segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Mediação no Procon-SP fará consumidor "pular" etapas no Judiciário

Rapidez na justiça
A partir de setembro, mediações encerradas sem acordo na Fundação Procon-SP poderão entrar de forma automática no Judiciário paulista, sem a necessidade de que o consumidor apresente ação individual. A instituição planeja lançar um sistema integrado com o Tribunal de Justiça de São Paulo para estimular a resolução alternativa de conflitos e, quando as partes continuarem discordando, evitar que o tema volte ao ponto zero na mesa do juiz.
O Procon-SP faz atualmente conciliações entre consumidores e empresas, intermediadas por servidores do próprio local. A primeira mudança é instituir na sede mediações comandadas por mediadores do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), ligado ao TJ-SP. Assim, todas as decisões finais serão homologadas por um juiz.
“Às vezes a conciliação não sai porque o fornecedor se sente um pouco desamparado, pois o Procon evidentemente protege mais o consumidor. Com a mediação, a empresa já estará falando com um representante do Judiciário, vai se sentir mais segura para fechar o acordo”, avalia a diretora-executiva da fundação, Ivete Maria Ribeiro.
Outra diferença é que hoje, quando a negociação acaba frustrada, a parte descontente precisa entrar com um processo e começar as alegações novamente no Judiciário. No novo modelo, o Procon-SP vai digitalizar todas as informações e enviá-las a um sistema conjunto com o TJ-SP, como se fosse uma petição inicial.
“Nós vamos pular aquela fase de audiência de conciliação de novo no TJ, porque já terá ocorrido uma audiência na sede do Procon. Muitos processos vão adentrar o tribunal com a condição de serem julgados, nos casos em que houver só prova documental”, afirma a diretora.
Esse diálogo entre as instituições é inédito no país, segundo ela. A iniciativa deve ser lançada até o fim de setembro no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
O Procon-SP conduziu 239 audiências de conciliação no ano passado e 149 no primeiro semestre de 2015. O novo projeto ainda não tem meta definida de atendimentos, mas a intenção é conquistar mais adeptos com o aumento da eficiência.
Superendividados
Também está sendo gerada uma plataforma para tornar on-line o Programa de Apoio ao Superendividado, voltado a consumidores que não sabem como sair do vermelho. A iniciativa faz uma triagem de pessoas físicas nessa situação e inclui curso sobre planejamento financeiro, análise das dívidas e diálogo com o credor para a renegociação de empréstimos, financiamentos e outros contratos, independentemente do valor.

Com a proposta, o atendimento hoje presencial poderá ser feito a distância, pela internet, até a penúltima fase. O endividado só precisará comparecer pessoalmente quando tiver de assinar acordo de pagamento ao credor, que será encaminhado para homologação no Cejusc.
O programa prestou 4,6 mil atendimentos entre 2012 e o primeiro semestre deste ano.
Por Felipe Luchete
Fonte: ConJur

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Varas de falência em São Paulo passam a concentrar conflitos sobre arbitragens

Distribuição contida
Há quase um mês, todos os conflitos que chegam à Justiça paulista envolvendo arbitragens são distribuídos à 1ª e à 2ª Varas de Falências e Recuperações Judiciais. Enquanto anteriormente esses processos iam parar em diferentes varas cíveis, agora ficam com juízes especializados no tema.

A estratégia segue meta fixada pelo Conselho Nacional de Justiça para 2015: todos os tribunais de Justiça devem apresentar duas varas focadas em arbitragem nas capitais de seus estados. Até meados de julho, só 12 TJs haviam seguido integralmente a medida — São Paulo, por exemplo, estava fora da lista.

O juízo é proibido de mudar o mérito do que foi definido pelo tribunal arbitral, mas pode anular decisões que apresentaram vícios, como omissão sobre os argumentos citados no processo, parcialidade de quem julgou e uso de provas ilícitas. O juiz também pode aplicar medidas cautelares — como bloquear bens e suspender a negativação de quem teve o nome cadastrado em serviço de restrição ao crédito —, além de levar à execução sentenças arbitrais descumpridas pela parte perdedora.

“O TJ-SP entendeu que as varas de falência e recuperações são essencialmente empresariais, contam com juízes acostumados a lidar com questões inclusive envolvendo companhias de grande porte”, afirma o juiz Daniel Carnio Costa, titular da 1ª Vara. Ele calcula já ter despachado em dez controvérsias distribuídas desde o dia 31 de julho, quando passou a valer resolução do TJ-SP disciplinando os procedimentos.

Outros casos já em andamento continuam nas varas de origem. A resolução cita ainda uma 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais, inexistente até hoje.

“O aprofundamento dos magistrados proporcionará celeridade processual, qualidade das decisões e previsibilidade, decorrente da consistência nos critérios de julgamento”, afirma nota assinada pelos advogados Rafael Villar Gagliardi e César Rossi Machado, do escritório Demarest Advogados. “Vale lembrar que juízes das varas de recuperação judicial e falência possuem vasto conhecimento em direito empresarial, tornando-os ainda mais indicados para esses litígios que passaram a julgar.”

Roberto Pasqualin, sócio sênior do escritório PLKC Advogados e presidente do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima), avalia que criar varas específicas é uma “evolução” no país, para evitar que processos caiam nas mãos de juízes sem conhecimento da ferramenta arbitral. “Meu receio pessoal é que os processos de falência e recuperação judicial são complexos e exigem muitas decisões urgentes. O acúmulo pode deixar questões da arbitragem em segundo plano”, avalia.

Por Felipe Luchete
Fonte: ConJur

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Projeto Justiça na Comunidade vai atender moradores de Muçumagro


Com a iniciativa cerca de 7 mil moradores serão beneficiados
O presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, desembargador Marcos Cavalcanti, recebeu na tarde desta terça-feira (18), em seu gabinete, o diretor adjunto do Núcleo de Conciliação, juiz Bruno Azevedo e o servidor Tony Viana, ambos gestor e coordenador, respectivamente, do projeto. Na oportunidade, o magistrado apresentou ao presidente a proposta do projeto piloto Justiça na Comunidade, que tem como objetivo, a criação de um Centro de Conciliação e Mediação, na comunidade Muçumagro, localizada em João Pessoa.

O desembargador-presidente considerou a iniciativa de levar a Justiça gratuita à comunidade, muito oportuna, agendando a assinatura do convênio entre o TJPB e a Associação de Moradores, bem como da Fundação Margarida Maria Alves, esta ultima, interveniente, para o dia 17 de setembro, às 17h.

“Merece total apoio o projeto Justiça na Comunidade, principalmente por ter um alcance social grande e, pelo fato de vir de juízes de muitas iniciativas e que sempre saem na frente com as ideias inovadoras”, ressaltou o desembargador Marcos Cavalcanti.

Com o ‘Justiça na Comunidade’, o Poder Judiciário deverá levar justiça gratuita aos cerca de 7 mil moradores da comunidade, através da criação de um Centro de Conciliação e Mediação.

Para o juiz Bruno Azevedo, a iniciativa deverá contribuir para descongestionar a pauta do Poder Judiciário paraibano e, ao mesmo tempo, proporcionará a criação de outros canais de acesso à justiça. “Além de favorecer a popularização e divulgação das formas autocompositivas como a conciliação, mediação e negociação”, ressaltou.

