Alternativa ao Judiciário
A arbitragem comercial internacional é resultado da necessidade de solução rápida e segura das controvérsias oriundas de negócios ou contratos de âmbito supra ou ultra nacional, envolvendo partes interessadas domiciliadas em estados diversos mediante a deliberação por árbitros escolhidos de cujo veredicto aceitem o compromisso de observá-lo.
Papel da arbitragem
A opção ou escolha por deliberação através de árbitros tem revelado uma prática preferencial entre as partes comerciantes ou industriais como modalidade de solução célere e efetiva, reduzindo custos e despesas com demorados processos judiciais, sobretudo quando envolvendo mais de um país ou mais de uma ordem jurídica.
Nesse sentido a arbitragem assume uma especial importância substitutiva da responsabilidade do Estado de fornecer segurança jurídica e paz social. Ou em outros termos, a solução negociada por arbitragem de “juízes de fato” com o conhecimento técnico específico propõe ocupar um espaço de atuação reservado ordinariamente pelas agencias estatais de jurisdição judiciária em favor de segurança e o máximo de justiça comercial ou industrial, a dizer que a jurisdição dos Estados nessa matéria, antes do mais, precisa atender às necessidades comerciais e industriais em cujo ambiente vale mais a celeridade que a certeza no campo dos negócios, embora seja aceitável que a certeza produzida pela autoridade judiciaria se revista de maior importância institucional. Aqui, na arbitragem comercial, as partes abrem mão de demorada certeza judicial em favor da certeza negocial cujos eventuais riscos compensam e, conforme o caso, quando ocorrentes, os prejuízos podem ser recuperados mais rapidamente.
Assim, o arbitramento comercial com suas regras próprias constitui alternativa equivalente à deliberação judicial e, como tal, uma vez editado o laudo arbitral extingue as controvérsias. Por essa razão, as ordens jurídicas nacionais, de modo geral, têm admitido, e assim também as partes interessadas, o desenvolvimento de instâncias arbitrais como modalidade de solução de controvérsias com igual poder e força normativa que as provisões dos tribunais ordinários. A alguém poderia soar como mecanismo de derrogação da força do Estado, mas, ao contrário, o Estado valoriza e protege a solução que os cidadãos ou empresas de comum acordo resolvem adotar em nome da paz e segurança jurídicas.
Essa orientação estatal, todavia, reserva alguns padrões de acertamento impondo limites e condutas necessárias para a absorção do veredicto arbitral como poder de decisão do Estado em face da disputa. Afinal, a arbitragem opera com o consentimento do Estado que lhe dá por via indireta o poder de dissipar controvérsias.
É certo que a arbitragem comercial internacional, ipso facto, obedece também a regras internacionais consumadas, entre outras, na Convenção de Nova Iorque e nas Convenções Interamericanas de Arbitragem Comercial Internacional, havendo a Organização das Nações Unidas igualmente editado em favor da uniformização entre as nações aderentes uma Lei Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDMI em inglês). Em obséquio dessas regras internacionais subscritas pelos estados-parte que as aceitaram, a arbitragem se reveste de legitimidade especial em face dos interessados, mas particularmente em face dos Estados.
Decorre desse quadro normativo que a arbitragem comercial internacional constitui mecanismo de solução de controvérsias comerciais altamente especializado e altamente acreditável a despeito de possíveis discussões do laudo ou sentença arbitral e suscetibilidade, em certas circunstâncias, de serem sujeitos à discussão pela autoridade judiciaria do Estado ou país onde tenham de produzir efeitos.
Papel dos Juízes
A magistratura judicial, a quem se encarrega de produzir a jurisdição judicial em nome do Estado, em tal perspectiva, pode assumir relevante papel em face da arbitragem comercial internacional visto que, à proposição de qualquer das partes, poderá ser demandada a dizer da constitucionalidade da solução diante da lei constitucional do Estado de aplicação do laudo, ou da legalidade de seus termos diante das regras internas de absorção da deliberação arbitral.
Assim, porque a arbitragem comercial internacional não exclui o domínio da jurisdição nacional, ela própria derivação da soberania do Estado. Embora dominada pelos valores constitucionais nacionais a arbitragem tem liberdade de utilização de costumes, praxes, práticas comerciais usuais ou consuetudinárias, que, de resto, imemorialmente constituem a alma do comércio, quando não a origem do direito correspondente, e que por essa mesma razão têm sido recebidas invariavelmente pela ordem jurídica nacional.
Nada obstante, à magistratura está reservada a avaliação da correta aplicação desses padrões, seja em face da legislação nacional seja em termos, da aplicação da legislação de outro estado quando em face dela também se tenha reclamado a arbitragem. Os juízes com jurisdição judicial, entretanto, têm estreitos limites de ponderação no que respeita à arbitragem comercial internacional e ao laudo respectivo. Por certo não lhes cabe discutir a opção, nem a oportunidade ou conveniência do arbitramento, cingidos sempre à cláusula ou acordo que legitima essa modalidade de resolução de conflitos comerciais. Note-se que quando as partes elegem o modelo arbitral para resolverem a disputa abrem mão da discussão judicial sobre o mérito da controvérsia.
Assim, porque a regra constitucional universal de acesso à jurisdição (no Brasil, estabelecida no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) é limitada pela sua própria exceção lógica que tem sede na possibilidade das partes resolverem suas pendências por ato de livre e mútuo ajustamento (Recurso de Agravo na Sentença Estrangeira 5.206-Espanha, STF. Relator Ministro Pertence, Plenário, 12.12.2001). O que cabe aos juízes, de acordo com a legislação, é considerar ou avaliar eventuais desajustes formais expressamente fixados nas Convenções Internacionais, na lei ou no contrato ou cláusula de arbitragem. Dito de outro modo, os magistrados judiciais exercem a jurisdição do Estado apenas a pedido da parte e nos limites do controle formal ainda quando a afronta à forma possa determinar alteração do conteúdo do laudo.
A Constituição do Brasil (artigo 105, inciso I, alínea ‘i’), nada obstante, prescreve que a sentença estrangeira — aqui estendida à sentença arbitral por aplicação do artigo 35 da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996) — deve ser homologada para ter efeitos no seu território isto porque quanto a esta “... sendo válida a equiparação legal, no plano interno, da sentença arbitral à judiciária, a fortiori, nada impede a outorga da qualificação de sentença ao laudo arbitral estrangeiro, de modo a admitir a sua homologabilidade pelo Supremo Tribunal Federal, para que, no foro, ganhe eficácia própria de decisões judiciais” (Recurso de Agravo em Sentença Estrangeira 5.206/Reino da Espanha).
