Novos limites
Afastando as discussões sobre a natureza jurídica da arbitragem como um negócio jurídico puro, um negócio processual ou ainda misto; sua instituição decorre de uma convenção entre dois agentes capazes. Eles convencionam submeter as controvérsias sobre seus direitos patrimoniais disponíveis à solução por meio de um procedimento privado, estabelecendo convencionalmente a arbitragem por meio de compromisso arbitral ou de cláusula compromissória.
Não mais se cogita a discussão se a convenção de instituição de arbitragem decorreria de uma avença de “obrigação de fazer”, pois a Lei de Arbitragem de 1996, desde logo, autonomizou as disposições compromissórias, em seus artigos 4º (definição de “cláusula compromissória”) e 9º (definição de “compromisso arbitral”).
As partes elegem, em substituição ao direcionamento ao Judiciário, o julgamento de suas questões à arbitragem, definindo a aplicação dos meios de apreciação das questões (art. 2º), seja pela equidade, seja pelas regras de direito material, ou de princípios gerais de direito, ou ainda, de usos e costumes, inclusive por normas do direito internacional, além da escolha do próprio local da arbitragem que, salvo nos casos de incompetência absoluta, obriga os contratantes da arbitragem.
Em linguagem simples, a arbitragem se contrata por escrito, ajustada por pessoas capazes, entendendo-se como tal “aquelas que podem transigir” (Carlos Alberto Carmona), sobre qualquer objeto de que não trate de seus direitos patrimoniais indisponíveis, objetivando para a solução de suas pendências passadas, atuais ou futuras, com o emprego da equidade ou de regras e preceitos já existentes, ou então, pelas regras que as partes entendam elas como melhor aplicáveis para a solução das controvérsias.
Não se limita a “cláusula compromissória” apenas e tão somente ao marco que poderia aparentar conter o artigo 8º, ou seja, ao “contrato onde estiver inserta”, mas compreende todas as relações existentes entres as partes que especificadamente tenham sido visadas no ajuste, sejam elas de natureza contratual ou fática. O que se compreende com a redação do referido artigo 8º é o requisito do caráter contratual da cláusula compromissória, e o objeto da convenção e não simplesmente ao instrumento de contrato do qual poderiam se referir, ou não, se originaram as relações jurídicas existentes entre os convenentes.
Às partes impõem-se, contudo, os limites de não atentarem suas avenças à preservação dos “bons costumes” e à “ordem pública”, conforme parágrafo 1º do artigo 2º da Lei de Arbitragem, podendo ainda, convencionalmente, remeter o procedimento da arbitragem à condução de entidade especializada (artigo 5º), o que distinguirá a arbitragem da sua realização “ad hoc”.
A amplitude dos caminhos abertos pela Lei nº 9.307/96 permite que assuntos de alta tecnologia sejam tratados e apreciados com maior e mais especializada conjunção de regras, ou de provas e de apurações extraordinárias e especiais que sejam pertinentes, ao ver dos acordantes, para a melhor solução de seus questionamentos.
No caminho inverso, podem as contratantes procurar simplificar a via de solução de suas controvérsias, estabelecendo regras mais singelas e práticas, embora observado os princípios do contraditório e da igualdade de tratamento entre as partes, da imparcialidade dos árbitros e da inexistência de restrição ao livre convencimento dos julgadores. As partes podem criar, nos limites da lei, normas contratuais e eleger as provas que serão instrumentalizadas no julgamento.
Assim enfatizando a liberdade de contratar e focando exclusivamente na amplitude permitida na Lei nº 9.307/96, que procura atalhar o longo e natural percurso da via contenciosa pública, certamente observando os limites que a lei impõe quanto à adoção de regras não atentatórias à ordem pública e aos bons costumes. Assim como à licitude do objeto da arbitragem e da disponibilidade patrimonial dos direitos controvertidos, a arbitragem se apresenta como via hábil para que as partes possam alcançar a extinção de suas questões segundo determinadas premissas e regramentos especiais por elas acordadas, elegendo os instrumentos e meios a serem utilizados. E podem mais ainda: eleger os limites e os caminhos de exclusividade da apreciação de certas e determinadas teses e provas que deverão incidir sobre os pontos contravertidos, assim como limitar os efeitos da decisão.
Esta flexibilidade de amplitude e, no reverso, da restrição do âmbito das questões, das matérias e das provas decorre do caráter convencional da arbitragem e a autorização constitucional de que tudo se pode convencionar, salvo existindo lei em contrário sob tais ajustes livres, observado o que se salientou quanto à natureza do direito patrimonial disponível, a licitude do objeto e a observância da ordem pública e os bons costumes. Poderá a arbitragem com mais precisão ou objetividade atingir a solução das controvérsias segundo o que melhor as partes entenderam, meio e forma de extinção de pendências.
Vale com isto dizer que questões decididas no Judiciário, tais como matérias de “demandas repetitivas” ou de “súmulas vinculantes”, ou normas de “repercussão geral”, poderão ser alijadas pelas partes expressamente no procedimento de arbitragem, eis que tais procedimentos dos Tribunais Superiores (STJ e STF), em princípio, vinculam e obrigam à observância as instâncias e julgamentos do Poder Judiciário, o que, assim, não ocorre com a arbitragem. As partes convencionam nos limites da liberdade de contratar o que deve e por quais meios serão dirimidas suas pendências controvérsias, pela alternativa do caminho ao Judiciário, com a observância das condições da Lei nº 9.307/96.
Embora tendo a sentença arbitral a mesma eficácia e força executiva da decisão proferida pela Justiça Estatal, contudo, é diversa a estrutura e organização da Justiça Pública e particular decorrente da Lei 9.307/96. Em ambas as esferas, os julgadores deverão ser também independentes, desvinculados e não impedidos, ambos deverão julgar o que é controverso pelas partes, ambos arcarão com o ônus ou com o mérito de aplicar a Justiça, apresentando as alternativas de julgamento a comum eficácia.
Entretanto, não se confundem porque se distinguem pela transitoriedade da sua jurisdição face a perenidade da Justiça do Estado. Contudo, ambas atuam no alcance da extinção das controvérsias com igual grau de executividade, mas sem a via arbitral carrear o acúmulo de julgamentos desproporcionais à capacidade da boa justiça do nosso Judiciário.
Esse caráter convencional da arbitragem, com flexibilidade que lhe é inerente e imposta pela Lei 9.307 de 1996, não veio ser alterado pela “nova Lei de Arbitragem” (13.129, de 26/5/2015). As alterações da recente lei não modificaram a natureza jurídica da arbitragem, vindo até reforçá-la na medida em que, em certos casos de inclusão da arbitragem numa sociedade anônima, facultou ao acionista dissidente retirar-se da companhia.
De fato esta Lei 13.129, fruto de estudos visando a atualização da Lei de 1996, mais uma vez, enfatiza o pressuposto da cláusula compromissória e do compromisso serem o instrumento para o alcance do caráter contratual da convenção de arbitragem preservando a liberdade contratual.
A Lei 13.129 preservou a liberdade das partes na escolha da área para a disputa das controvérsias e, além disso, ampliou o acolhimento da arbitragem para a solução de disputas no âmbito das relações societárias, com a vantagem de aproveitar a experiência da cláusula compromissória já, de algum tempo, em uso nas sociedades abertas do novo mercado da Bovespa.
Por Luiz Arthur Caselli Guimarães é sócio fundador do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados.
Fonte: ConJur
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