sexta-feira, 16 de março de 2012

Nova ferramenta para resolver conflitos financeiros

Visão e cultura internacional
Em 16 de janeiro de 2012 nasceu em Haia, Holanda, o P.R.I.M.E Finance — Panel of Recognized International Market Experts in Finance, um novo centro de resolução de disputas, por meio de mediação e arbitragem, especializado em controvérsias ligadas a operações e produtos financeiros complexos, envolvendo mercados financeiros desenvolvidos e em desenvolvimento (www.primefinancedisputes.org).

A Corte dispõe de uma extensa lista de experts tanto em finanças como em arbitragem, de diversas nacionalidades, com variada formação acadêmica e destacada atuação profissional. Parte deles contribuiu no passado com a criação, a implementação e a regulamentação dos instrumentos financeiros que serão objeto de análise futura pelo Prime Finance. Recentemente, ainda, o ex-juiz da Suprema Corte do Reino Unido Lord Collins of Mapesbury passou a integrar a lista de árbitros do Prime Finance após o seu desligamento da Corte, o que ilustra o nível dos especialistas envolvidos no projeto.

Com a criação do Prime Finance as partes envolvidas em complexas disputas financeiras, tais como as ligadas a derivativos, passam a ter a valiosa opção de submeter suas controvérsias a um tribunal especializado e dedicado exclusivamente à matéria, o que aumenta a probabilidade de se obter uma decisão de elevada precisão técnica e uniforme.

O próprio Prime Finance intitula-se a mais relevante fonte mundial de conhecimento coletivo e experiência em documentação, leis e mercado para derivativos e outros complexos produtos financeiros. Jeffrey Golden, Management Board Chair do PRIME Finance e professor da London School of Economics, foi um dos principais idealizadores desta nova instituição. Golden vinha destacando com vigor a patente necessidade de criação de um tribunal altamente especializado e técnico, hábil a dar uniformidade e estabilidade à interpretação dos termos constantes das operações financeiras internacionais, imune a pressões locais — em especial em países em desenvolvimento —, assim como uma solução eficaz aos conflitos.

Atualmente, as operações financeiras internacionais tendem a eleger os tribunais de Londres e Nova Iorque para dirimir futuras disputas. Estes tribunais possuem juízes com experiência em litígios financeiros e com atuações marcadas pela probidade. Ademais, as leis da Inglaterra e de Nova Iorque, quando comparadas a outras legislações, apresentam-se mais favoráveis às instituições credoras, por não permitirem prolongadas defesas da parte devedora.

Contudo, estes aspectos favoráveis passaram a ser debatidos com intensidade no passado recente, principalmente depois de julgamentos supostamente inconsistentes relacionados à falência do Lehman Brothers, proferidos por Tribunais em Nova Iorque[1] e Londres[2]. Com efeito, muito embora as operações financeiras sejam em sua maioria baseadas em documentação padrão, o risco de litigar em cortes nacionais residiria em diferentes interpretações para uma mesma disposição contratual. Assim, não bastaria apenas o alto nível de conhecimento técnico das cortes nacionais, mas também seria necessária a uniformidade de entendimentos. Além disso, o nível de complexidade imposto aos produtos financeiros na última década foi tão elevado que a especialização tornou-se imperativa.

A arbitragem governada pelo Prime Finance traz a flexibilidade de escolha pelas partes em relação à sede do tribunal arbitral, que poderá ser em Haia ou em outro local à escolha das partes. Pode-se, da mesma forma, escolher o direito material aplicável ao caso, assim como o idioma.

Em contraste com as ações judiciais de caráter internacional submetidas às cortes nacionais, a arbitragem oferece vantagens em relação à futura execução forçada das decisões. Nesse particular, um julgamento proferido por um dado tribunal nacional, para ser executado em outra jurisdição, dependeria de tratados para reconhecimento de julgamentos estrangeiros, sob pena de não gerar efeitos práticos. Os laudos arbitrais, por sua vez, encontram um cenário bem mais favorável, pois têm a sua execução possível em mais de 140 países signatários da Convenção de Nova Iorque, desde que a sede da arbitragem tenha sido em um destes países signatários.

É importante deixar claro, todavia, que a escolha da arbitragem como forma de resolução de disputas, bem como a submissão das partes ao Prime Finance, depende da vontade destas. Nesse ponto verifica-se que a ISDA — International Swaps and Derivatives Association poderá concorrer para o sucesso do Prime Finance, incentivando a inclusão de cláusula de arbitragem nos contratos de derivativos e outras transações financeiras, o que ainda encontra certa resistência por parte de bancos, os quais tendem a preferir o contencioso judicial.

Pelo que se depreende dos memorandos enviados pela ISDA aos seus membros em novembro de 2011 e janeiro de 2012, informando respectivamente a criação do Prime Finance e destacando as vantagens da arbitragem, a resolução de conflitos decorrentes de operações financeiras poderá mesmo ganhar novos contornos.

Tem-se, com a criação do Prime Finance, uma nova e interessante ferramenta para a melhor compreensão e resolução de conflitos financeiros, destacando-se a nítida capacidade técnica e a robusta experiência dos membros, árbitros e mediadores, bem como a flexibilidade do procedimento arbitral — baseado nas regras UNCITRAL — e a diversidade nas opções de idioma e local da mediação ou arbitragem. Trata-se de um projeto pioneiro, apoiado por importantes nomes do mercado financeiro, que inicia suas atividades e tenta desde logo se consolidar.

[1] Lehman Brothers Special Financing Inc V BNY Corporate Trustee Services Limited – US Bankruptcy Court for the Southern District of New York [25/01/10].
[2] Belmont Park Investments PTY Limited v BNY Corporate Trustee Services Limited and Lehman Brothers Special Financing Inc – UK Supreme Court [27/07/11].

Por Felipe Vollbrecht Sperandio e Paulo Magalhães Nasser
Fonte: ConJur

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