O número de processos baixados a cada ano pelos magistrados brasileiros cresceu 9,3% desde 2009, mas ainda é inferior ao número de casos novos que ingressam anualmente na Justiça. Segundo dados do relatório Justiça em Números 2014, o número de processos em trâmite na Justiça brasileira chegou a 95,14 milhões em 2013. A cada ano, são milhões de novos casos ingressando num sistema judiciário lento e sufocado.
O cenário fica mais desalentador quando se leva em conta a falta de confiança que empresas e o público em geral ainda têm nas formas extrajudiciais de solução de conflitos. Este é um dos fatores da cultura do litígio, ainda propagada por aplicadores do direito devido à uma mentalidade incrustada desde o ensino jurídico de que o bom profissional é aquele que litiga.
Para o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), José Roberto Neves Amorim, o judiciário enfrenta muitos desafios. O TJSP já vem realizando algumas ações para incentivar formas mais adequadas para solucionar determinados conflitos. Um exemplo é a celebração de convênios com entidades públicas e privadas para instalação de centros de conciliação, política adotada pelo Tribunal e proliferada com parcerias com prefeituras, universidades e associações comerciais.
Para empresários, a autocomposição pode ser muito vantajosa, pois regulariza negócios de forma mais rápida e menos custosa, além de permitir a administração da imagem da empresa perante os consumidores.
Segundo Neves Amorim, a sociedade também se beneficia pela multiplicação da cultura da simplificação e respeito mútuo.
Resultado: Quais são as principais dificuldades ou obstáculos na implementação da cultura da pacificação num país como o Brasil, onde o costume é resolver os conflitos por meio do Judiciário?
R: O principal problema é se obter a mudança de mentalidade dos profissionais da área jurídica. Existe uma mentalidade incrustada desde o ensino jurídico de que o bom profissional do Direito é aquele que litiga e aplica a lei dentro do sistema da subsunção da norma ao fato. Ocorre que, com o excesso de processos diariamente distribuídos perante os tribunais, o método de trabalho da adjudicação universal dos conflitos através da sentença torna-se inviável. Somente os casos de maior complexidade ou resistência das partes deveriam ser resolvidos por decisão judicial. Neste sentido, afirmava-se que a jurisdição é substitutiva à vontade das partes. Mas hoje, as partes sequer buscam a aproximação para a solução do conflito, optando por judicializar o problema imediatamente.
R: O principal problema é se obter a mudança de mentalidade dos profissionais da área jurídica. Existe uma mentalidade incrustada desde o ensino jurídico de que o bom profissional do Direito é aquele que litiga e aplica a lei dentro do sistema da subsunção da norma ao fato. Ocorre que, com o excesso de processos diariamente distribuídos perante os tribunais, o método de trabalho da adjudicação universal dos conflitos através da sentença torna-se inviável. Somente os casos de maior complexidade ou resistência das partes deveriam ser resolvidos por decisão judicial. Neste sentido, afirmava-se que a jurisdição é substitutiva à vontade das partes. Mas hoje, as partes sequer buscam a aproximação para a solução do conflito, optando por judicializar o problema imediatamente.
Esta mentalidade de judicialização deságua numa segunda dificuldade: a obtenção de recursos e infraestrutura para investimento na conciliação e mediação. Neste caldo cultural, vemos que a praxe da sentença é a opção mais custosa e demorada. É nele que investe a cultura jurídica tradicional, através da disponibilização de mais advogados, juízes, promotores, funcionários e peritos. Todo este quadro exige custos públicos e privados, envolvendo uma opção pública de investimento em estrutura, e uma opção privada em investimento no conflito. Já a conciliação e a mediação que envolve uma negociação qualificada para fins de evitar o conflito, são opções eficientes e baratas. Não obstante, enfrentam desconfiança no mundo jurídico. A autocomposição não é prestigiada pelas empresas e pelos profissionais legais, que tendem a resistir ao novo. Contudo, temos tido sucesso em obter apoio do Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo presidente é entusiasta da conciliação e da mediação, bem como adesão de parceiros públicos e privados, bem como grandes litigantes que estão interessados em resolver conflitos ao invés de alimentar processos.