A iniciativa está inserida no Planejamento Estratégico do TJPB e faz parte da Coordenação de Priorização do 1º Grau, que tem à frente o desembargador Oswaldo Trigueiro do Valle Filho, bem como, conta com o apoio do Núcleo de Conciliação e da Escola Superior da Magistratura (Esma).

Por Clélia Toscano
Fonte: TJPB

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

A Arbitragem e seus atrativos

Destaques
O crescente interesse pela arbitragem no Brasil está diretamente associado aos seus principais atrativos, quais sejam, especialidade do julgador, celeridade, flexibilidade e confidencialidade.

Na Justiça Estatal, por razões inerentes à sua estrutura organizacional, o magistrado acaba por ser, naturalmente, um generalista. Isso não é um demérito, ao contrário, é necessário, ante a pulverizada gama de conflitos que chegam cotidianamente ao nosso Poder Judiciário. Contudo, para certos conflitos mais específicos ou mais complexos, essa qualidade generalista pode não ser positiva. Esse é um dos fatores que levam empresas a buscar, na arbitragem, um meio de solução da controvérsia. Nela, há ampla liberdade da escolha de quem poderá ser o árbitro e, com isso, as partes podem eleger alguém que tenha familiaridade com a matéria e em quem depositam confiança. Com isso, sentem-se mais confortáveis com o próprio procedimento. Assim, num conflito societário, por exemplo, podem escolher, como julgador, determinado profissional que se dedica ao estudo desse tema, conferindo, pois, maior expertise ao julgamento, o que também lhes traz mais segurança.

Mais do que isso, e aqui reside outra vantagem, se o próprio árbitro porventura não se sentir  confortável com a arbitragem para a qual foi indicado, ele pode recusá-la, inclusive se não dispuser de tempo hábil para se dedicar ao caso. De outro lado, ao magistrado não é dado recusar as ações que lhe chegam (salvo nas hipóteses de impedimento ou suspeição).

Ademais, outro grande atrativo da arbitragem é, sem dúvida, sua celeridade. No Judiciário, o cidadão sabe apenas quando entra em juízo, mas dificilmente conseguirá precisar quando sairá. Facilmente, um processo judicial supera a casa dos quinze, vinte anos de duração, o que gera muito custo e intranquilidade às partes. A arbitragem, por sua vez, é célere. A própria Lei de Arbitragem fixa-lhe prazo de seis meses para terminar, ainda que não seja incomum sua prorrogação.

Mas, mesmo com a prorrogação, a média das principais Câmaras Arbitrais é de pouco mais de um ano de duração (12 a 15 meses), com realização de provas e audiências. Isso sem se falar nas arbitragens expeditas, mais céleres ainda.

Sendo a arbitragem resolvida em sentença final, não cabe recurso para impugná-la, cabe apenas Pedido de Esclarecimento, assemelhado aos Embargos de Declaração do CPC. Assim, uma vez proferida a sentença arbitral, pode-se tão somente tentar-lhe a anulação por vício procedimental, mas não de mérito. E o Poder Judiciário tem prestigiado muito o desenvolvimento da arbitragem no país (em decisões que têm sido elogiadas inclusive no exterior), de modo que os índices de sentenças arbitrais anuladas são muito baixos.
 
A flexibilidade do procedimento arbitral também é um atrativo. Em vez do engessamento do Código de Processo Civil, as partes, em conjunto com os árbitros, podem moldar o procedimento para um formato que lhes seja mais adequado, de acordo com o conflito, desde que preservados os princípios da igualdade e do contraditório (devido processo legal). Assim, podem ajustar como serão apresentadas as manifestações, os prazos, quais provas serão produzidas e em que ordem, enfim, disciplinar como querem que o procedimento se desenvolva. Note-se que o Novo Código de Processo Civil, influenciado pelo êxito da arbitragem, tem procurado flexibilizar, em certa maneira, o próprio processo judicial, o que é um grande avanço.

Por fim, tem-se na confidencialidade mais um atrativo. Embora a Lei de Arbitragem não imponha a confidencialidade, em regra, as arbitragens são sigilosas, quer porque as partes assim expressamente o escolheram na cláusula arbitral, quer porque a Câmara Arbitral escolhida a prevê em seu regulamento. E isso tem atraído tanto empresas quanto pessoas físicas, que não desejam ver seu conflito exposto ao grande público, especialmente quando questões negociais sensíveis estão em jogo. Na Justiça Estatal, naturalmente, ocorre o contrário, a regra é publicidade.

Em razão desses atrativos, a arbitragem tem se desenvolvido e crescido no país, sendo considerada, atualmente, não apenas um meio alternativo, mas, sim, efetivamente um meio adequado à solução de conflitos, razão pela qual, ao lado de outros métodos (como a conciliação e a mediação), o NCPC, inclusive, a estimula.

Justamente por isso, ao longo dos últimos anos, a arbitragem vem crescendo exponencialmente no Brasil, com um crescimento médio anual de cerca de 20%. Sendo que, recentes pesquisas realizadas junto às grandes empresas têm revelado, ainda, a maior (e crescente) preferência para utilização da arbitragem como meio adequado para resolução de certos tidos de controvérsias empresarias (conflitos societários e obras complexas de construção civil, por exemplo). No mesmo sentido, nos negócios internacionais, a utilização da arbitragem também tem sido a regra, a ponto de recente pesquisa ter mostrado que 52% das multinacionais preferem recorrer à arbitragem em vez da justiça estatal.
 
Por Thiado Rodovalho, Doutor e Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, com Pós-Doutorado no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht. Membro da Lista de Árbitros da Câmara de Arbitragem e Mediação da Federação das Indústrias do Estado do Paraná – CAM-FIEP, do Conselho Arbitral do Estado de São Paulo – CAESP, da Câmara de Mediação e Arbitragem das Eurocâmaras – CAE, da Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem Empresarial – CBMAE, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem – CEBRAMAR, e da ARBITRANET. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, do Instituto de Direito Privado – IDP, do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil – IBDP, e do Centro de Estudos Avançados de Processo – CEAPRO.
Fonte: Revista Resultado

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Na luta pela pacificação

Entrevista
O número de processos baixados a cada ano pelos magistrados brasileiros cresceu 9,3% desde 2009, mas ainda é inferior ao número de casos novos que ingressam anualmente na Justiça. Segundo dados do relatório Justiça em Números 2014, o número de processos em trâmite na Justiça brasileira chegou a 95,14 milhões em 2013. A cada ano, são milhões de novos casos ingressando num sistema judiciário lento e sufocado. 

O cenário fica mais desalentador quando se leva em conta a falta de confiança que empresas e o público em geral ainda têm nas formas extrajudiciais de solução de conflitos. Este é um dos fatores da cultura do litígio, ainda propagada por aplicadores do direito devido à uma mentalidade incrustada desde o ensino jurídico de que o bom profissional é aquele que litiga.

Para o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), José Roberto Neves Amorim, o judiciário enfrenta muitos desafios. O TJSP já vem realizando algumas ações para incentivar formas mais adequadas para solucionar determinados conflitos. Um exemplo é a celebração de convênios com entidades públicas e privadas para instalação de centros de conciliação, política adotada pelo Tribunal e proliferada com parcerias com prefeituras, universidades e associações comerciais.