Por isso, de acordo com essa regra é necessário submeter ao tribunal competente — hoje o Superior Tribunal de Justiça por disposição da Emenda Constitucional 45/2004 — o laudo arbitral para executá-lo no Brasil, de modo que é a esse tribunal que cabe o exercício do juízo de homologação embora a aplicação dos seus termos, e eventuais limites, possam ser questionados ou demandados ao juízo comum ordinário no âmbito de ação judicial cabível na jurisdição nacional. Ao juiz ordinário não cabe qualquer outro juízo que não o de mera execução dos termos do laudo arbitral. Assim, o papel do juiz do tribunal ou ordinário fica restrito ao controle da aplicação e execução sem embargo de, para tanto, realizar possível interpretação de seus termos o que, é verdade, pode suscitar interminável discussão sobre os limites de ambas as atuações.
Arbitragem e jurisdição
Como de certo modo antecipado pelo exame do papel do juiz no juízo arbitral, vale ressaltar a distinção e convivência entre arbitragem e jurisdição, como modalidades de solução de controvérsias comerciais, aqui entendida esta última na acepção de jurisdição judicial.
A questão vem ao debate pela reiteração, ao menos no Brasil, de sucessivas impugnações ao laudo arbitral por uma das partes, quase sempre vencida e domiciliada no país onde se vai executá-la, buscando reabrir a controvérsia à sombra da jurisdição nacional. A própria filosofia da arbitragem, contudo, já de si excludente da jurisdição judicial para afastar os inconvenientes de demora, publicidade, custo e especialidade, desautoriza essas medidas, mas, por força da prescrição constitucional do artigo 5º, inciso XXXV, não é possível afastar a priori tal a pretensão contra a homologação ou, no extremo, a discussão da execução do laudo arbitral por alegada violação de alguma regra ou conduta de mérito.
Nessa linha, a arbitragem e a jurisdição judicial se completam posto que esta não poderá ir além dos limites deliberativos daquela, naquilo que tem de indiscutível, irrecorrível e inquestionável pelos limites do acordo de arbitragem ou nos limites da cláusula de arbitragem que regem o contrato que a contém.
Parece indisputável que a arbitragem comercial internacional tal como recebida pelo ordenamento jurídico nacional exerce papel relevantíssimo na preservação da segurança e legalidade das condutas comerciais e que a mitigação da jurisdição judicial não ofende nenhum padrão constitucional, seja de garantia ou de direito individual. Ao contrário, sendo produção extra estatal de direito oriunda de vertente acomodada ao sistema jurídico, a arbitragem por si só não ofende nem impede a produção de decisão judicial nem diminui o poder do Estado de produzi-la sem condições.
Instrumentos legais
O regime de solução de controvérsias por arbitramento comercial internacional não dispensa a disciplina legal apesar de originar-se de antiquíssimas práticas desde as corporações de comércio medievais que sequer escaparam da observação da literatura, como consagrado no Mercador de Veneza de Shakespeare.
A crescente expansão do comércio internacional, e mais recentemente da velocidade das transações planetárias mediante simples comunicações por sistema eletrônico ou informatizado, desafia igual celeridade na solução dos conflitos comerciais internacionais. Daí porque a celeridade já mencionada várias vezes como motivação essencial na condução da solução dos conflitos por certo reclamava logicamente modalidades de desembaraço de disputas sem prejuízo do regime judiciário institucional formal (que afinal é subsidiário), em favor de mecanismo ágil e que em suma responda a um elementar principio de igualdade já que pela arbitragem o caso é julgado pelos iguais. De fato, as pendências comerciais, na modalidade do arbitramento internacional são resolvidas pelos peritos que são especialistas da área ou podem ser recrutados dentre eles privilegiando naturalmente o velho principio do julgamento pelos iguais. Provavelmente a decisão por eles produzida será acolhida com maior credibilidade e legitimidade.
Os textos normativos de direito internacional que orientam o regime de arbitramento comercial internacional no nosso país estão contidos na Convenção sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de Nova York, de 10 de junho de 1958, promulgada no Brasil pelo Decreto 4.311, de 23 de julho de 2002; a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1975, Panamá (promulgada pelo Decreto 1.902. de 9.5.1996), e Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, de Montevideo 1979 (promulgada pelo Decreto 2.411, de 2.12.1997), além da Lei Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDMI) da ONU de caráter programático. Cabe assinalar ainda que, no âmbito do Mercosul, foi editado com regras semelhantes o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul de 23.7.1998, promulgado no Brasil pelo Decreto 4.719, de 4.5.2003.
No âmbito nacional interno regula a arbitragem a Lei 9.307, de 22 de julho de 2002 (que se aplica à arbitragem comercial internacional) cujo texto sofreu seguidas discussões no Poder Judiciário nacional brasileiro, a começar pelo julgamento no já citado Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5.206-Reino da Espanha, ocasião em que, por maioria, a Corte declarou constitucional a Lei 9.307 de 23.9.96, vencidos alguns juízes que declaravam a inconstitucionalidade do artigo 6º, parágrafo único; artigo 7º, e parágrafos; no artigo 41, das redações do artigo 267, inciso VII e do artigo 301, inciso IX do CPC; e do artigo 42 da lei em referência, todos relativos à possível violação de garantia constitucional de acesso á jurisdição. A discussão, como visto nas razões dos votos, envolveu boa parte do tribunal que se dividiu acentuadamente quanto às limitações da jurisdição judicial. Com o tempo a aceitação das regras questionadas foi se consolidando e apaziguada a aplicação da lei. Recentemente, o Parlamento nacional vem discutindo um projeto de lei pelo qual se oferece nova redação a alguns dos dispositivos dessa Lei 9.307/96 em vigor (cuida-se do Projeto de Lei do Senado (PLS) 406, de 2013, já aprovado na casa e enviado à Câmara dos Deputados em fevereiro de 2014), com proposta de alteração de alguns dispositivos mas sem alterar sua estrutura e alcance. Por exemplo, uma novidade está em abrir espaço para o arbitramento comercial internacional em que sejam interessadas empresas estatais.
