A morosidade dos processos e a
burocratização na sua gestão, a falta de informação e orientação aos
jurisdicionados, as deficiências do patrocínio gratuito, aliados ao
elevado grau de litigiosidade, próprio da sociedade contemporânea, tem
levado uma excessiva sobrecarga de juízes e tribunais. Consequência
deste cenário é a obstrução das vias de acesso à justiça, acarretando o
descrédito da sociedade no Poder Judiciário. Assim, a crise da justiça
é, em grande parte, responsável pelo renascimento das vias conciliativas[1].
O movimento pelo acesso à tutela
jurisdicional efetiva passou pela ampliação das oportunidades de
conciliação, bem como pela difusão da mediação e de outros métodos de
solução de conflitos, em que a sociedade civil atua como protagonista da
solução da controvérsia[2].
Nesse contexto, a mediação foi inserida no âmbito do processo judicial
com a publicação da Lei 13.140, de 2015, que dispõe sobre a mediação
entre particulares como meio de solução de controvérsias, bem do Código
de Processo Civil de 2015, que disciplina a mediação como meio de
solução de conflitos. Nos termos da exposição de motivos, o novo diploma
processual deu ênfase à possibilidade de as partes colocarem fim ao
conflito pela via da mediação ou da conciliação, entendendo o legislador
que a satisfação efetiva das partes pode dar-se de modo mais intenso se
a solução é por elas criada e não imposta pelo juiz[3].
Com efeito, o estímulo à adoção de meios consensuais não é novidade,
uma vez que desde 2010 institui-se no Brasil a política pública de
tratamento adequado dos conflitos jurídicos. Por meio da Resolução
125/2010, do Conselho Nacional de Justiça, que até a edição do novo
Código de Processo Civil era o mais importante instrumento normativo
sobre mediação e conciliação, houve estímulo à adoção da autocomposição.
Contudo, a preocupação excessiva em
vincular à mediação à redução do demandismo brasileiro e ligá-la a
promessa de celeridade e descongestionamento dos tribunais brasileiros,
pode distanciá-la do objetivo de promover uma mudança nas relações
interpessoais das partes envolvidas. Ou seja, a mediação como
possibilidade de melhoria das relações interpessoais se voltará tão
somente para a resolução do conflito e cederá espaço para o cumprimento
de metas numéricas[4].
O Conselho Nacional de Justiça instituiu
metas a serem cumpridas pelo Poder Judiciário, dentre as quais se
destaca a que estabelece que os Centros Judiciários de Solução de
Conflitos – CEJUSC, homologuem o maior número de acordos
pré-processuais, por mediação ou conciliação, que as médias das
sentenças homologatórias das unidades judiciárias correlatas. Ou seja,
claramente o CNJ estimulou o uso da mediação para a realização de
acordos, como alternativa para evitar a judicialização de conflitos. No
entanto, se a lógica da mediação judicial for a resolução dos conflitos
simplesmente para a redução de demandas, ou para garantia da celeridade
processual, ela estará fadada a ser mero instrumento de reprodução de
acordos, por vezes não satisfatórios, a exemplo do que muitas vezes
acontece no âmbito da conciliação judicial. Com o mero propósito de
garantir celeridade e esvaziamento dos tribunais, a mediação judicial
corre o risco de insucesso, como vem ocorrendo em parte com a
conciliação, porque a sua essência é incompatível com a lógica
produtivista e adversarial do Poder Judiciário[5].
O procedimento da mediação deve atender
ao tempo das partes, de modo que elas possam amadurecer sua visão sobre o
conflito e retomar as relações interpessoais perdidas, por meio do
diálogo, o que não pode ser atingido unicamente por acordos ou metas[6].
Outrossim, a regulamentação e implementação dos meios consensuais de
solução de controvérsias deveria basear-se no objetivo de proporcionar
meios mais adequados à resolução de determinados conflitos, considerando
suas peculiaridades e complexidades, e não como solução para os males
que assolam o Poder Judiciário brasileiro.
A aposta de que a mediação seria a
panaceia para todos os males do Poder Judiciário Brasileiro,
especialmente o problema do seu congestionamento, levou a regulamentação
da mediação como uma fase do processo, tradicionalmente organizado sob a
ótica binária adversarial e litigiosa. Todavia, parece um paradoxo
falar em consenso dentro de uma estrutura organizada pela lógica do
contraditório[7], que carrega a ideia de adversarialidade, de culpado ou inocente, dos binarismos do vencedor ou perdedor[8].
Nesse sentido, a estrutura processual pode obstaculizar o consenso, uma
vez que é baseada no contraditório o que pode gerar um paradoxo em face
dos meios consensuais.