Para empresários, a autocomposição pode ser muito vantajosa, pois regulariza negócios de forma mais rápida e menos custosa, além de permitir a administração da imagem da empresa perante os consumidores.

Segundo Neves Amorim, a sociedade também se beneficia pela multiplicação da cultura da simplificação e respeito mútuo.

Resultado: Quais são as principais dificuldades ou obstáculos na implementação da cultura da pacificação num país como o Brasil, onde o costume é resolver os conflitos por meio do Judiciário?
R: O principal problema é se obter a mudança de mentalidade dos profissionais da área jurídica. Existe uma mentalidade incrustada desde o ensino jurídico de que o bom profissional do Direito é aquele que litiga e aplica a lei dentro do sistema da subsunção da norma ao fato. Ocorre que, com o excesso de processos diariamente distribuídos perante os tribunais, o método de trabalho da adjudicação universal dos conflitos através da sentença torna-se inviável. Somente os casos de maior complexidade ou resistência das partes deveriam ser resolvidos por decisão judicial. Neste sentido, afirmava-se que a jurisdição é substitutiva à vontade das partes. Mas hoje, as partes sequer buscam a aproximação para a solução do conflito, optando por judicializar o problema imediatamente.

Esta mentalidade de judicialização deságua numa segunda dificuldade: a obtenção de recursos e infraestrutura para investimento na conciliação e mediação. Neste caldo cultural, vemos que a praxe da sentença é a opção mais custosa e demorada. É nele que investe a cultura jurídica tradicional, através da disponibilização de mais advogados, juízes, promotores, funcionários e peritos. Todo este quadro exige custos públicos e privados, envolvendo uma opção pública de investimento em estrutura, e uma opção privada em investimento no conflito. Já a conciliação e a mediação que envolve uma negociação qualificada para fins de evitar o conflito, são opções eficientes e baratas. Não obstante, enfrentam desconfiança no mundo jurídico. A autocomposição não é prestigiada pelas empresas e pelos profissionais legais, que tendem a resistir ao novo. Contudo, temos tido sucesso em obter apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo presidente é entusiasta da  conciliação e da mediação, bem como adesão de parceiros públicos e privados, bem como grandes litigantes que estão interessados em resolver conflitos ao invés de alimentar processos.

De que forma os métodos extrajudiciais de solução de conflitos podem ser vantajosos para empresários, consumidores e a sociedade como um todo?
R: A forma de trabalho do Judiciário tradicional enfrenta vários desafios. O afrouxamento da precisão do sistema legal, cada vez mais pejado de normas, um processo complexo e com muitas possibilidades de recursos, levam à absoluta indefinição sobre o conteúdo da decisão a ser alcançada, o tempo em que ela será proferida e, ainda, o tempo necessário para a sua concretização. Os métodos consensuais de resolução de conflitos dão maior precisão ao sistema legal, permitindo uma abordagem colaborativa e prospectiva das partes para solução rápida do litígio sem a necessidade de invocar o custoso e complexo sistema legal. Além disso, reforçam a cidadania ao permitir às partes o desenvolvimento da capacidade de negociação, induzindo convivência e respeito mútuo, objetivo que muitas vezes não é alcançado através da sentença. Com isso, empresários conseguem regularizar seus negócios de forma mais rápida e menos custosa. Além disso, conseguem também administrar sua imagem perante os consumidores, que em casos consumeristas, se veem favorecidos com uma pronta resposta do fornecedor de serviços e produtos. A sociedade, por fim, é beneficiada pela multiplicação da cultura da simplificação e respeito mútuo.

O que o TJSP tem feito para incentivar as formas extrajudiciais de solução de conflitos? Qual a importância dessas ações?
R: O Tribunal de Justiça tem incentivado, em primeiro lugar, a instalação de Centros de Conciliação no Estado inteiro. A própria Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça permitiu a celebração de convênios com entidades públicas e privadas para instalação de centros de conciliação, política adotada pelo Tribunal e proliferada com parcerias com prefeituras, universidades e associações comerciais, dentre outros. Os centros pretendem atuar com padrões de excelência de atendimento e organização, dispondo de sistema informatizado ofertado pelo Tribunal, que agiliza a alimentação das informações sobre as partes e a coleta de dados de eventuais acordos, permitindo que os Centros operem em meio eletrônico. Além disso, o Tribunal também tem apoiado parcerias com grandes litigantes para eliminação de conflitos repetitivos, centralizado a elaboração de políticas públicas para a sua elaboração. Tem também incentivado projetos como a paternidade responsável, em parceria com a Corregedoria, e a mediação em casos de homofobia e racismo, junto à Secretaria Estadual da Justiça. O Tribunal também atuou de forma decisiva na remuneração dos conciliadores e mediadores, enviando projeto e pugnando por sua aprovação, o que se deu recentemente na Assembleia Legislativa.

De que forma as câmaras privadas de conciliação e mediação de conflitos podem se beneficiar ou colaborar com o TJSP?
R: As câmaras privadas de conciliação ou mediação podem se beneficiar mantendo serviço em parceria com o Tribunal de Justiça, disponibilizando estrutura lógica para realização de sessões de autocomposição. Também podem ofertar conciliadores e mediadores qualificados para realização da atividade, divulgando a pacificação por todo o Estado de São Paulo. Em contrapartida, havendo convênio entre as entidades e o Tribunal de Justiça, tais acordos podem ser homologados perante um juiz, tornando-se título executivo judicial, que equivale a uma sentença. É uma via de duas mãos para que todos alcancem a pacificação efetiva e sem a necessidade de judicialização dos conflitos.

Em 2008, a Associação Comercial de São Paulo e a CACB firmaram um convênio com o TJSP instituindo o Posto Avançado de Conciliação Extraprocessual (PACE). Como o senhor enxerga esse tipo de parceria?
Na realidade, devemos louvar o pioneirismo da Associação Comercial e da CACB. Foi um dos primeiros postos de atendimento avançado extraprocessual, que serviu de exemplo, mais à frente, para a regularização da atividade da conciliação preventiva pela edição da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça. Hoje, se exercitamos a atividade da conciliação pré-processual, tal se deu justamente pelos primeiros passos dados por estas entidades, que abriram o precedente agora adotado como paradigma para todo o país. Na atividade de conciliação extraprocessual, de caráter preventivo ao litígio, conseguem-se os melhores números de composição: 58% de casos com acordo na área cível, e 83% de casos com acordo na área de família, a demonstrar que se todo o conflito fosse submetido à conciliação extraprocessual, teríamos bem menos que a metade do número atual de feitos em andamento.