A lei nacional brasileira citada (Lei 9.307/96), é bom referir, foi editada tendo em conta as linhas gerais da Convenção de Nova York e as das Convenções Interamericanas. A propósito vale recordar o teor dos normativos principais desses atos internacionais que o Brasil veio a ratificar e depois adotar no seu ordenamento interno com força de lei.
Tanto a Convenção de Nova York como as Convenções Interamericanas estabelecem como válidas internamente as deliberações arbitrais para solução de controvérsias comerciais entre pessoas físicas ou jurídicas, as quais só poderão ser indeferidas a) se as partes forem incapazes; b) não tenham recebido a notificação ou citação regular; c) se a divergência não estiver prevista no acordo ou clausula de arbitragem; d) se a autoridade arbitral não tenha observado os termos do acordo; e) ou que a sentença ainda não se tenha tornado obrigatória ou tenha sido anulada. Também poderão ser recusados o reconhecimento e execução das sentenças arbitrais que tenham por objeto divergência que não possa ser resolvida por arbitramento, ou seja contrária à orem pública.
Esses normativos são comuns aos atos internacionais mencionados e depois de aprovados pelo Poder Legislativo, passaram a valer internamente com força de lei interna à base das quais o Parlamento nacional editou a Lei 9.307/96 para disciplina interna da arbitragem.
Em face desse quadro legal a jurisdição nacional brasileira tem atuado com respeito ao regime arbitral internacional e em conformidade com as regras internas de natureza constitucional e infraconstitucional produzindo um conjunto razoável de precedentes judiciais pelos quais interpreta e harmoniza os pronunciamentos com as necessidades da dinâmica comercial.
Até a mudança constitucional que passou a atribuir ao Superior Tribunal de Justiça (o tribunal encarregado de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional), cabia ao Supremo Tribunal Federal (o tribunal encarregado de uniformizar a interpretação da Constituição federal) o exame e apreciação da homologação da sentença estrangeiro à qual se equipara o laudo ou sentença arbitral.
O principal julgamento na espécie deu-se no já mencionado Agravo Regimental em Sentença Estrangeira 5.206 do Reino da Espanha em que foi posto à prova um conjunto de diversos dispositivos da Lei 9.307. Nesse julgamento ficou assentado que o laudo arbitral comporta execução específica com força de decisão judicial, pois “a manifestação de vontade da parte na clausula compromissória quando da celebração do contrato e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso, não ofendem o art. 5º, XXXV da Constituição”.
Assim, e depois em vários outros, o precedente estabeleceu que na forma da lei arbitral o laudo tem força executiva e valor de sentença judicial. No mesmo sentido, o acórdão na Sentença Estrangeira Contestada 5.847- Reino Unido (Relator Ministro Mauricio Correa, Pleno, Diário da Justiça de 17.12.99), na Sentença Estrangeira Contestada 5.828-Reino da Noruega (Relator Ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça de 23.02.2001) em que se observou a aplicabilidade imediata da Lei 9.307/96. Na Sentença Estrangeira Contestada 753 Reino Unido (Relator Ministro Mauricio Correa, Diário da Justiça de 4.10.2002) foi negada a homologação por falta de comprovação do acordo arbitral.
Após a Emenda Constitucional, que atribuiu ao Superior Tribunal de Justiça o processo e julgamento da homologação em questão, as sentenças arbitrais passaram a ser objeto de jurisprudência dessa Corte. Na Sentença estrangeira Contestada 854/EX (Relator Ministro Benetti, Corte Especial, Diário da Justiça de 7.11.2013) estabeleceu-se que no cotejo de decisões judiciais sobre a sentença arbitral — uma sentença judicial editada no estrangeiro e outra no Brasil — prevalece a que primeiro transitar em julgado. Na Sentença Estrangeira Contestada 3.891/EX (Relator Ministro Humberto Martins, Corte Especial, Diário da Justiça de 16.10.2013) a Corte considerou que a falha ou defeito de citação alegado como em outros caos já apreciados poderia ser suprido pelo conhecimento do processo arbitral (Sentença Estrangeira Contestada 6.753/EX, Relatora Ministra Maria Thereza, Corte Especial, Diário da Justiça de 19.8.2013) ou pela admissão da existência do processo (Sentença Estrangeira Contestada 4.213/EX, Relator Ministro João Otávio Noronha, Corte Especial, Diário da Justiça de 26.6.2013). Até porque a citação, nesse caso, pode observar a lei estrangeira que nem sempre tem forma especial ou específica podendo dar-se por via simplificada ou eletrônica, telefônica, telegrama, etc. (Sentença Estrangeira Contestada 4.024/EX, Relator Ministra Nancy, Diário da Justiça de 13.9.2013). Na Sentença Estrangeira Contestada 856/EX (Relator Ministro Direito, Corte Especial, j. 18.5.2005) a Corte admitiu a existência da cláusula compromissória apesar de não escrita no contrato por inferir dos seus termos e condutas das partes a estipulação desse fator de composição extrajudicial além de ter a parte oferecido defesa.
De outra parte, são numerosos os caso em que o tribunal decidiu ser incabível o exame do mérito da sentença arbitral sem que houvesse violação de qualquer preceito ou regra constitucional ou legal. E nem mesmo a alegação de pagamento da condenação arbitral exclui a homologação do laudo sentencial (Sentença Estrangeira 4.980-GB, decisão monocrática do Ministro Presidente, j. 1.6.2011).
Resolução 9 do Superior Tribunal de Justiça
Historicamente, a competência para a homologação da sentença estrangeira era, desde a época do Império, do Supremo Tribunal Federal, corte guardiã da Constituição Federal.
A Emenda Constitucional 45, ao incluir a alínea “i” no inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, deslocou, para o Superior Tribunal de Justiça — Corte responsável por uniformizar a aplicação da legislação infraconstitucional —, a competência, para a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.
Em consequência, a Presidência do Superior Tribunal de Justiça editou a resolução 22, de 31/12/04 a qual, além de instituir a classe processual correspondente, dispunha, “em caráter transitório, sobre a competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional 45/2004”, norma posteriormente revogada pela Resolução 09, de 04/05/2005, que se e encontra em vigor até o momento.
