resposta aos
estímulos da própria sociedade. Não são o fruto arbitrário da imaginação
dos reformadores, mas reflexo de estudos e do anseio da própria
sociedade.
Notas e Referências:
[1] A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, Editora Malheiros, junho/2013, PP. 15-17.
[2] Como
todo e qualquer negócio jurídico processual, a eleição da arbitragem
como forma de solução do conflito de interesse, ficará sujeito a
apreciação do juiz que poderá anular referida cláusula se violar questão
de ordem pública, for abusiva ou for verificada a vulnerabilidade de
uma parte em relação a outra.
Por Márcia Conceição Alves Dinamarco
é Doutora em Direito Econômico das Relações Sociais e Mestre em Direito
Processual Civil, ambos os títulos pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, Assistente-mestre na PUC-SP, Professora convidada
para ministrar aulas em diversas faculdades e cursos, autora de livros e
artigos jurídicos, advogada militante e diretora do IASP e
Ana Carolina Calvo Tiberio é advogada formada pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, administradora de empresas pelo
Insper, especializada em Direito do Trabalho pela Fundação Getúlio
Vargas.
A morosidade dos processos e a
burocratização na sua gestão, a falta de informação e orientação aos
jurisdicionados, as deficiências do patrocínio gratuito, aliados ao
elevado grau de litigiosidade, próprio da sociedade contemporânea, tem
levado uma excessiva sobrecarga de juízes e tribunais. Consequência
deste cenário é a obstrução das vias de acesso à justiça, acarretando o
descrédito da sociedade no Poder Judiciário. Assim, a crise da justiça
é, em grande parte, responsável pelo renascimento das vias conciliativas[1].
O movimento pelo acesso à tutela
jurisdicional efetiva passou pela ampliação das oportunidades de
conciliação, bem como pela difusão da mediação e de outros métodos de
solução de conflitos, em que a sociedade civil atua como protagonista da
solução da controvérsia[2].
Nesse contexto, a mediação foi inserida no âmbito do processo judicial
com a publicação da Lei 13.140, de 2015, que dispõe sobre a mediação
entre particulares como meio de solução de controvérsias, bem do Código
de Processo Civil de 2015, que disciplina a mediação como meio de
solução de conflitos. Nos termos da exposição de motivos, o novo diploma
processual deu ênfase à possibilidade de as partes colocarem fim ao
conflito pela via da mediação ou da conciliação, entendendo o legislador
que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se
a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz[3].
Com efeito, o estímulo à adoção de meios consensuais não é novidade,
uma vez que desde 2010 institui-se no Brasil a política pública de
tratamento adequado dos conflitos jurídicos. Por meio da Resolução
125/2010, do Conselho Nacional de Justiça, que até a edição do novo
Código de Processo Civil era o mais importante instrumento normativo
sobre mediação e conciliação, houve estímulo à adoção da autocomposição.
Contudo, a preocupação excessiva em
vincular à mediação à redução do demandismo brasileiro e ligá-la a
promessa de celeridade e descongestionamento dos tribunais brasileiros,
pode distanciá-la do objetivo de promover uma mudança nas relações
interpessoais das partes envolvidas. Ou seja, a mediação como
possibilidade de melhoria das relações interpessoais se voltará tão
somente para a resolução do conflito e cederá espaço para o cumprimento
de metas numéricas[4].
O Conselho Nacional de Justiça instituiu
metas a serem cumpridas pelo Poder Judiciário, dentre as quais se
destaca a que estabelece que os Centros Judiciários de Solução de
Conflitos – CEJUSC, homologuem o maior número de acordos
pré-processuais, por mediação ou conciliação, que as médias das
sentenças homologatórias das unidades judiciárias correlatas. Ou seja,
claramente o CNJ estimulou o uso da mediação para a realização de
acordos, como alternativa para evitar a judicialização de conflitos. No
entanto, se a lógica da mediação judicial for a resolução dos conflitos
simplesmente para a redução de demandas, ou para garantia da celeridade
processual, ela estará fadada a ser mero instrumento de reprodução de
acordos, por vezes não satisfatórios, a exemplo do que muitas vezes
acontece no âmbito da conciliação judicial. Com o mero propósito de
garantir celeridade e esvaziamento dos tribunais, a mediação judicial
corre o risco de insucesso, como vem ocorrendo em parte com a
conciliação, porque a sua essência é incompatível com a lógica
produtivista e adversarial do Poder Judiciário[5].
O procedimento da mediação deve atender
ao tempo das partes, de modo que elas possam amadurecer sua visão sobre o
conflito e retomar as relações interpessoais perdidas, por meio do
diálogo, o que não pode ser atingido unicamente por acordos ou metas[6].
Outrossim, a regulamentação e implementação dos meios consensuais de
solução de controvérsias deveria basear-se no objetivo de proporcionar
meios mais adequados à resolução de determinados conflitos, considerando
suas peculiaridades e complexidades, e não como solução para os males
que assolam o Poder Judiciário brasileiro.