O CNJ e outras entidades vêm debatendo sobre a inserção de disciplinas de mediação e arbitragem como cadeiras obrigatórias do curso de direito, um dos mais demandados do Brasil. Qual é a importância da qualificação profissional para haver uma mudança na cultura do litígio?
R: A importância é fundamental. Não adianta formar mais profissionais que vão produzir mais do mesmo. Investir nos mesmos meios de eliminação de conflitos será apenas impor-se ao Judiciário o destino de se agigantar cada vez mais para dar conta da adjudicação geral das demandas. Hoje, o Judiciário manifesta-se a respeito de tudo: danos morais em conflitos de vizinhos, decisões de vagas em creche, fornecimento de remédios pelo Poder Público, execuções fiscais de valor ínfimo. Passou da hora de mudarmos o viés litigante de propositura da ação para solução de todos os problemas. É utilizar um meio requintado e complexo para resolução de questões comezinhas, a consumir não somente grandes insumos públicos, mas também tempo e investimento, recursos de que a população em geral não dispõe. Melhor seria a responsabilização dos agentes sociais para fins de traçar políticas de eliminação consensual de conflitos, canalizando os recursos disponíveis para investimento na satisfação das partes, ao invés de resistir a elas. Por isso, é importantíssimo sensibilizar desde já os estudantes a respeito da necessidade de ofertar um novo produto jurídico do Judiciário fora do tradicional produto decisão judicial. O profissional legal deve estar concentrado principalmente na resolução do problema jurídico do seu cliente da forma mais eficiente possível. Para tanto, não deve ficar mesmerizado na lei, que é apenas um dentre vários instrumentos para a solução dos conflitos. E essa nova visão do profissional legal deve partir do ensino jurídico, campo apto para a inovação e pesquisa.

Levando em consideração o último relatório Justiça em Números, que apontou um trâmite de 95 milhões de processos na justiç a brasileira, que tipos de conflitos o senhor acredita que poderiam ser resolvidos fora do Judiciário?
R: A maior parte dos conflitos é passível de conciliação prévia. O Conselho Nacional de Justiça permitiu, através da criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, o funcionamento de órgão que tem todos os atributos do Poder Judiciário para a solução de conflitos de forma negociada e consensual. Com isso, causas que envolvem entidades públicas ou o Ministério Público, por exemplo, podem ser levadas aos Centros, indo além da solução por simples contrato. É necessário, contudo, que os empresários, o poder público, a população em geral e os profissionais legais tenham consciência que uma autocomposição é o caminho mais rápido e direto para o alcance da solução do conflito, demandando menos energia e investimento para a sua eliminação. Os Centros processam reclamações simples, muito diferentes da petição inicial do foro em geral. Ainda, tem pautas curtas, o que permite a aproximação das partes entre quarenta e cinquenta dias da oferta da reclamação. Contam com conciliadores e mediadores qualificados tecnicamente, que se submeteram a tratamento teórico e prático para permitir às partes uma negociação objetiva e técnica, filtrando problemas pessoais existentes entre elas. E em pouco tempo, alcançam-se resultados efetivos com a rápida estabilização do conflito através de acordos. Com isso, alcançamos os auspiciosos percentuais mencionados. O Judiciário somente deveria ser utilizado nos casos em que efetivamente as partes se aproximaram em negociação prévia sem obter um acordo.

Fonte: Revista Resultado

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Novas regras de arbitragem em S.A. podem prejudicar os minoritários

Opinião
Recentemente, o vice-presidente da República sancionou a Lei 13.129, de 26 de maio de 2015, cujo objetivo é ampliar o espectro de aplicação da Lei 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) e disciplinar o direito de retirada do acionista dissidente no caso de inserção de convenção de arbitragem no estatuto social.
Desde 2001, com a inclusão do parágrafo 3º no artigo 109 da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.), o direito societário admite a sujeição à arbitragem de litígios entre os acionistas e a companhia, ou entre os próprios acionistas, confirmando a regra geral de que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”[i].
Muito se discutiu na doutrina a respeito da “arbitrabilidade subjetiva”, ou seja, a possibilidade de vinculação de todos os acionistas à cláusula compromissória inserida no estatuto social pela vontade da maioria.[ii] Entende-se, neste caso, que a deliberação que aprova a inclusão da arbitragem no estatuto social, como meio de solução dos litígios societários, vincula os ausentes e dissidentes em decorrência do princípio majoritário.
Por outro lado, sob os argumentos de que a arbitragem traria mais transparência (curiosamente o procedimento é sigiloso) e melhoraria as relações societárias, ganhou força a corrente favorável à adoção da arbitragem em matéria societária. Daí que a BM&F Bovespa passou a exigir a adoção da cláusula compromissória estatutária em seus segmentos de listagem. Atualmente, os regulamentos do Bovespa Mais, Bovespa Mais Nível 2, Novo Mercado e Nível 2 preveem a obrigatoriedade da adoção de cláusula compromissória em que a companhia, o acionista controlador, os demais acionistas da companhia, os administradores e os membros do conselho fiscal comprometem-se a resolver toda e qualquer disputa ou controvérsia que esteja relacionada ou seja proveniente do regulamento de listagem, do contrato de participação, do regulamento de sanções, das cláusulas compromissórias, em especial, quanto à sua aplicação, validade, eficácia, interpretação, violação e seus efeitos, por meio de arbitragem, perante a Câmara de Arbitragem do Mercado, nos termos do regulamento daquela Câmara.[iii]
Para dirimir — ainda que parcialmente — as dúvidas existentes sobre a validade da cláusula compromissória em face dos acionistas ausentes ou dissidentes, a Lei 13.129/2015 introduziu o artigo 136-A na Lei das S.A. com a seguinte redação: “a aprovação da inserção de convenção de arbitragem no estatuto social, observado o quorum do art. 136, obriga a todos os acionistas, assegurado ao acionista dissidente o direito de retirar-se da companhia mediante o reembolso do valor de suas ações, nos termos do art. 45.”
O dispositivo citado cria, portanto, mais uma hipótese de retirada do acionista mediante reembolso do valor das ações, além daquelas já previstas no artigo 136 da Lei das S.A. Além da inovação no âmbito do direito de recesso, a própria lei excepciona a regra em duas situações: (i) cumprimento de condição para admissão à negociação de valores mobiliários da companhia em segmento de listagem de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado que exija dispersão acionária mínima de 25% das ações de cada espécie ou classe, ou seja, em outras palavras, em caso de listagem no Novo Mercado da Bovespa; e (ii) inclusão em estatuto social de companhia aberta cujas ações sejam dotadas de liquidez e dispersão no mercado, nos termos das alíneas “a” e “b” do inciso II do artigo 137 da Lei das S.A.
Apesar da alteração legislativa ser importante para dirimir as dúvidas até então existentes, principalmente sobre a possibilidade do exercício do direito de retirada do acionista dissidente, algumas situações exigem que a eficácia da cláusula compromissória seja relativizada, evitando-se que a faculdade de inserção deste tipo de cláusula no estatuto social acabe por gerar “esquemas de vedação ao acesso à justiça e de ´encarceramento societário´”, como bem alertam Walfrido Jorge Warde Jr. e Fernando Antonio Maia da Cunha.[iv]
Tal situação fica evidente em litígio entre o acionista controlador, que pretende aprovar a inclusão da cláusula compromissória no estatuto social para livrar-se de potenciais ações judiciais, e os demais acionistas da companhia, principalmente a minoria (acionista não qualificado ou não institucional), que, eventualmente, não terá condições financeiras de instaurar uma arbitragem. Revela-se, assim, um conflito de interesses —aparentemente entre posições individuais —, que poderá resultar em exercício do direito de voto marcadamente contrário ao “interesse social stricto sensu”, ainda mais quando se verificar que a conduta abusiva do controlador coloca em xeque a “realização do escopo social”, entendido como “qualquer interesse que diga respeito à causa do contrato de sociedade, seja o interesse a melhor eficiência da empresa, seja à maximização dos lucros, seja à maximização dos dividendos”, nas palavras de Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França.[v]
Nesse sentido, as exigências dos regulamentos de listagem, que obrigam a inserção de cláusula compromissória nos estatutos sociais, parecem, na verdade, criar situação desfavorável aos acionistas dissidentes — muitas vezes minoritários —, principalmente nos casos em que os acionistas controladores, ou os administradores (na hipótese de controle gerencial), pretendem incluí-la com o propósito de desestimular o ativismo judicial daqueles que lhe são contrários, tanto em razão do custo da arbitragem como pelo caráter sigiloso que lhe é próprio, muitas vezes não servindo de mecanismo de dissuasão (deterrent) das condutas ilícitas.
Por isso que, às vezes, mais vale a publicidade da decisão judicial para desencorajar a permanência dos abusos do que uma sentença arbitral sigilosa, ainda que condenatória, por se tornar inócua do ponto de vista educativo e, consequentemente, não produzir qualquer efeito sanitizador.[vi]
Assim, as alterações introduzidas pela Lei 13.129/2015, por mais que sejam aclaradoras do procedimento de inclusão da convenção de arbitragem nos estatutos sociais e venham a reconhecer o direito de retirada do acionista dissidente, supostamente protegendo-o, podem servir também para reflexão sobre a efetividade da arbitragem societária e das eventuais armadilhas embutidas nesse mecanismo de solução de conflitos, que, no âmbito do direito societário e do mercado de capitais, podem afetar a transparência, a tutela das minorias e o efeito educativo ou dissuasório que advém da publicidade das decisões judiciais.