A referida resolução muito manteve das anteriores disposições do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ao estabelecer os requisitos para a tramitação e homologação das sentenças estrangeiras no Brasil, incluindo-se, nestas, a sentença arbitral estrangeira (artigo 4º, parágrafo 1º). Porém, inovando em relação às normas contidas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a Resolução 09/2005 introduziu a previsão da admissibilidade de tutela de urgência nos procedimentos de homologação de sentença estrangeira (artigo 4º, parágrafo 3º).
O procedimento de homologação da sentença arbitral estrangeira deve, ainda, observar o contido nos artigos 15 da Lei de Introdução ao Código Civil (a qual traz normas gerais sobre a aplicação do direito como um todo), 12 a 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (diploma que disciplina a aplicação das leis em geral) e à Lei 9.307, de 23/09/1996, que dispõe sobre a arbitragem.
Nos termos do artigo 5º da Resolução 09/2005, “constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:
Além dos requisitos formais elencados na Resolução, é elemento essencial à homologação da sentença estrangeira a condição de que esta não ofenda à soberania nacional ou à ordem pública.
Por outro lado, os casos específicos de negativa da homologação da sentença arbitral estrangeira vem elencados nos artigos 38 e 39 da Lei 9.307, de 23/09/1996, segundo os quais:
Análise critica
Do quanto foi exposto parece necessário ressaltar ser a arbitragem uma modalidade de extinção de controvérsias por via extrajudicial altamente recomendável pela celeridade e pela conveniência e eficiência.
É certo que não se trata de mecanismo de solução de disputas entre partes pobres ou desamparadas de recursos financeiros e assessoramento jurídico técnico especial e até sofisticado. O custo financeiro da arbitragem é significativo, mas se compensa com a possibilidade de controle pelas partes que detêm a indicação dos peritos e acesso ao desenvolvimento dos trabalhos arbitrais.
De outro lado, o estimulo oficial pelo Estado pela proliferação de cortes arbitrais em contrapartida desafoga os tribunais judiciais tanto de encargos judiciais quanto de dificuldades técnicas muitas vezes de extraordinária complexidade para o exame de juízes que assim retardam o desate da causa.
Os possíveis questionamentos, como no início da aplicação da Lei 9.307/96, multiplicados pela novidade e, sobretudo, pelo conservadorismo dos processualistas e constitucionalistas mais ortodoxos deixou de ser objeto de defesa pela via da sustentação da soberania nacional ou interesse público. Tal consideração perdeu o significado ante a manifesta evidência de vantagem para a segurança jurídica como seus reflexos na economia de grandes empreendimentos com reflexo natural na economia pública de investimentos e recepção de capitais internacionais própria do modelo adotado pela administração e governo.
A participação dos juízes e magistrados nacionais nessa tarefa tal como descrita por essa razão tem se comportado dentro dos limites da finalidade da arbitragem sem desprezar a defesa da soberania e ordem pública, mas igualmente sem desprestigiar a solução negociada entre partes com o aval da ordem jurídica constitucional e legal interna, com o escrupuloso cumprimento das normas das Convenções de Nova York e Interamericanas antes indicadas.
Decorrência desses postulados consolidados pela experiência, cabe registrar que se deve incentivar no exercício das atividades de arbitragem comercial internacional o uso de redação clara e objetiva nos laudos e veredictos que devem estar despidos de excessiva liturgia e solenidades de modo que sejam inteiramente inteligíveis assim pelos interessados mas igualmente por terceiros, eventualmente não especializados, que tenham ou devam ter acesso aos seus termos. Deve ser estimulada a forma compreensível e fácil na redação dos laudos, evitando reproduzir no campo da arbitragem comercial internacional os procedimentos e burocracias que tanto se condenam na área da jurisdição judiciária e que provocam demora ou lentidão. Se a arbitragem buscar acelerar a solução de desavenças convém que assim se conduzam os laudos ou sentenças arbitrais.
Cabe assinalar ainda que o uso e exercício da arbitragem, sobretudo na área comercial internacional, têm revelado, pela própria natureza das discussões e ante a incessante evolução das práticas ou costumes comerciais num mundo cada vez mais globalizado e sem fronteiras, a necessidade de modular e flexibilizar certas noções clássicas geradas em outras época. Assim, conceitos de ordem pública, soberania nacional, boas práticas, etc. vêm sofrendo sucessivas modificações à medida que seus limites vêm cedendo ante o incremento de ferramentas de comunicação e operação no campo do comércio internacional, circunstância que tanto os operadores quanto os destinatários da arbitragem podem e devem ter presente cada vez mais de perto.
No caso do Brasil, além disso, vale assinalar que o controle judicial da arbitragem comercial internacional está sujeita apenas ao Superior Tribunal de Justiça, o que faz com que a jurisprudência dele emanada tenha elevado grau de padronização, harmonia e univocidade para o bem dos resultados dessa prática de pacificação nas relações entre partes. Aliás, essa é a constatação que seus juízes, dentre eles o autor, recolhem ao longo dos anos de atuação.
A arbitragem comercial internacional é resultado da necessidade de solução rápida e segura das controvérsias oriundas de negócios ou contratos de âmbito supra ou ultra nacional, envolvendo partes interessadas domiciliadas em estados diversos mediante a deliberação por árbitros escolhidos de cujo veredicto aceitem o compromisso de observá-lo.
Papel da arbitragem
A opção ou escolha por deliberação através de árbitros tem revelado uma prática preferencial entre as partes comerciantes ou industriais como modalidade de solução célere e efetiva, reduzindo custos e despesas com demorados processos judiciais, sobretudo quando envolvendo mais de um país ou mais de uma ordem jurídica.
Nesse sentido a arbitragem assume uma especial importância substitutiva da responsabilidade do Estado de fornecer segurança jurídica e paz social. Ou em outros termos, a solução negociada por arbitragem de “juízes de fato” com o conhecimento técnico específico propõe ocupar um espaço de atuação reservado ordinariamente pelas agencias estatais de jurisdição judiciária em favor de segurança e o máximo de justiça comercial ou industrial, a dizer que a jurisdição dos Estados nessa matéria, antes do mais, precisa atender às necessidades comerciais e industriais em cujo ambiente vale mais a celeridade que a certeza no campo dos negócios, embora seja aceitável que a certeza produzida pela autoridade judiciaria se revista de maior importância institucional. Aqui, na arbitragem comercial, as partes abrem mão de demorada certeza judicial em favor da certeza negocial cujos eventuais riscos compensam e, conforme o caso, quando ocorrentes, os prejuízos podem ser recuperados mais rapidamente.
