1. INTRODUÇÃO
Atualmente está pacificado o
entendimento de que há jurisdição perante a arbitragem, sendo que as
sentenças proferidas pelo árbitro ou árbitros têm a mesma força e geram
os mesmos efeitos que as sentenças proferidas pelos juízes perante o
Poder Judiciário.
Carlos Alberto Carmona, um dos maiores estudiosos da arbitragem, afirma que “a
discussão sobre arbitragem e jurisdição não é meramente acadêmica. A
jurisdicionalização da arbitragem é uma realidade, que o legislador
brasileiro já reconheceu. Resta saber se haverá coragem suficiente para
libertar o instituto das teias a que se encontra preso para torná-lo
novamente útil e viável a nível interno”.
2. ARBITRAGEM NA TEORIA GERALDO PROCESSO
Sendo, atualmente, pacífico o
entendimento que há jurisdição perante a arbitragem, as atividades
exercidas ocorrerão dentro de um processo, o processo arbitral e,
portanto, enquadrado dentro da teoria geral do processo.
Tratando da teoria geral do processo, não há como olvidar as lições de Cândido Rangel Dinamarco[1], que com muita clareza expõe a respeito do tema, nos seguintes termos, existindo
na arbitragem um processo e nesse processo exercendo-se jurisdição,
ação e defesa, é natural que seu estudo sistemático passe pela teoria
geral do processo e por esses seus institutos fundamentais, antes de
chegar ao enfoque especializado da arbitragem em si mesma …A própria Lei
de Arbitragem, ao proclamar que “serão sempre respeitados no
procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das
partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento” (art.
21, § 2º), está a explicitar a consciência que teve o legislador de que
o processo arbitral, sendo um processo, sujeita-se aos ditames do
direito processual constitucional, no qual reside o comando supremo do
exercício da jurisdição e da realização de todo processo, jurisdicional
ou não … Ainda quando se trate de litígio de natureza trabalhista admissível no juízo arbitral, ainda nesse caso o processo perante os árbitros tem o nítido perfil de um processo civil(g.n.).
3. A REFORMA TRABALHISTA
A Reforma Trabalhista aprovada em julho
deste ano, veio para trazer a modernização das regras de direito
material e processual, adequando-as à realidade atual, e mais que isso, à
realidade já vivenciada em muitos tribunais do país.
Podemos considerar que a alteração da
legislação trabalhista e do processo do trabalho faz parte da nova era
do processo, para agregá-lo ao contexto das instituições sociais e
políticas da nação, reconhecida sua missão relativa ao bem-comum. Daí
falar-se nos escopos sociais do processo, em seus escopos políticos e só
num segundo plano em seu escopo jurídico de dar atuação à lei material.
Afinal, processo e direito material compõem a estrutura jurídica das
nações e acima da missão de um perante o outro paira a grande
responsabilidade de ambos perante os membros da comunidade.
Com essa consciência é que foi inserido o
art. 507-A na CLT, pela Lei nº 13.467 de 13 de julho de 2017 (reforma
trabalhista), a possibilidade de adoção do procedimento arbitral para
solucionar os conflitos individuais trabalhistas.
Em que pese a Constituição Federal, em
seu art. 114 prever a possibilidade de utilização da arbitragem para a
solução de conflitos em dissídios coletivos, restava omissa quanto à
utilização na esfera dos conflitos individuais trabalhistas, fato que
causava insegurança jurídica aos que optavam por utilizá-la como meio
alternativo.
Além disso, a aplicação da Arbitragem na
esfera dos direitos individuais esbarrava justamente na disponibilidade
desses direitos eis que para um conflito ser submetido à arbitragem é
necessário além da capacidade para contratar das partes, a existência de
direitos patrimoniais disponíveis, que possam ser negociados, o que
acabava por invalidar a sentença arbitral quando era submetida ao
Judiciário.
Com efeito, esse impasse foi solucionado
pela doutrina e jurisprudência nos últimos anos. Concluiu-se que os
direitos trabalhistas são irrenunciáveis durante todo o pacto laboral,
porém disponíveis após o término do contrato de trabalho, fato que torna
a utilização da arbitragem plenamente possível.
Outrossim, não há como negar tratar-se
de direito que autoriza a composição e portanto podendo ser objeto de
negócio jurídico processual, inclusive com a eleição da arbitragem como
meio de solução de eventual conflito de interesses[2],
pelo simples fato das conciliações serem estimuladas perante a Justiça
do Trabalho, tendo inclusive semanas reservadas para a realização dessas
transações.
Com efeito, a possibilidade de inserção
nos contratos individuais de trabalho, com a concordância do empregado,
da cláusula compromissória de arbitragem para os empregados que
receberem remuneração superior a duas vezes o limite máximo dos
benefícios do Regime Geral da Previdência Social (aproximadamente R$
11.000,00), representa uma clara tentativa de migração da jurisdição
estadual para a jurisdição arbitral, tendo em vista a sedimentação do
entendimento de equiparação de ambas para todos os fins de Direito.
O procedimento será definido em comum
acordo pelas partes e será julgado por um número ímpar de árbitros,
podendo inclusive ser apreciado por árbitro único escolhido em comum
acordo pelas partes envolvidas (empregador e empregado). Em atenção ao
princípio processual da celeridade, somado ao alto knowhow do
assunto em conflito por parte do arbitro, temos que da decisão proferida
em arbitragem não caberá recurso e portanto ela poderá ser
imediatamente executada na Justiça Comum, o que nada mais é do que uma
integração jurisdicional em busca do bem comum e da pacificação das
relações sociais.
4. CONCLUSÃO
A realidade é que nos encontramos em um
momento histórico onde é privilegiada a paz social e priorizado e
valorizado mundialmente os meios alternativos de solução de conflitos,
sendo que apenas uma mínima/residual parte ficará restrita à apreciação
do Poder Judiciário, não sendo mais possível pensar-se em um Estado que
deve prover tudo a todos e, nessa nova perspectiva é que a arbitragem
foi inserida como meio de solução de conflito de interesse na esfera
individual trabalhista.
A Reforma trabalhista inseriu no seu
âmbito uma nova era, rempendo dogmas, temores e preconceitos, numa
releitura de princípios tradicionais e tentativa de afeiçoar sua
interpretação às exigências do tempo.
Essas inovações constituem resposta aos
estímulos da própria sociedade. Não são o fruto arbitrário da imaginação
dos reformadores, mas reflexo de estudos e do anseio da própria
sociedade.
Notas e Referências:
[1] A Arbitragem na Teoria Geral do Processo, Editora Malheiros, junho/2013, PP. 15-17.
[2] Como
todo e qualquer negócio jurídico processual, a eleição da arbitragem
como forma de solução do conflito de interesse, ficará sujeito a
apreciação do juiz que poderá anular referida cláusula se violar questão
de ordem pública, for abusiva ou for verificada a vulnerabilidade de
uma parte em relação a outra.
Por Márcia Conceição Alves Dinamarco
é Doutora em Direito Econômico das Relações Sociais e Mestre em Direito
Processual Civil, ambos os títulos pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, Assistente-mestre na PUC-SP, Professora convidada
para ministrar aulas em diversas faculdades e cursos, autora de livros e
artigos jurídicos, advogada militante e diretora do IASP e
Ana Carolina Calvo Tiberio é advogada formada pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, administradora de empresas pelo
Insper, especializada em Direito do Trabalho pela Fundação Getúlio
Vargas.
Fonte: empóriododireito
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