i Art. 1º da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.
ii MARTINS, Pedro A. Baptista. A arbitrabilidade subjetiva e a imperatividade dos direitos societários como pretenso fator impeditivo para a adoção da arbitragem nas sociedades anônimas. In: Processo Societário. Obra coletiva coordenada por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 619.
iii Ressalta-se que a Bovespa, além de exigir a inclusão da cláusula compromissória, reserva unicamente à Câmara de Arbitragem do Mercado, instituída pela própria Bolsa, o direcionamento de todas as arbitragens instauradas para solucionar os conflitos societários que venham a envolver as companhias aderentes aos regulamentos de listagem que a exigem.
iv A arbitragem e os limites à atuação do Judiciário nos litígios societários. In: Processo Societário. Obra coletiva coordenada por Flávio Luiz Yarshell e Guilherme Setoguti J. Pereira. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 750. Walfrido Warde Jr. e Ruy de Mello Junqueira Neto, ao analisarem a casuística do AC n. 0033878-23.2011.8.26.0068, de 11/12/2012, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, relatado pelo Des. Pereira Calças, extraem a seguinte doutrina: “a cláusula de arbitragem não deve ser manejada em afronta à boa-fé, como técnica de encarceramento societário e para frustrar a concreção da tutelas das minorias, sob pena de se afrouxar ou mesmo afastar a sua força vinculativa” (In: Direito Societário Aplicado. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 74.
v Conflito de Interesses nas Assembleias de S.A. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 68.
vi Como já dizia Louis D. Brandeis, Juiz da Suprema Corte Americana, em sua famosa frase: “Publicity is justly commended as a remedy for social and industrial diseases. Sunlight is said to be the best of disinfectants; electric light the most efficient policeman.” (Disponível em: http://www.brandeis.edu. Acesso em: 29/06/2015).
Por José Romeu Garcia do Amaral é advogado e professor do Insper. Mestre em Direito Comercial (USP), LLM pela Northwestern University School of Law, especialista em Direito Empresarial (Mackenzie) e pós-graduado em Gestão Empresarial (Unicamp). Membro do Instituto de Direito Societário Aplicado.
Fonte: ConJur

Estado deveria dividir custos da arbitragem com particular, dizem advogados

Exemplo Chileno
No Brasil, os custos relativos a uma arbitragem contra a Administração Pública devem ser pagos pelo particular. Porém, advogados criticam essa regra, a qual consideram injusta e inviável para processos de pequenas e médias empresas. Para eles, o país deveria seguir o modelo do Chile, que estabelece a divisão de despesas entre as partes.
Segundo a professora de Direito Internacional Privado da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Marilda Rosado de Sá Ribeiro, não há razão para que o Estado tenha uma condição privilegiada em uma arbitragem. No entanto, ela ressalvou que o Brasil não deve adotar nenhuma norma de outros países sem antes estudá-la a fundo.
O árbitro e sócio do Carvalho, Machado, Timm e Deffenti Advogados Luciano Benetti Timm disse que os custos de processos arbitrais deveriam ser divididos entre o Poder Público e o particular por “uma questão ética e de justiça”. Ele afirmou que empresas menores nem sempre têm condições de adiantar um valor inicial alto, que só vai ser recuperado em caso de decisão favorável. Até porque a maioria dos litígios do tipo envolvem descumprimento contratual, o que faz com que o ente estatal suspenda os pagamentos ao concessionário ou parceiro.
Marilda e Timm deram palestras no III Congresso Internacional de Arbitragem na Engenharia, realizados nos dias 10 e 11 de agosto em São Paulo (SP). No evento, o advogado chileno Juan Eduardo Figueroa Valdés, sócio do Figueroa, Illanes, Huidobro & Salamanca, contou que, em seu país, não há diferença de procedimento para as arbitragens públicas e privadas. Ou seja, se a Administração Pública estiver envolvida, ela terá que dividir os custos como qualquer ente privado.
Execução da decisão
A execução da sentença arbitral contra o Estado é mais rápida e simples no Chile do que no Brasil e na Argentina. No país andino, após a decisão transitar em julgado, o valor deve ser pago em até 60 dias, com juros e correção monetária até a data da quitação, explicou Valdés.

De acordo com o advogado argentino Pablo Raúl Masud, sócio do Estudio Blanco & Asociados, as decisões arbitrais precisam ser reconhecidas pelo Judiciário do país. Depois disso, se houver reserva no orçamento do ano, a Administração Pública pode fazer o pagamento imediatamente. Se não houver essa previsão na lei orçamentária, ela será incluída para o exercício seguinte, quando a dívida com o particular deve ser quitada.
Porém, se o ente estatal não comunicar ao Congresso a existência da condenação para que seja incluída no orçamento do ano seguinte ou se a despesa estiver prevista, mas não for paga, o beneficiário da sentença arbitral pode requerer a execução forçada da decisão. Caso o pedido seja aceito, ele recebe na hora a quantia, detalhou Masud em sua palestra.
No Brasil, a sentença arbitral desfavorável a empresa pública ou sociedade de economia mista segue as normas aplicáveis a pessoas de Direito Privado, ensinou o sócio do Tauil & Chequer Advogados Gustavo Fernandes de Andrade. Ou seja, se elas não pagarem a dívida em 15 dias, recebem multa de 10% sobre o valor, conforme previsão do artigo 475-J do Código de Processo Civil. No entanto, as condenações contra entes estatais submetidos à Fazenda Pública obedecem ao regime dos precatórios, estabelecido no artigo 100 da Constituição Federal, apontou. Nesse caso, ele entende que não há como exigir o pagamento de multa em caso de demora no cumprimento das obrigações.
O advogado e engenheiro Gilberto José Vaz discorda da obrigatoriedade do regime de precatórios para decisões que afetam a Fazenda. Isso porque o artigo 100 da Constituição fala em sentença judiciária, não em arbitral. Além disso, ele argumenta que, se os gestores públicos aceitaram a cláusula arbitral, eles entendem que o procedimento é diferente do judicial e que suas regras tem que ser respeitadas. Por fim, Vaz alega que as principais câmaras de arbitragem possuem cláusulas que preveem punições no caso de atraso de pagamentos, e que não há razão para a Administração Pública deixar de cumprir essas regras.
Por Sérgio Rodas é repórter da revista Consultor Jurídico.
Fonte: ConJur