Assim, o arbitramento comercial com suas regras próprias constitui alternativa equivalente à deliberação judicial e, como tal, uma vez editado o laudo arbitral extingue as controvérsias. Por essa razão, as ordens jurídicas nacionais, de modo geral, têm admitido, e assim também as partes interessadas, o desenvolvimento de instâncias arbitrais como modalidade de solução de controvérsias com igual poder e força normativa que as provisões dos tribunais ordinários. A alguém poderia soar como mecanismo de derrogação da força do Estado, mas, ao contrário, o Estado valoriza e protege a solução que os cidadãos ou empresas de comum acordo resolvem adotar em nome da paz e segurança jurídicas.
Essa orientação estatal, todavia, reserva alguns padrões de acertamento impondo limites e condutas necessárias para a absorção do veredicto arbitral como poder de decisão do Estado em face da disputa. Afinal, a arbitragem opera com o consentimento do Estado que lhe dá por via indireta o poder de dissipar controvérsias.
É certo que a arbitragem comercial internacional, ipso facto, obedece também a regras internacionais consumadas, entre outras, na Convenção de Nova Iorque e nas Convenções Interamericanas de Arbitragem Comercial Internacional, havendo a Organização das Nações Unidas igualmente editado em favor da uniformização entre as nações aderentes uma Lei Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDMI em inglês). Em obséquio dessas regras internacionais subscritas pelos estados-parte que as aceitaram, a arbitragem se reveste de legitimidade especial em face dos interessados, mas particularmente em face dos Estados.
Decorre desse quadro normativo que a arbitragem comercial internacional constitui mecanismo de solução de controvérsias comerciais altamente especializado e altamente acreditável a despeito de possíveis discussões do laudo ou sentença arbitral e suscetibilidade, em certas circunstâncias, de serem sujeitos à discussão pela autoridade judiciaria do Estado ou país onde tenham de produzir efeitos.
Papel dos Juízes
A magistratura judicial, a quem se encarrega de produzir a jurisdição judicial em nome do Estado, em tal perspectiva, pode assumir relevante papel em face da arbitragem comercial internacional visto que, à proposição de qualquer das partes, poderá ser demandada a dizer da constitucionalidade da solução diante da lei constitucional do Estado de aplicação do laudo, ou da legalidade de seus termos diante das regras internas de absorção da deliberação arbitral.
Assim, porque a arbitragem comercial internacional não exclui o domínio da jurisdição nacional, ela própria derivação da soberania do Estado. Embora dominada pelos valores constitucionais nacionais a arbitragem tem liberdade de utilização de costumes, praxes, práticas comerciais usuais ou consuetudinárias, que, de resto, imemorialmente constituem a alma do comércio, quando não a origem do direito correspondente, e que por essa mesma razão têm sido recebidas invariavelmente pela ordem jurídica nacional.
Nada obstante, à magistratura está reservada a avaliação da correta aplicação desses padrões, seja em face da legislação nacional seja em termos, da aplicação da legislação de outro estado quando em face dela também se tenha reclamado a arbitragem. Os juízes com jurisdição judicial, entretanto, têm estreitos limites de ponderação no que respeita à arbitragem comercial internacional e ao laudo respectivo. Por certo não lhes cabe discutir a opção, nem a oportunidade ou conveniência do arbitramento, cingidos sempre à cláusula ou acordo que legitima essa modalidade de resolução de conflitos comerciais. Note-se que quando as partes elegem o modelo arbitral para resolverem a disputa abrem mão da discussão judicial sobre o mérito da controvérsia.
Assim, porque a regra constitucional universal de acesso à jurisdição (no Brasil, estabelecida no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”) é limitada pela sua própria exceção lógica que tem sede na possibilidade das partes resolverem suas pendências por ato de livre e mútuo ajustamento (Recurso de Agravo na Sentença Estrangeira 5.206-Espanha, STF. Relator Ministro Pertence, Plenário, 12.12.2001). O que cabe aos juízes, de acordo com a legislação, é considerar ou avaliar eventuais desajustes formais expressamente fixados nas Convenções Internacionais, na lei ou no contrato ou cláusula de arbitragem. Dito de outro modo, os magistrados judiciais exercem a jurisdição do Estado apenas a pedido da parte e nos limites do controle formal ainda quando a afronta à forma possa determinar alteração do conteúdo do laudo.
A Constituição do Brasil (artigo 105, inciso I, alínea ‘i’), nada obstante, prescreve que a sentença estrangeira — aqui estendida à sentença arbitral por aplicação do artigo 35 da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996) — deve ser homologada para ter efeitos no seu território isto porque quanto a esta “... sendo válida a equiparação legal, no plano interno, da sentença arbitral à judiciária, a fortiori, nada impede a outorga da qualificação de sentença ao laudo arbitral estrangeiro, de modo a admitir a sua homologabilidade pelo Supremo Tribunal Federal, para que, no foro, ganhe eficácia própria de decisões judiciais” (Recurso de Agravo em Sentença Estrangeira 5.206/Reino da Espanha).
Por isso, de acordo com essa regra é necessário submeter ao tribunal competente — hoje o Superior Tribunal de Justiça por disposição da Emenda Constitucional 45/2004 — o laudo arbitral para executá-lo no Brasil, de modo que é a esse tribunal que cabe o exercício do juízo de homologação embora a aplicação dos seus termos, e eventuais limites, possam ser questionados ou demandados ao juízo comum ordinário no âmbito de ação judicial cabível na jurisdição nacional. Ao juiz ordinário não cabe qualquer outro juízo que não o de mera execução dos termos do laudo arbitral. Assim, o papel do juiz do tribunal ou ordinário fica restrito ao controle da aplicação e execução sem embargo de, para tanto, realizar possível interpretação de seus termos o que, é verdade, pode suscitar interminável discussão sobre os limites de ambas as atuações.
Arbitragem e jurisdição
Como de certo modo antecipado pelo exame do papel do juiz no juízo arbitral, vale ressaltar a distinção e convivência entre arbitragem e jurisdição, como modalidades de solução de controvérsias comerciais, aqui entendida esta última na acepção de jurisdição judicial.