De que forma os métodos extrajudiciais de solução de conflitos podem ser vantajosos para empresários, consumidores e a sociedade como um todo?
R: A forma de trabalho do Judiciário tradicional enfrenta vários desafios. O afrouxamento da precisão do sistema legal, cada vez mais pejado de normas, um processo complexo e com muitas possibilidades de recursos, levam à absoluta indefinição sobre o conteúdo da decisão a ser alcançada, o tempo em que ela será proferida e, ainda, o tempo necessário para a sua concretização. Os métodos consensuais de resolução de conflitos dão maior precisão ao sistema legal, permitindo uma abordagem colaborativa e prospectiva das partes para solução rápida do litígio sem a necessidade de invocar o custoso e complexo sistema legal. Além disso, reforçam a cidadania ao permitir às partes o desenvolvimento da capacidade de negociação, induzindo convivência e respeito mútuo, objetivo que muitas vezes não é alcançado através da sentença. Com isso, empresários conseguem regularizar seus negócios de forma mais rápida e menos custosa. Além disso, conseguem também administrar sua imagem perante os consumidores, que em casos consumeristas, se veem favorecidos com uma pronta resposta do fornecedor de serviços e produtos. A sociedade, por fim, é beneficiada pela multiplicação da cultura da simplificação e respeito mútuo.
O que o TJSP tem feito para incentivar as formas extrajudiciais de solução de conflitos? Qual a importância dessas ações?
R: O Tribunal de Justiça tem incentivado, em primeiro lugar, a instalação de Centros de Conciliação no Estado inteiro. A própria Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça permitiu a celebração de convênios com entidades públicas e privadas para instalação de centros de conciliação, política adotada pelo Tribunal e proliferada com parcerias com prefeituras, universidades e associações comerciais, dentre outros. Os centros pretendem atuar com padrões de excelência de atendimento e organização, dispondo de sistema informatizado ofertado pelo Tribunal, que agiliza a alimentação das informações sobre as partes e a coleta de dados de eventuais acordos, permitindo que os Centros operem em meio eletrônico. Além disso, o Tribunal também tem apoiado parcerias com grandes litigantes para eliminação de conflitos repetitivos, centralizado a elaboração de políticas públicas para a sua elaboração. Tem também incentivado projetos como a paternidade responsável, em parceria com a Corregedoria, e a mediação em casos de homofobia e racismo, junto à Secretaria Estadual da Justiça. O Tribunal também atuou de forma decisiva na remuneração dos conciliadores e mediadores, enviando projeto e pugnando por sua aprovação, o que se deu recentemente na Assembleia Legislativa.
De que forma as câmaras privadas de conciliação e mediação de conflitos podem se beneficiar ou colaborar com o TJSP?
R: As câmaras privadas de conciliação ou mediação podem se beneficiar mantendo serviço em parceria com o Tribunal de Justiça, disponibilizando estrutura lógica para realização de sessões de autocomposição. Também podem ofertar conciliadores e mediadores qualificados para realização da atividade, divulgando a pacificação por todo o Estado de São Paulo. Em contrapartida, havendo convênio entre as entidades e o Tribunal de Justiça, tais acordos podem ser homologados perante um juiz, tornando-se título executivo judicial, que equivale a uma sentença. É uma via de duas mãos para que todos alcancem a pacificação efetiva e sem a necessidade de judicialização dos conflitos.
Em 2008, a Associação Comercial de São Paulo e a CACB firmaram um convênio com o TJSP instituindo o Posto Avançado de Conciliação Extraprocessual (PACE). Como o senhor enxerga esse tipo de parceria?