terça-feira, 11 de agosto de 2015

São Paulo padroniza cláusula arbitral em contratos de PPPs e gera polêmica

Interesse do Estado
As parcerias público-privadas (PPPs) exigem em muitos casos a inclusão no contrato de uma cláusula que obrigue as partes a resolverem litígios por meio de arbitragem. Até agora, cada acordo dessa natureza que o estado de São Paulo firmava continha suas próprias regras quanto à escolha da instituição que conduziria o processo, como seria feito o pagamento das custas do processo e outras regras. Recentemente, a Procuradoria-Geral do Estado se debruçou sobre o tema e decidiu que era hora de uma padronização — que não tem agradado a todos.



Cláusulas não são uma barreira para as PPPs, defende Cristina Mastrobuono. Reprodução
A "cláusula padrão" define que a câmara arbitral deve ser brasileira e será escolhida pelo estado no momento do litígio, as custas serão antecipadas pela parte privada e o processo tem que correr na língua portuguesa. As novas regras foram detalhadas nesta segunda-feira (10/8) pela procuradora do estado Cristina Mastrobuono durante o III Congresso Internacional de Arbitragem na Engenharia.

“Quando o Estado utiliza a arbitragem ele não vira setor privado. Ele continua Estado, tendo que prestar contas a outros órgãos governamentais e à sociedade. Por isso não sabemos o quão benéfico é apontar uma câmara responsável por julgar um litígio que pode demorar 30 anos para acontecer — estamos falando de contratos longos e importantes. Não sabemos qual será o estado dessa instituição lá na frente, então essa é uma forma de nos defender”, afirmou Cristina, que atua no Núcleo de Estudos de Parcerias Público-Privadas na PGE/SP e na Comissão de Acompanhamento de Contratos de PPPs.



Cláusulas impostas não sobrevivem a análise jurídica, diz Carmona.Reprodução
Configuração de privilégio
No mesmo congresso, o advogado Carlos Alberto Carmona disparou sua “metralhadora” — como ele mesmo definiu — contra as novas regras da Procuradoria. “Com o que você aprende no primeiro semestre lá no Largo São Francisco você já tem como ver como essa cláusula é nula e será considerada nula em qualquer tribunal para qual seja levada. Não se pode dizer que é Estado quando interessa e não é Estado quando não interessa. Eu não li a cláusula e estou comentando baseado no que acabei de ouvir. Essas regras constituem privilégio de uma das partes e eliminam o conceito de igualdade que deve estar presente em um julgamento”, disse Carmona.

O advogado também trabalha como árbitro, atua nessa área a mais de 30 anos e auxiliou na redação da nova Lei de Arbitragem (Lei 13.129/2015), que por sinal foi o alvo seguinte de suas críticas. “A Lei de Arbitragem chegou à Câmara dos Deputados e ganhou novos trechos que foram 'brifados' pelo Governo Federal. E do jeito que foi aprovada é uma barbaridade. Um exemplo: prevê que em contratos acima de R$ 20 milhões — um valor que foi estipulado baseado em não sei o quê — as partes elejam de comum acordo um colegiado de três juízes. Como isso será feito se as partes estão em litígio? Isso obviamente irá parar na Poder Judiciário e a rapidez, que é um dos objetivos principais da arbitragem, já não existe mais”, analisou Carmona.

Confiança na legalidade
Da plateia, a procuradora Cristina pediu a palavra para a réplica. “Não tenho dúvidas da legalidade da cláusula. Parece-me até pretensioso da sua parte (Carmona) fazer essa análise, sendo que esse regulamento foi analisado por diversos procuradores do estado, pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público e todos disseram que é uma medida legal. E o tempo vem provando que essas cláusulas não são uma barreira para as PPPs. Desde que foram adotadas foram firmados dez contratos que vão gerar R$ 30 bilhões em investimentos para o estado de São Paulo”, contou Cristina.

Sobre a premissa da escolha do juiz arbitral que analisará o caso, a procuradora ressaltou que a grande maioria dos advogados que trabalham em causas que envolvem questões administrativas do Estado estão atuando na outra parte, ou seja, contra o Estado. Os que trabalham a favor são os das promotoria ou da Advocacia-Geral da União. Por isso haveria muitos possíveis conflitos de interesse se essa escolha ficasse em aberto.

Mas ainda havia tempo para uma tréplica. Carmona ressaltou novamente que não leu a cláusula, mas admitiu ser pretensioso. “Como qualquer bom professor, sou pretensioso. E estudo a arbitragem por mais de 30 anos. Não estou falando aqui como advogado e sim como professor. Existem advogados constitucionalistas e de outras áreas, profissionais que não atuaram em suas carreiras em questões administrativas do Estado. Eles poderiam arbitrar litígios de PPPs sem o Estado ter o privilégio de fazer essa indicação. Gostaria de ressaltar que esse é um debate de ideias, acadêmico, não tenho nada pessoalmente contra a Dra. Cristina”, enfatizou.

Por Fernando Martines é repórter da revista Consultor Jurídico
Fonte: ConJur

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Conflitos Societários: remédios inadequados

Introdução
Há muito tempo, no exercício da advocacia empresarial e, sobretudo, como Coordenador do Departamento de Mediação da Câmara de Mediação e Arbitragem da Associação Comercial do Paraná, ARBITAC, observo que o perecimento de sociedades empresárias constituídas em razão das pessoas dos sócios, se deve à utilização de remédios inadequados para a solução de conflitos societários.

A sub utilização dos métodos consensuais de resolução de conflitos, como a mediação empresarial, pelos advogados e empresários,remetem os sócios em conflito a uma única porta de saída: a decisão judicial ou arbitral.

Esse tema me voltou à mente recentemente por dois motivos: Primeiro, pelo convite do ilustre Dr. Eduardo da Silva Vieira, Coordenador da Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem (CBMAE) para redigir o presente artigo e, segundo, pela divulgação de um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo que publicou um relatório “Radiografia das Sociedades Limitadas” feito com base em informações registradas na Junta Comercial de São Paulo (JUCESP).

Esse levantamento demonstrou, segundo o Relatório citado, de que 85,7% das limitadas tem apenas dois sócios, o que leva a sociedade obter unanimidade nas deliberações sociais, especialmente aquelas que ensejam alteração do contrato social.