A questão vem ao debate pela reiteração, ao menos no Brasil, de sucessivas impugnações ao laudo arbitral por uma das partes, quase sempre vencida e domiciliada no país onde se vai executá-la, buscando reabrir a controvérsia à sombra da jurisdição nacional. A própria filosofia da arbitragem, contudo, já de si excludente da jurisdição judicial para afastar os inconvenientes de demora, publicidade, custo e especialidade, desautoriza essas medidas, mas, por força da prescrição constitucional do artigo 5º, inciso XXXV, não é possível afastar a priori tal a pretensão contra a homologação ou, no extremo, a discussão da execução do laudo arbitral por alegada violação de alguma regra ou conduta de mérito.
Nessa linha, a arbitragem e a jurisdição judicial se completam posto que esta não poderá ir além dos limites deliberativos daquela, naquilo que tem de indiscutível, irrecorrível e inquestionável pelos limites do acordo de arbitragem ou nos limites da cláusula de arbitragem que regem o contrato que a contém.
Parece indisputável que a arbitragem comercial internacional tal como recebida pelo ordenamento jurídico nacional exerce papel relevantíssimo na preservação da segurança e legalidade das condutas comerciais e que a mitigação da jurisdição judicial não ofende nenhum padrão constitucional, seja de garantia ou de direito individual. Ao contrário, sendo produção extra estatal de direito oriunda de vertente acomodada ao sistema jurídico, a arbitragem por si só não ofende nem impede a produção de decisão judicial nem diminui o poder do Estado de produzi-la sem condições.
Instrumentos legais
O regime de solução de controvérsias por arbitramento comercial internacional não dispensa a disciplina legal apesar de originar-se de antiquíssimas práticas desde as corporações de comércio medievais que sequer escaparam da observação da literatura, como consagrado no Mercador de Veneza de Shakespeare.
A crescente expansão do comércio internacional, e mais recentemente da velocidade das transações planetárias mediante simples comunicações por sistema eletrônico ou informatizado, desafia igual celeridade na solução dos conflitos comerciais internacionais. Daí porque a celeridade já mencionada várias vezes como motivação essencial na condução da solução dos conflitos por certo reclamava logicamente modalidades de desembaraço de disputas sem prejuízo do regime judiciário institucional formal (que afinal é subsidiário), em favor de mecanismo ágil e que em suma responda a um elementar principio de igualdade já que pela arbitragem o caso é julgado pelos iguais. De fato, as pendências comerciais, na modalidade do arbitramento internacional são resolvidas pelos peritos que são especialistas da área ou podem ser recrutados dentre eles privilegiando naturalmente o velho principio do julgamento pelos iguais. Provavelmente a decisão por eles produzida será acolhida com maior credibilidade e legitimidade.
Os textos normativos de direito internacional que orientam o regime de arbitramento comercial internacional no nosso país estão contidos na Convenção sobre Reconhecimento e Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras de Nova York, de 10 de junho de 1958, promulgada no Brasil pelo Decreto 4.311, de 23 de julho de 2002; a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1975, Panamá (promulgada pelo Decreto 1.902. de 9.5.1996), e Convenção Interamericana sobre Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros, de Montevideo 1979 (promulgada pelo Decreto 2.411, de 2.12.1997), além da Lei Modelo da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (CNUDMI) da ONU de caráter programático. Cabe assinalar ainda que, no âmbito do Mercosul, foi editado com regras semelhantes o Acordo sobre Arbitragem Comercial Internacional do Mercosul de 23.7.1998, promulgado no Brasil pelo Decreto 4.719, de 4.5.2003.
No âmbito nacional interno regula a arbitragem a Lei 9.307, de 22 de julho de 2002 (que se aplica à arbitragem comercial internacional) cujo texto sofreu seguidas discussões no Poder Judiciário nacional brasileiro, a começar pelo julgamento no já citado Agravo Regimental na Sentença Estrangeira 5.206-Reino da Espanha, ocasião em que, por maioria, a Corte declarou constitucional a Lei 9.307 de 23.9.96, vencidos alguns juízes que declaravam a inconstitucionalidade do artigo 6º, parágrafo único; artigo 7º, e parágrafos; no artigo 41, das redações do artigo 267, inciso VII e do artigo 301, inciso IX do CPC; e do artigo 42 da lei em referência, todos relativos à possível violação de garantia constitucional de acesso á jurisdição. A discussão, como visto nas razões dos votos, envolveu boa parte do tribunal que se dividiu acentuadamente quanto às limitações da jurisdição judicial. Com o tempo a aceitação das regras questionadas foi se consolidando e apaziguada a aplicação da lei. Recentemente, o Parlamento nacional vem discutindo um projeto de lei pelo qual se oferece nova redação a alguns dos dispositivos dessa Lei 9.307/96 em vigor (cuida-se do Projeto de Lei do Senado (PLS) 406, de 2013, já aprovado na casa e enviado à Câmara dos Deputados em fevereiro de 2014), com proposta de alteração de alguns dispositivos mas sem alterar sua estrutura e alcance. Por exemplo, uma novidade está em abrir espaço para o arbitramento comercial internacional em que sejam interessadas empresas estatais.
A lei nacional brasileira citada (Lei 9.307/96), é bom referir, foi editada tendo em conta as linhas gerais da Convenção de Nova York e as das Convenções Interamericanas. A propósito vale recordar o teor dos normativos principais desses atos internacionais que o Brasil veio a ratificar e depois adotar no seu ordenamento interno com força de lei.
Tanto a Convenção de Nova York como as Convenções Interamericanas estabelecem como válidas internamente as deliberações arbitrais para solução de controvérsias comerciais entre pessoas físicas ou jurídicas, as quais só poderão ser indeferidas a) se as partes forem incapazes; b) não tenham recebido a notificação ou citação regular; c) se a divergência não estiver prevista no acordo ou clausula de arbitragem; d) se a autoridade arbitral não tenha observado os termos do acordo; e) ou que a sentença ainda não se tenha tornado obrigatória ou tenha sido anulada. Também poderão ser recusados o reconhecimento e execução das sentenças arbitrais que tenham por objeto divergência que não possa ser resolvida por arbitramento, ou seja contrária à orem pública.