O processo brasileiro tem por base um
paradigma de resolução de controvérsias que se desenvolve em um ambiente
competitivo e, portanto, desfavorável a uma visão colaborativa. Nosso
sistema jurisdicional é repleto de dogmas e procedimentos que são
desconexos com os fins dialógicos e de decisões compartilhadas da
mediação[9].
Em outras palavras, “o processo judicial brasileiro não comporta o
consenso e o diálogo como formas de administração do conflito, uma vez
que está centrado tanto no princípio como na lógica do contraditório”[10].
A este respeito, Petrônio Calmon[11]
aduz que o Conselho Nacional de Justiça se equivoca ao tentar criar uma
atividade, na sua concepção, impossível, ou seja, a mediação judicial.
Para o autor o Poder Judiciário, atualmente não consegue exercer de
forma adequada a sua função primordial de julgar e assim “não deveria
sequer tentar dar um passo maior do que as pernas; deveria ter se
limitado a consolidar e aplicar a conciliação, mecanismo de incentivo ao
acordo totalmente compatível com a atividade judicial”. Ainda, aponta
que a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça “contribui para
desviar a sociedade do que deveria estar fazendo com liberdade e sem
intervenção estatal, ou seja, buscar mudança de paradigma.”
No mesmo sentido, Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Michele Pedrosa Paumgartten[12],
apontam que a institucionalização da mediação acaba por enfraquecer a
escolha das partes envolvidas e implica na perda da sua identidade, pois
ela passa a se aproximar cada vez mais da adjudicação. Ainda, referem
os autores que um sistema de mediação incidental não parece ser o ideal,
já que mesmo assim haveria a movimentação da máquina estatal o que, em
muitos casos, poderia ser evitado.
Embora possa ser cedo para responder se
houve avanço ou retrocesso, já se pode afirmar que o respeito a essência
da mediação exige que ela seja desburocratizada e minimamente regulada,
a fim de viabilizar uma maior aproximação das pessoas e uma forma
diferenciada de resolução de seus conflitos. A mediação não pode ser
encarada apenas como uma política judiciária, mas deve ser concebida
como um serviço universal que não pode e não deve ser estimulada apenas
como instrumento para a redução de demandas em tramite e meio para
desafogar o Poder Judiciário.
Notas e Referências:
[1] GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; LAGRASTA NETO, Caetano (Coord.). Mediação e Gerenciamento de Processo. São Paulo: Atlas, 2007.
[2] VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2014.
[3] SENADO. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/Anteprojeto.pdf. Acesso em: 13/08/2016.
[4] ORSINI, Adriana Goulart de Sena. SILVA, Nathane Fernandes da. Entre a promessa e a efetividade da mediação: uma análise da mediação no contexto brasileiro. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 18, n. 115, jun./set., 2016, p. 344. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1148. Acesso em: 01/06/2017.
[5] Ibidem, p. 344.
[6] Ibidem, p. 345
[7]
A lógica do contraditório é um método de constituição do saber jurídico
e de socialização dos operadores do campo do direito que não se
confunde com o princípio do contraditório, embora nele encontre eco e
inspiração.
[8] ORSINI, Adriana Goulart de Sena. SILVA, Nathane Fernandes da. Entre a promessa e a efetividade da mediação: uma análise da mediação no contexto brasileiro. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 18, n. 115, jun./set., 2016, p. 339. Disponível em: https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/1148. Acesso em: 01/06/2017.
[9] Ibidem, p. 339.
[10] MELLO, Kátia Sento Sé. BAPTISTA, Bárbara Gomes Lupetti. Mediação e conciliação no Judiciário: Dilemas e significados.
Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. Rio de
Janeiro, v. 4, n. 1, jan./março, 2011. Disponível em:
https://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:4D-2vTlETccJ:https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/download/7208/5801+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br.
Acesso em: 01/06/2017.
[11] CALMON, Petronio. Fundamentos da mediação e da conciliação. 3. ed. Brasília: Gazeta Jurídica, 2015, p. 136.
[12]
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; PAUMGARTEN, Michele Pedrosa. Os
desafios para a integração entre o sistema jurisdicional e a mediação a
partir do novo Código de Processo Civil. Quais as perspectivas para a
justiça brasileira? In: ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de; PANTOJA,
Fernanda Medina; PELAJO, Samantha. (Org.). A mediação no novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Atlas, 2016. p. 1-32.
Por Ardala Marta Corso é Graduada em Ciências
Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul. Pós-graduada em Processo Civil pela Academia Brasileira de
Direito Processual Civil. Mestranda em Direito e Sociedade pelo
Unilasalle, Canoas. Integrante do grupo de pesquisas Teorias Sociais do
Direito. Advogada.Fonte: Empório do Direit
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