A mesma publicação cita o advogado Marcelo Guedes Nunes, diretor do Instituto de Direito Societário Aplicado (IDSA) que em 2012 fez uma pesquisa sobre a situação das limitadas perante os tribunais, envolvendo 718 ações judiciais de dissolução de sociedade nas 27 unidades da federação, distribuídas entre 1997 e 2011.

O eminente jurista concluiu que “o Código Civil fez com que muitas dissoluções que poderiam ser resolvidas extrajudicialmente fossem para a justiça” (grifo nosso).

Podemos incluir nesse rol as sociedades anônimas familiares, que possuem as mesmas características das limitadas, apenas revestidas de roupagem jurídica distinta. Em ambos casos as participações societárias tem pouquíssima liquidez, prevalece nas deliberações sociais o relacionamento entre os sócios, o que leva os sócios remediarem os conflitos societários pela via da dissolução parcial ou total das sociedades.

2. Inconveniência do Recurso ao Procedimento Judicial
Creio que o remédio do recurso a uma decisão judicial ou arbitral, tem se apresentado como uma terapia que produz efeitos nocivos ao tratamento das desavenças societárias. Isto se dá porque os elementos controversos trazidos pelas partes à apreciação do Juiz ou árbitro, a chamada lide processual, é apenas a ponta do “iceberg”. Abaixo, fora do alcance do tribunal, ocultam-se inúmeras questões não resolvidas.

Deve-se levar também em conta que os conflitos societários na empresa familiar assumem na maioria das vezes o perfil de um conflito interpessoal, isto é, o problema passa a ser o outro e não a questão em si.

Esses aspectos evidenciam o contraste entre a abordagem do conflito apenas pelo ângulo jurídico e a abordagem que contempla também outros elementos que se encontram presentes num conflito societário. Neste sentido, a mediação oferece uma visão ampla da controvérsia e oferece instrumentos adequados de intervenção para a construção de soluções do conflito.

3. Aspectos Positivos do Processo de Mediação nos conflitos societários
O processo de mediação apresenta algumas importantes vantagens: Rapidez e flexibilidade do procedimento;

Custo razoável do processo;

Sigilo do processo;

Não traz nenhum prejuízo às partes que podem utilizar outros meios de resolução de conflito no caso de insucesso da mediação;

Propicia abertura para se criar inúmeras opções de resolução da disputa, que pode ter outros desfechos além do “ganha-perde”.

O Termo de Transação obtido na mediação se constitui em um título executivo extrajudicial e pode ser cobrado judicialmente. As vantagens da mediação, como técnica adequada de resolução de conflito, são acentuadas quando o conflito se instala em empresas familiares.

Na empresa familiar as situações geradas no seio da família empresária se comunicam na sociedade familiar e vice versa. A necessidade de coesão desse contexto social requer a adoção de mecanismos adequados de resolução de conflitos que atuem de modo a evitar a escalada do conflito e o consequente rompimento da estabilidade das relações no seio da família e da sociedade.

Pode-se afirmar que a longevidade da empresa dependerá do modo como se maneja o conflito societário.

4. Porque há uma sub utilização do potencial positivo da Mediação no Brasil?
É comum ouvir do advogado ou do empresário a seguinte expressão: “não há mais espaço para negociação, já tentei de tudo”.

Em geral, há um desconhecimento de que a introdução do mediador capacitado nas técnicas aplicadas ao processo de mediação promoverá a sua intervenção, consciente do principio da causalidade da circularidade da comunicação, o que permitirá mover as partes do impasse.

O reconhecido jurista Joaquim de Paiva Muniz acrescenta, entre outros motivos da sub utilização da mediação, o diferencial entre as taxas de juro moratório e a taxa de juros de crédito bancário, que beneficia o devedor inadimplente.

Por Herique Gomm Neto, Advogado, Mediador, Sócio GOMM Advogados Associados, Diretor Jurídico do CONIMA, Diretor de Mediação da ARBITAC
Fonte: Revista Resultado

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Mediação é espaço para diálogo e compreensão de conflitos