Esses normativos são comuns aos atos internacionais mencionados e depois de aprovados pelo Poder Legislativo, passaram a valer internamente com força de lei interna à base das quais o Parlamento nacional editou a Lei 9.307/96 para disciplina interna da arbitragem.
Em face desse quadro legal a jurisdição nacional brasileira tem atuado com respeito ao regime arbitral internacional e em conformidade com as regras internas de natureza constitucional e infraconstitucional produzindo um conjunto razoável de precedentes judiciais pelos quais interpreta e harmoniza os pronunciamentos com as necessidades da dinâmica comercial.
Até a mudança constitucional que passou a atribuir ao Superior Tribunal de Justiça (o tribunal encarregado de uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional), cabia ao Supremo Tribunal Federal (o tribunal encarregado de uniformizar a interpretação da Constituição federal) o exame e apreciação da homologação da sentença estrangeiro à qual se equipara o laudo ou sentença arbitral.
O principal julgamento na espécie deu-se no já mencionado Agravo Regimental em Sentença Estrangeira 5.206 do Reino da Espanha em que foi posto à prova um conjunto de diversos dispositivos da Lei 9.307. Nesse julgamento ficou assentado que o laudo arbitral comporta execução específica com força de decisão judicial, pois “a manifestação de vontade da parte na clausula compromissória quando da celebração do contrato e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar compromisso, não ofendem o art. 5º, XXXV da Constituição”.
Assim, e depois em vários outros, o precedente estabeleceu que na forma da lei arbitral o laudo tem força executiva e valor de sentença judicial. No mesmo sentido, o acórdão na Sentença Estrangeira Contestada 5.847- Reino Unido (Relator Ministro Mauricio Correa, Pleno, Diário da Justiça de 17.12.99), na Sentença Estrangeira Contestada 5.828-Reino da Noruega (Relator Ministro Ilmar Galvão, Diário da Justiça de 23.02.2001) em que se observou a aplicabilidade imediata da Lei 9.307/96. Na Sentença Estrangeira Contestada 753 Reino Unido (Relator Ministro Mauricio Correa, Diário da Justiça de 4.10.2002) foi negada a homologação por falta de comprovação do acordo arbitral.
Após a Emenda Constitucional, que atribuiu ao Superior Tribunal de Justiça o processo e julgamento da homologação em questão, as sentenças arbitrais passaram a ser objeto de jurisprudência dessa Corte. Na Sentença estrangeira Contestada 854/EX (Relator Ministro Benetti, Corte Especial, Diário da Justiça de 7.11.2013) estabeleceu-se que no cotejo de decisões judiciais sobre a sentença arbitral — uma sentença judicial editada no estrangeiro e outra no Brasil — prevalece a que primeiro transitar em julgado. Na Sentença Estrangeira Contestada 3.891/EX (Relator Ministro Humberto Martins, Corte Especial, Diário da Justiça de 16.10.2013) a Corte considerou que a falha ou defeito de citação alegado como em outros caos já apreciados poderia ser suprido pelo conhecimento do processo arbitral (Sentença Estrangeira Contestada 6.753/EX, Relatora Ministra Maria Thereza, Corte Especial, Diário da Justiça de 19.8.2013) ou pela admissão da existência do processo (Sentença Estrangeira Contestada 4.213/EX, Relator Ministro João Otávio Noronha, Corte Especial, Diário da Justiça de 26.6.2013). Até porque a citação, nesse caso, pode observar a lei estrangeira que nem sempre tem forma especial ou específica podendo dar-se por via simplificada ou eletrônica, telefônica, telegrama, etc. (Sentença Estrangeira Contestada 4.024/EX, Relator Ministra Nancy, Diário da Justiça de 13.9.2013). Na Sentença Estrangeira Contestada 856/EX (Relator Ministro Direito, Corte Especial, j. 18.5.2005) a Corte admitiu a existência da cláusula compromissória apesar de não escrita no contrato por inferir dos seus termos e condutas das partes a estipulação desse fator de composição extrajudicial além de ter a parte oferecido defesa.
De outra parte, são numerosos os caso em que o tribunal decidiu ser incabível o exame do mérito da sentença arbitral sem que houvesse violação de qualquer preceito ou regra constitucional ou legal. E nem mesmo a alegação de pagamento da condenação arbitral exclui a homologação do laudo sentencial (Sentença Estrangeira 4.980-GB, decisão monocrática do Ministro Presidente, j. 1.6.2011).
Resolução 9 do Superior Tribunal de Justiça
Historicamente, a competência para a homologação da sentença estrangeira era, desde a época do Império, do Supremo Tribunal Federal, corte guardiã da Constituição Federal.
A Emenda Constitucional 45, ao incluir a alínea “i” no inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, deslocou, para o Superior Tribunal de Justiça — Corte responsável por uniformizar a aplicação da legislação infraconstitucional —, a competência, para a homologação de sentenças estrangeiras e a concessão de exequatur às cartas rogatórias.
Em consequência, a Presidência do Superior Tribunal de Justiça editou a resolução 22, de 31/12/04 a qual, além de instituir a classe processual correspondente, dispunha, “em caráter transitório, sobre a competência acrescida ao Superior Tribunal de Justiça pela Emenda Constitucional 45/2004”, norma posteriormente revogada pela Resolução 09, de 04/05/2005, que se e encontra em vigor até o momento.
A referida resolução muito manteve das anteriores disposições do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, ao estabelecer os requisitos para a tramitação e homologação das sentenças estrangeiras no Brasil, incluindo-se, nestas, a sentença arbitral estrangeira (artigo 4º, parágrafo 1º). Porém, inovando em relação às normas contidas no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a Resolução 09/2005 introduziu a previsão da admissibilidade de tutela de urgência nos procedimentos de homologação de sentença estrangeira (artigo 4º, parágrafo 3º).
O procedimento de homologação da sentença arbitral estrangeira deve, ainda, observar o contido nos artigos 15 da Lei de Introdução ao Código Civil (a qual traz normas gerais sobre a aplicação do direito como um todo), 12 a 17 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (diploma que disciplina a aplicação das leis em geral) e à Lei 9.307, de 23/09/1996, que dispõe sobre a arbitragem.
