Segundo o relatório elaborado no ano de 2015, disponibilizado pelo programa “Justiça em Números” (CNJ), os altos índices de carga contenciosa no Brasil apontaram um aumento desproporcional no número de ações judiciais, reforçando-se a percepção de crise de litigiosidade e morosidade da Justiça1.
Esse cenário revelou que a sociedade contemporânea esteve por muito tempo pautada nos ideias de competitividade e individualismo, que desencadearam, por consequência, um processo de antagonismo social, percebido pelo aumento do número de demandas em estoque2. O clima de excessiva judicialização trouxe à tona, então, a necessidade de mudança no comportamento de todos os envolvidos no sistema de justiça, na direção de se valorizar práticas cooperativas e empáticas que tornem os usuários menos dependentes da cultura da sentença.
Após o incentivo dos meios consensuais pela Política Pública estabelecida na Resolução nº 125/2010do CNJ, como forma de se promover a cultura do consenso,foi dada forma jurídica à Mediação de Conflitos, com a inserção do instituto na Lei nº 13.140/2015.
O marco legal optou por trazer um conceito de mediação, estabelecendo que se trata de uma técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório que escolhido ou aceito pelas partes as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia. Contudo, tal definição é objeto de crítica por parte da doutrina, sob a alegação de que confunde a mediação com a conciliação, já que apenas nesta última é possível que o facilitador (conciliador) faça sugestões
às partes3.
às partes3.
Para que o procedimento da mediação seja levado a sério, algumas diretrizes comportamentais precisam ser consideradas. Por essa razão, a técnica se orienta por princípios, que devem ser observados por todos os sujeitos (participantes, mediadores, representantes legais, etc.). Dentre eles, destacam-se a imparcialidade do mediador e a proteção da confidencialidade das informações divulgadas durante as sessões (que só pode ser mitigada em hipóteses excepcionais).
A Lei também traz a possibilidade de que o conflito possa ser tratado de forma total ou parcial por meio da mediação. Nesse sentido, nada impede que parte do conflito seja tratado pela via judicial e outra pela via consensual. Trata-se de uma escolha que deve ser feita pelas partes.
No que diz respeito aos conflitos que versem sobre direitos indisponíveis que admitam a transação, o marco legal estabeleceu a necessidade de que seja o eventual acordo homologado pelo juiz, com a oitiva do membro do Ministério Público, para que possa produzir efeitos. Tal disposição também é alvo de críticas, por estabelecer a necessidade de se recorrer ao Judiciário, ainda que a parte tenha optado pela mediação extrajudicial.
O profissional facilitador da mediação é denominado mediador,que atua como verdadeiro construtor de pontes, já que ajuda as partes a atravessarem o rio da vida. Seu ofício se destaca por criar as condições necessárias para que os processos de comunicação transcorram de forma eficaz entre os envolvidos. Para isso, ele se vale de suas habilidades sociais e das ferramentas para gerar mudanças nas posturas dos participantes.
Pode atuar como mediador judicial qualquer pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha formação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM ou pelos Tribunais.
Pode funcionar como mediador extrajudicial qualquer pessoa capaz, que tenha a confiança das partes e que se considere capacitada para fazer mediação. Além desses requisitos, importante destacar a necessidade de que o mediador seja empático, ou seja, que seja treinado para lidar com posturas resistentes e competitivas,familiares de quem só conhece a forma contenciosa para lidar com as controvérsias. Em se tratando de algo novo para os usuários do sistema de justiça, as habilidades e capacidades do Mediador poderão fazer a diferença na percepção da credibilidade da mediação. Daí a importância da capacitação e treinamento permanente desses profissionais.
A mediação privilegia o cuidado afetivo do conflito, pois considera, além das questões jurídicas, os sentimentos e reais interesses das partes. Nesse sentido, a crise de litigiosidade pode ser vista como uma oportunidade de redução da dependência cultural da sentença. Nesse caminho, o método é uma das formas não adversariais que merecem ser incentivadas, junto com outras práticas cooperativas e empáticas que promovam uma melhor convivência com as diferenças.
1 GOULART; Juliana Ribeiro; GONÇALVES, Jéssica. Breves considerações obre a Lei de Mediação. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/breves-consideracoes-sobre-a-lei/ Acesso em 20 mar.2017.
2 SPENGLER. Fabiana Marion; NETO, Theobaldo Spengler (Org.) Mediação, Conciliação e arbitragem. Artigo por artigo de acordo com a Lei n 13.140/2015, Lei n. 9.307/1996, Lei n. 13.105/2015 e com a Resolução n. 125/2010 do CNJ (Emendas I e II). Rio de Janeiro: FGV
Editora, 2016, p. 19.
3 CALMON. Petronio. In: SPENGLER. Fabiana Marion; NETO, Theobaldo Spengler (Org.) Mediação, Conciliação e arbitragem. Artigo por artigo de acordo com a Lei n. 13.140/2015, Lei n. 9.307/1996, Lei n. 13.105/2015 e com a Resolução n. 125/2010 do CNJ (Emendas I e II).
Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016, p. 14.
Referências
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2015: ano-base 2014. Brasília: CNJ, 2013. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros. Acesso 27 dez.2015.
GOULART; Juliana Ribeiro; GONÇALVES, Jéssica. Breves considerações obre a Lei de Mediação. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/breves-consideracoes-sobre-a-lei/ Acesso
em 20 mar. 2017.
SPENGLER. Fabiana Marion; NETO, Theobaldo Spengler (Org.) Mediação, Conciliação e arbitragem. Artigo por artigo de acordo com a Lei n. 13.140/2015, Lei n. 9.307/1996, Lei n. 13.105/2015 e com a Resolução n. 125/2010 do CNJ (Emendas I e II). Rio de Janeiro: FGV Editora, 2016.
Fonte: Revista Resultado nº 56
Por Juliana Goulart, Advogada. Especialista em Direito Processual pelo CESUSC. Mestranda pela UFSC. Frequenta curso de Mediação Empresarial pela CBMAE. Coordenadora do grupo de pesquisa “Mediação como Política Pública” da UFSC.
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