Processo familiar
Finalmente a mediação ocupa a cena, contemplada com a Lei 13.140, de 26 de junho de 2015, e recepcionada em diversos artigos do novo Código de Processo Civil. Certamente, as inovações trazidas demandarão, além da formação de profissionais para tanto capacitados, muitos estudos e discussões, até que possamos estabelecer mais claramente seu alcance, aplicações e mesmo suas limitações. Uma discussão que apenas se inicia e que convida profissionais de outras áreas.
Diversas são as escolas de mediação, em nosso país, e em vários lugares do mundo, algumas não a distinguindo da conciliação; opção felizmente não adotada pelos nossos legisladores. A distinção muitas vezes sutil, porém essencial, diz respeito ao enfoque, mais amplo ou mais restrito, que é dado ao conflito, e ao seu encaminhamento. A conciliação visa o acordo, a mediação visa a ampliação da consciência do conflito e de seus determinantes, e o estabelecimento da comunicação.
Com a crescente judicialização dos conflitos, a confusão entre os dois institutos, e o privilégio dado ao acordo, atenderia, num engano, à utilização da mediação como forma de desafogar o Judiciário, para o quê aqui se alerta. E, nessa coluna da ConJur, a atenção está voltada à importância de uma noção mais ampla do conflito, por sua vez mais abrangente do que a lide judicial, e quanto ao seu aspecto transformador, e que transcende o acordo.
Com fundamentos na interdisciplinaridade, a mediação aporta ao Direito conhecimentos de outras áreas. Ela representa uma mudança de um paradigma disciplinar para o interdisciplinar, de um enfoque adversarial e negativo do conflito, para um enfoque colaborativo e transformador, de um enfoque objetivo para um enfoque que contemple a complexidade dos conflitos e também seus aspectos subjetivos.
Mudanças de paradigma que acabam, também, por propor o exame das diferenças e conflitos entre as disciplinas, entre as profissões, e das instituições, ademais daqueles próprios aos agentes mediadores. A este último aspecto também diz respeito a formação do mediador. Um caminho promissor, e que merece cuidado.
E mesmo que neste percurso, de discussão e difusão, hajam mais cursos de mediação do que mediações em curso, uma contribuição importante é a da mudança de paradigma e de seus efeitos transformadores na sociedade, e inclusive no Judiciário. 
A mediação e sua prática não são novas, mas a sua crescente difusão resulta da compreensão da complexidade dos relacionamentos, menos hierarquizados e mais horizontalizados, da importância crescente dada a afetividade, e da necessidade de uma outra abordagem dos conflitos em suas diversas expressões, ainda mais daqueles que tem demandado a intervenção do Judiciário, dado o fenômeno da judicialização dos conflitos. E esse fenômeno tem levado, de modo negativo, a confundir o conflito com a moldura legal que lhe pode ser dada.
Grande parte do impulso que tem sido dado à mediação também resulta de uma crescente insatisfação com e, também, por parte do próprio Judiciário. E, ainda, resulta da frustração dos profissionais que, a despeito dos esforços e melhores intenções, encontram um descompasso em sua formação e quanto aos meios de que dispõem para atender seus clientes e à vocação e anseio de pacificação das relações.
O Judiciário encontra-se cada vez mais asfixiado com a impossibilidade, não só em atender a uma crescente demanda mas, também, em oferecer a devida prestação jurisdicional aos processos já em tramitação. E, nesse cenário, a mediação emergiria, indevidamente, quase que como um remédio mágico. Mas, mesmo que desconsiderássemos que tal caminho representa um engano, ainda assim a análise estatística demonstra que uma considerável parte dos processos advém do próprio poder público. E, ademais, em diversas contendas o Judiciário é utilizado como forma, veja-se, de protelar a Justiça; o que equivale, por omissão, em se deixar indevidamente utilizar.
Decorrente da percepção da difícil realidade, quase como em um “ato falho” é que se fala da mediação, e ainda da conciliação e da arbitragem, como meios adequados de resolução de conflito e impasses — como se o Judiciário não o fosse.... Um alerta para que sua função seja repensada.
A mediação não pode ser utilizada para escamotear uma realidade que põe em risco os mais nobres ideais e mesmo sua função.
Importante que na crescente judicialização dos conflitos possamos identificar alguns determinantes desta situação. E, justamente, uma contribuição, indevida neste cenário, deve-se a uma demanda que o próprio Judiciário ajuda, indiretamente, a criar ao se propor, inadvertidamente, a solucionar os conflitos.
Do ponto de vista interdisciplinar, parte da confusão, de origem e de objeto, encontra-se na ideia de que o Direito tem por objetivo a pacificação dos conflitos em sentido amplo, e que, assim consequentemente, estes poderiam ser resolvidos, dentro da moldura legal, e por meio de acordos ou sentenças. Sim, no senso comum, também falamos em resolver os conflitos. Mas, os novos tempos pedem que nos debrucemos mais detidamente em conceitos polissêmicos e nas especificidades das abordagens dos conflitos.
Segundo a ótica que, desde a virada do milênio, defendem as comissões de mediação e de interdisciplinaridade do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), a crença de que se pode resolver o conflito, como se ele se confundisse com a visão que lhe imprime o Direito — o de uma pretensão resistida — mais contribui para que ele se torne crônico, ao invés de colaborar com sua transformação. A tentativa em assim reduzir a noção de conflito, acaba por desencadear o fenômeno que se conhece em psicanálise como o “retorno do reprimido”, ou seja, os aspectos não trabalhados do conflito acabam por retornar com igual ou maior força, também uma lei da física, cujos reflexos bem conhece o Judiciário.
Certo também é que, por outro lado, a judicialização dos conflitos é fruto de uma crescente consciência dos direitos aliada a uma angústia social devida a diversos fatores tais como: o esgarçamento do tecido social, resquícios de uma cultura patriarcal e paternalista, e crise quanto ao exercício da autoridade. Buscam-se outras qualidades nos relacionamentos e outras formas de exercício e legitimação da autoridade.
E, no contexto de incerteza e angústia, demanda-se segurança. Sendo ainda que os mais diversos anseios e expectativas, também subjetivos, são transferidos de modo inconsciente — e aqui o sentido é psicanalítico —  ao Judiciário que, por definição e dados os devidos limites de sua função, não os pode atender. Alvo de idealização, além das falhas pelas quais deve sim se responsabilizar e buscar sanar, o Judiciário acaba ocupando o lugar de “bode expiatório” de projeção de dificuldades que têm origem também em outros lócus. O ciclo vicioso é o da insatisfação e cobrança que, enganosamente, soluções também ditas adequadas ou alternativas viriam a aliviar.
Mais do que um detalhe nesta análise, é o fato de que o Judiciário e os operadores do Direito, mesmo sem o saber, tornam-se presa inconsciente desta demanda — nome que, curiosamente, em psicanálise, tem o sentido de desejo, e nunca totalmente satisfeito. Mais metas, novas leis e resoluções, novo CPC, mais verbas, mais pessoal e assim o Judiciário vai se agigantando na crença de que sua função é atender a demanda de resolver os conflitos. E, neste cenário e fruto de engano, é que a mediação apareceria como alternativa, como se fosse panaceia para desafogá-lo.... E, assim, para atender a demanda em tudo resolver, os acordos podem acabar, mesmo com a distinção entre os institutos da mediação e da conciliação, por serem privilegiados.
E, nesta dinâmica, como resultado da crescente judicialização dos conflitos, e dada a ideia de que o Direito os pudesse extinguir, acaba por se contribuir para a injustiça. Um engano, em oposição à vida dada pela força transformadora dos conflitos — uma forma de paralisação da Justiça.
Ao invés de pensar a mediação como um método para desafogar o Judiciário, quando muito, e o que é já seria muito, a mediação pode ser utilizada como forma de compreender os conflitos e de questionamento quanto ao tratamento que lhes é dado, ampliando a consciência de suas características, de seus determinantes e suas consequências.
Ou seja, a mediação traz consigo um método de conhecimento dos conflitos, um método de sua abordagem, sejam eles representados apenas como conflitos, como controvérsias, ou como impasses sob a moldura de lides judiciais.
Enquanto um instituto, a mediação interdisciplinar pode ser definida como: um método por meio do qual um terceiro imparcial, especialmente formado, colabora com os mediandos de modo a que ampliem a consciência dos conflitos, de seus múltiplos determinantes e consequências, elaborando a transformação daqueles, por meio do estabelecimento ou restabelecimento da comunicação. Friso que o acordo é apenas um desdobramento possível.
A sentença, a conciliação e o acordo e a mediação representam óticas dos conflitos e expressam lógicas, não necessariamente excludentes de sua abordagem, em suas diversas expressões. Formas igualmente importantes, muitas vezes complementares, e que atendem a necessidades diversas. A definição mais clara dos instrumentos utilizados para abordar os conflitos em suas diversas expressões se faz de rigor. Opções que devem ser dadas aos que demandam a intervenção de um terceiro, seja no âmbito judicial ou não. E a possibilidade de opção contemplada nas novas leis representa mudança paradigmática.
Confundir a mediação com a conciliação, confundir o objetivo de estabelecimento da comunicação com a obtenção do consenso e celebração de acordo, confundir a expressão judicial e a extrajudicial dos conflitos, pode fomentar ainda mais a asfixia de um sistema aprisionado em demandas que, em muito, transcendem sua função.
E, de modo inverso, observamos que a judicialização dos conflitos se reflete não só nas demandas ao Judiciário, mas no caminho inverso, em se tentar centralizar e controlar a formação de mediadores extrajudiciais, imprimindo à mediação uma visão mais do Direito do que interdisciplinar. Um polêmico assunto para outra ocasião.
A mediação enquanto representativa de uma mudança de paradigma deve ser utilizada para pensar os conflitos de forma ampla, visando sua transformação, seja qual for sua expressão, o lócus e o método de abordagem. Este é o que se denomina de espírito da mediação.
Se aceitávamos antes a fala: antes um mau acordo do que uma boa demanda, podemos hoje dizer: antes uma boa mediação e mesmo uma boa demanda, do que um mau acordo. Sabemos, pela dura experiência, que inclusive a dinâmica processual exaustiva, e acordos forçados, não têm o condão de transformar e exaurir os conflitos. Muito pelo contrário.
Por Giselle Câmara Groeninga é diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM.
Fonte: ConJur