Na realidade, devemos louvar o pioneirismo da Associação Comercial e da CACB. Foi um dos primeiros postos de atendimento avançado extraprocessual, que serviu de exemplo, mais à frente, para a regularização da atividade da conciliação preventiva pela edição da Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça. Hoje, se exercitamos a atividade da conciliação pré-processual, tal se deu justamente pelos primeiros passos dados por estas entidades, que abriram o precedente agora adotado como paradigma para todo o país. Na atividade de conciliação extraprocessual, de caráter preventivo ao litígio, conseguem-se os melhores números de composição: 58% de casos com acordo na área cível, e 83% de casos com acordo na área de família, a demonstrar que se todo o conflito fosse submetido à conciliação extraprocessual, teríamos bem menos que a metade do número atual de feitos em andamento.
O CNJ e outras entidades vêm debatendo sobre a inserção de disciplinas de mediação e arbitragem como cadeiras obrigatórias do curso de direito, um dos mais demandados do Brasil. Qual é a importância da qualificação profissional para haver uma mudança na cultura do litígio?
R: A importância é fundamental. Não adianta formar mais profissionais que vão produzir mais do mesmo. Investir nos mesmos meios de eliminação de conflitos será apenas impor-se ao Judiciário o destino de se agigantar cada vez mais para dar conta da adjudicação geral das demandas. Hoje, o Judiciário manifesta-se a respeito de tudo: danos morais em conflitos de vizinhos, decisões de vagas em creche, fornecimento de remédios pelo Poder Público, execuções fiscais de valor ínfimo. Passou da hora de mudarmos o viés litigante de propositura da ação para solução de todos os problemas. É utilizar um meio requintado e complexo para resolução de questões comezinhas, a consumir não somente grandes insumos públicos, mas também tempo e investimento, recursos de que a população em geral não dispõe. Melhor seria a responsabilização dos agentes sociais para fins de traçar políticas de eliminação consensual de conflitos, canalizando os recursos disponíveis para investimento na satisfação das partes, ao invés de resistir a elas. Por isso, é importantíssimo sensibilizar desde já os estudantes a respeito da necessidade de ofertar um novo produto jurídico do Judiciário fora do tradicional produto decisão judicial. O profissional legal deve estar concentrado principalmente na resolução do problema jurídico do seu cliente da forma mais eficiente possível. Para tanto, não deve ficar mesmerizado na lei, que é apenas um dentre vários instrumentos para a solução dos conflitos. E essa nova visão do profissional legal deve partir do ensino jurídico, campo apto para a inovação e pesquisa.
Levando em consideração o último relatório Justiça em Números, que apontou um trâmite de 95 milhões de processos na justiç a brasileira, que tipos de conflitos o senhor acredita que poderiam ser resolvidos fora do Judiciário?
R: A maior parte dos conflitos é passível de conciliação prévia. O Conselho Nacional de Justiça permitiu, através da criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, o funcionamento de órgão que tem todos os atributos do Poder Judiciário para a solução de conflitos de forma negociada e consensual. Com isso, causas que envolvem entidades públicas ou o Ministério Público, por exemplo, podem ser levadas aos Centros, indo além da solução por simples contrato. É necessário, contudo, que os empresários, o poder público, a população em geral e os profissionais legais tenham consciência que uma autocomposição é o caminho mais rápido e direto para o alcance da solução do conflito, demandando menos energia e investimento para a sua eliminação. Os Centros processam reclamações simples, muito diferentes da petição inicial do foro em geral. Ainda, tem pautas curtas, o que permite a aproximação das partes entre quarenta e cinquenta dias da oferta da reclamação. Contam com conciliadores e mediadores qualificados tecnicamente, que se submeteram a tratamento teórico e prático para permitir às partes uma negociação objetiva e técnica, filtrando problemas pessoais existentes entre elas. E em pouco tempo, alcançam-se resultados efetivos com a rápida estabilização do conflito através de acordos. Com isso, alcançamos os auspiciosos percentuais mencionados. O Judiciário somente deveria ser utilizado nos casos em que efetivamente as partes se aproximaram em negociação prévia sem obter um acordo.
Fonte: Revista Resultado
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