Monopólio estatal da jurisdição vai contra o progresso, dizem especialistas
Outros caminhos
O monopólio estatal da
jurisdição caminha na contramão do progresso. É preciso observar a
tendência mundial de democratizar o Poder Judiciário, o que somente se
concretizará com a efetiva popularização dos meios adequados de solução
de controvérsias, tão enfaticamente fomentados pela nova legislação
processual civil brasileira.
A declaração foi dada pela ministra Nancy Andrighi durante palestra no evento "Superior Tribunal de Justiça e Corte de Cassação Francesa: A arbitragem na visão comparada",
realizado nesta segunda-feira (25/9). Ministros do STJ e representantes
da corte da França debateram, entre outros temas, as concepções dos
dois países sobre contrariedade à ordem pública em matéria de arbitragem
internacional e a homologação da sentença arbitral estrangeira.
Nancy ressaltou a tradição da França no tema matéria e garantiu que, a
partir das observações feitas no seminário, o STJ implementará um
“infindável” número de boas práticas e de soluções positivas no
cotidiano da arbitragem local. Logo de início, ela lembrou uma medida
que adotou como Corregedora Nacional de Justiça, quando determinou aos
tribunais estaduais que destacassem duas varas cíveis, nas capitais, com
competência exclusiva para receber pedidos de tutela de urgência e
medidas cautelares solicitadas pelos árbitros.
“Com essa
providência, alcançamos a especialização dos juízes de direito, e o
rápido trâmite dos pedidos formulados pelos árbitros, propiciando ao
procedimento arbitral o diferencial que merece”, afirmou.
Desde o
fim de 2004, data em que a Emenda Constitucional 45 entrou em vigor, até
2015, contou a ministra, foram julgados 67 pedidos de homologação, dos
quais apenas 9 foram indeferidos, 5 foram extintos e 3 parcialmente
homologados, resultando em 50 sentenças arbitrais estrangeiras
homologadas.
Para que as pessoas abdiquem da atuação da Justiça e
confiem em outros meios de solução de controvérsias, alertou a
magistrada, é necessário que haja segurança e previsibilidade. Por isso,
o juízo deve recuar e zelar pela máxima preservação da autonomia da
vontade das partes.
“Especificamente em relação à arbitragem,
respeitar a autonomia da vontade das partes equivale a honrar a
autoridade do árbitro a quem as partes confiaram a resolução da
controvérsia, tratando-o de acordo com o — estabelecido na nossa lei de
arbitragem — árbitro é juiz de fato e de direito e, como tal suas
decisões devem ser acatadas”, disse.
Para se discutir a
homologação de sentença arbitral estrangeira, opinou Nancy, o centro do
debate está no conceito do que é a ofensa à ordem pública nacional,
hipótese em que a sentença pode ser negada. Embora a ministra tenha
dito que isso depende da interpretação de cada um, ela deu seu parecer:
“Pode ser representado por um conjunto de princípios incorporados na
ordem jurídica interna que, por serem essenciais à sobrevivência do
Estado, não podem ser contrastados pelo direito estrangeiro”, resumiu.
Esse
conceito é fluido, pois varia no tempo e no espaço entre mudanças
culturais e valorativas da sociedade de cada época, mas é estável, é
limitador da vontade no direito interno e impede a aplicação de leis
estrangeiras, explicou.
O magistrado Patrick Matet, magistrado da
Corte de Cassação Francesa, explicou que, em seu país, o juiz também tem
o controle da sentença e é encarregado de averiguá-la sob ponto de
vista do respeito à ordem pública. Os textos franceses, porém, são muito
mais precisos em definir quando se configura essa ofensa do que a
Convenção de Nova York, também conhecida como a Convenção da ONU sobre o
Reconhecimento e Execução das Decisões Arbitrais Estrangeiras que, no
Brasil, foi transformado no Decreto Legislativo 4.311 de 2002, que
regulamentou a adesão do país à convenção.
A concepção
jurisprudencial de ordem pública internacional está ligada à existência
de uma ordem jurídica autônoma a partir de decretos e tratados que
evidenciem situações específicas, disse. Para encerrar, ele destacou a
importância da realização de seminários sobre o tema, pois o
desenvolvimento de uma arbitragem eficaz demanda novas experiências
sobre o direito comparado.
Direitos Humanos
O professor da Universidade de São Paulo e reconhecido especialista na
área Luiz Olavo Baptista também ressaltou a importância da segurança e
da previsibilidade na arbitragem internacional. Para garantir que esses
dois pontos se fortaleçam em vários países simultaneamente, apontou, é
necessários ter métodos que incitem a coerência do pensamento. “Não é
uniformidade. É coerência, pois coerência depende da mudança que ocorre
na ordem social. Até porque aquilo que era inaceitável quando eu nasci
hoje é visto como desejável. Essa mudança que ocorre deve se refletir na
coerência que as decisões devem ter”, pontuou.
Em todos os casos,
ressaltou, deve ser observado o direito das pessoas. A exigência de
citação e o respeito ao devido processo legal, por exemplo, estão
previstos tanto na lei brasileira quanto na convenção internacional que
rege o tema. No caso da ordem pública internacional, disse, não se trata
de uma afirmação da cultura jurídica nacional, mas de uma comunhão da
humanidade sobre a necessidade de observar certas coisas inerentes aos
seres humanos.
Tudo que ofender essa premissa está afastado,
disse: “A arbitragem internacional com países que admitem a escravatura
não será reconhecida, uma vez que o objeto fere questão inaceitável,
pois exigimos como requisito a liberdade”, explicou.
Jean-Noël
Acquaviva, que também é magistrado da Corte de Cassação Francesa,
explicou que, naquele país, a homologação de sentença estrangeira passa
por um controle que observa a proteção do direito de defesa, a igualdade
de tratamento e o princípio da lealdade. A neutralidade do juízo é
fundamental, sob o risco de comprometer o equilíbrio das partes na
causa, alertou. “A fraude ou a dissimulação frente aos árbitros,
obviamente, também são proibidas”, ressaltou.
A impossibilidade de
uma das partes acessar o tribunal arbitral, mesmo que por motivos
financeiros devido às despesas do processo, configura omissão da
Justiça, comentou. Ele também indicou soluções para a arbitragem
internacional: “Unificando regras comuns a todos com a manutenção de
padrões próprios de cada Estado. É um dos interesses desse seminário
pensar a partir do direito comparado modalidades que possam nos
aproximar”.
O ministro João Otávio de Noronha citou precedentes em que o STJ
rejeitou a homologação de sentença arbitral estrangeira. Em um deles,
por exemplo, constatou-se que o presidente do tribunal arbitral já havia
advogado para uma das partes. Além disso, seu escritório, embora ele
não tenha prestado o serviço, havia feito pareceres à outra parte. “Não
podemos reconhecer neutralidade nesse árbitro”, disse.
Ele conta
que a Justiça dos Estados Unidos refutou que o envolvimento do juiz
afetaria a imparcialidade. “Pode ser lá, mas quando vou aferir isso o
faço com base na ordem jurídica nacional, e aqui verificamos que o caso
se enquadra exatamente nos casos de suspeição e impedimento regulados
pela nossa legislação”, afirmou.
Em outro caso, o juiz arbitral
havia decretado a falência de uma das partes, o que, para ele, ofendeu a
ordem pública nacional. “Processo de falência, como se trata de
execução, é reservada à atividade jurisdicional. Não pode particular
invadir esfera patrimonial do devedor. É atividade privativa do Estado”.
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