Nos termos do artigo 5º da Resolução 09/2005, “constituem requisitos indispensáveis à homologação de sentença estrangeira:
- haver sido proferida por autoridade competente;
- terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;
- ter transitado em julgado; e
- estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução por tradutor oficial ou juramentado no Brasil”.
Além dos requisitos formais elencados na Resolução, é elemento essencial à homologação da sentença estrangeira a condição de que esta não ofenda à soberania nacional ou à ordem pública.
Por outro lado, os casos específicos de negativa da homologação da sentença arbitral estrangeira vem elencados nos artigos 38 e 39 da Lei 9.307, de 23/09/1996, segundo os quais:
“Art. 38. Somente poderá
ser negada a homologação para o reconhecimento ou execução de sentença
arbitral estrangeira, quando o réu demonstrar que:
I - as partes na convenção de arbitragem eram incapazes;
II
- a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as
partes a submeteram, ou, na falta de indicação, em virtude da lei do
país onde a sentença arbitral foi proferida;
III
- não foi notificado da designação do árbitro ou do procedimento de
arbitragem, ou tenha sido violado o princípio do contraditório,
impossibilitando a ampla defesa;
IV
- a sentença arbitral foi proferida fora dos limites da convenção de
arbitragem, e não foi possível separar a parte excedente daquela
submetida à arbitragem;
V - a instituição da arbitragem não está de acordo com o compromisso arbitral ou cláusula compromissória;
VI
- a sentença arbitral não se tenha, ainda, tornado obrigatória para as
partes, tenha sido anulada, ou, ainda, tenha sido suspensa por órgão
judicial do país onde a sentença arbitral for prolatada.
Art.
39. Também será denegada a homologação para o reconhecimento ou
execução da sentença arbitral estrangeira, se o Supremo Tribunal Federal
constatar que:
I - segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem;
II - a decisão ofende a ordem pública nacional.
Parágrafo
único. Não será considerada ofensa à ordem pública nacional a
efetivação da citação da parte residente ou domiciliada no Brasil, nos
moldes da convenção de arbitragem ou da lei processual do país onde se
realizou a arbitragem, admitindo-se, inclusive, a citação postal com
prova inequívoca de recebimento, desde que assegure à parte brasileira
tempo hábil para o exercício do direito de defesa”.
Sendo
estranha, ao procedimento de homologação pelo Superior Tribunal de
Justiça, qualquer incursão que vise a alteração da sentença estrangeira
quanto ao mérito da causa, é de máxima importância a observância dos
requisitos formais para o ajuizamento do pedido de homologação da
sentença estrangeira.Análise critica
Do quanto foi exposto parece necessário ressaltar ser a arbitragem uma modalidade de extinção de controvérsias por via extrajudicial altamente recomendável pela celeridade e pela conveniência e eficiência.
É certo que não se trata de mecanismo de solução de disputas entre partes pobres ou desamparadas de recursos financeiros e assessoramento jurídico técnico especial e até sofisticado. O custo financeiro da arbitragem é significativo, mas se compensa com a possibilidade de controle pelas partes que detêm a indicação dos peritos e acesso ao desenvolvimento dos trabalhos arbitrais.
De outro lado, o estimulo oficial pelo Estado pela proliferação de cortes arbitrais em contrapartida desafoga os tribunais judiciais tanto de encargos judiciais quanto de dificuldades técnicas muitas vezes de extraordinária complexidade para o exame de juízes que assim retardam o desate da causa.
Os possíveis questionamentos, como no início da aplicação da Lei 9.307/96, multiplicados pela novidade e, sobretudo, pelo conservadorismo dos processualistas e constitucionalistas mais ortodoxos deixou de ser objeto de defesa pela via da sustentação da soberania nacional ou interesse público. Tal consideração perdeu o significado ante a manifesta evidência de vantagem para a segurança jurídica como seus reflexos na economia de grandes empreendimentos com reflexo natural na economia pública de investimentos e recepção de capitais internacionais própria do modelo adotado pela administração e governo.
A participação dos juízes e magistrados nacionais nessa tarefa tal como descrita por essa razão tem se comportado dentro dos limites da finalidade da arbitragem sem desprezar a defesa da soberania e ordem pública, mas igualmente sem desprestigiar a solução negociada entre partes com o aval da ordem jurídica constitucional e legal interna, com o escrupuloso cumprimento das normas das Convenções de Nova York e Interamericanas antes indicadas.
Decorrência desses postulados consolidados pela experiência, cabe registrar que se deve incentivar no exercício das atividades de arbitragem comercial internacional o uso de redação clara e objetiva nos laudos e veredictos que devem estar despidos de excessiva liturgia e solenidades de modo que sejam inteiramente inteligíveis assim pelos interessados mas igualmente por terceiros, eventualmente não especializados, que tenham ou devam ter acesso aos seus termos. Deve ser estimulada a forma compreensível e fácil na redação dos laudos, evitando reproduzir no campo da arbitragem comercial internacional os procedimentos e burocracias que tanto se condenam na área da jurisdição judiciária e que provocam demora ou lentidão. Se a arbitragem buscar acelerar a solução de desavenças convém que assim se conduzam os laudos ou sentenças arbitrais.
Cabe assinalar ainda que o uso e exercício da arbitragem, sobretudo na área comercial internacional, têm revelado, pela própria natureza das discussões e ante a incessante evolução das práticas ou costumes comerciais num mundo cada vez mais globalizado e sem fronteiras, a necessidade de modular e flexibilizar certas noções clássicas geradas em outras época. Assim, conceitos de ordem pública, soberania nacional, boas práticas, etc. vêm sofrendo sucessivas modificações à medida que seus limites vêm cedendo ante o incremento de ferramentas de comunicação e operação no campo do comércio internacional, circunstância que tanto os operadores quanto os destinatários da arbitragem podem e devem ter presente cada vez mais de perto.
No caso do Brasil, além disso, vale assinalar que o controle judicial da arbitragem comercial internacional está sujeita apenas ao Superior Tribunal de Justiça, o que faz com que a jurisprudência dele emanada tenha elevado grau de padronização, harmonia e univocidade para o bem dos resultados dessa prática de pacificação nas relações entre partes. Aliás, essa é a constatação que seus juízes, dentre eles o autor, recolhem ao longo dos anos de atuação.
Por Gilson Dipp é ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça
Fonte: ConJur
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