A aposta de que a mediação seria a
panaceia para todos os males do Poder Judiciário Brasileiro,
especialmente o problema do seu congestionamento, levou a regulamentação
da mediação como uma fase do processo, tradicionalmente organizado sob a
ótica binária adversarial e litigiosa. Todavia, parece um paradoxo
falar em consenso dentro de uma estrutura organizada pela lógica do
contraditório[7], que carrega a ideia de adversarialidade, de culpado ou inocente, dos binarismos do vencedor ou perdedor[8].
Nesse sentido, a estrutura processual pode obstaculizar o consenso, uma
vez que é baseada no contraditório o que pode gerar um paradoxo em face
dos meios consensuais.
O processo brasileiro tem por base um
paradigma de resolução de controvérsias que se desenvolve em um ambiente
competitivo e, portanto, desfavorável a uma visão colaborativa. Nosso
sistema jurisdicional é repleto de dogmas e procedimentos que são
desconexos com os fins dialógicos e de decisões compartilhadas da
mediação[9].
Em outras palavras, “o processo judicial brasileiro não comporta o
consenso e o diálogo como formas de administração do conflito, uma vez
que está centrado tanto no princípio como na lógica do contraditório”[10].
A este respeito, Petrônio Calmon[11]
aduz que o Conselho Nacional de Justiça se equivoca ao tentar criar uma
atividade, na sua concepção, impossível, ou seja, a mediação judicial.
Para o autor o Poder Judiciário, atualmente não consegue exercer de
forma adequada a sua função primordial de julgar e assim “não deveria
sequer tentar dar um passo maior do que as pernas; deveria ter se
limitado a consolidar e aplicar a conciliação, mecanismo de incentivo ao
acordo totalmente compatível com a atividade judicial”. Ainda, aponta
que a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça “contribui para
desviar a sociedade do que deveria estar fazendo com liberdade e sem
intervenção estatal, ou seja, buscar mudança de paradigma.”
No mesmo sentido, Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Michele Pedrosa Paumgartten[12],
apontam que a institucionalização da mediação acaba por enfraquecer a
escolha das partes envolvidas e implica na perda da sua identidade, pois
ela passa a se aproximar cada vez mais da adjudicação. Ainda, referem
os autores que um sistema de mediação incidental não parece ser o ideal,
já que mesmo assim haveria a movimentação da máquina estatal o que, em
muitos casos, poderia ser evitado.
Embora possa ser cedo para responder se
houve avanço ou retrocesso, já se pode afirmar que o respeito a essência
da mediação exige que ela seja desburocratizada e minimamente regulada,
a fim de viabilizar uma maior aproximação das pessoas e uma forma
diferenciada de resolução de seus conflitos. A mediação não pode ser
encarada apenas como uma política judiciária, mas deve ser concebida
como um serviço universal que não pode e não deve ser estimulada apenas
como instrumento para a redução de demandas em tramite e meio para
desafogar o Poder Judiciário.
Notas e Referências:
[1] GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Mediação e Gerenciamento de Processo. São Paulo: Atlas, 2007.
[2] VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2014.
[3] SENADO. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em: 13/08/2016.
[4] ORSINI, Adriana Goulart de Sena. SILVA, Nathane Fernandes da. Entre a promessa e a efetividade da mediação: uma análise da mediação no contexto brasileiro. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 18, n. 115, jun./set., 2016, p. 344. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1148. Acesso em: 01/06/2017.
[7]
A lógica do contraditório é um método de constituição do saber jurídico
e de socialização dos operadores do campo do direito que não se
confunde com o princípio do contraditório, embora nele encontre eco e
inspiração.
[8] ORSINI, Adriana Goulart de Sena. SILVA, Nathane Fernandes da. Entre a promessa e a efetividade da mediação: uma análise da mediação no contexto brasileiro. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 18, n. 115, jun./set., 2016, p. 339. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1148. Acesso em: 01/06/2017.
[10] MELLO, Kátia Sento Sé. BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Mediação e conciliação no Judiciário: Dilemas e significados.
Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Rio de
Janeiro, v. 4, n. 1, jan./março, 2011. Disponível em:
https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:4D-2vTlETccJ:https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/download/7208/5801+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br.
Acesso em: 01/06/2017.
[11] CALMON, Petronio. Fundamentos da mediação e da conciliação. 3. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015, p. 136.
[12]
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; PAUMGARTEN, Michele Pedrosa. Os
desafios para a integração entre o sistema jurisdicional e a mediação a
partir do novo Código de Processo Civil. Quais as perspectivas para a
justiça brasileira? In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA,
Fernanda Medina; PELAJO, Samantha. (Org.). A mediação no novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. p. 1-32.
Por Ardala Marta Corso é Graduada em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. Pós-graduada em Processo Civil pela Academia Brasileira de
Direito Processual Civil. Mestranda em Direito e Sociedade pelo
Unilasalle, Canoas. Integrante do grupo de pesquisas Teorias Sociais do
Direito. Advogada.
Fonte: Empório do Direit