terça-feira, 11 de agosto de 2015

São Paulo padroniza cláusula arbitral em contratos de PPPs e gera polêmica

Interesse do Estado
As parcerias público-privadas (PPPs) exigem em muitos casos a inclusão no contrato de uma cláusula que obrigue as partes a resolverem litígios por meio de arbitragem. Até agora, cada acordo dessa natureza que o estado de São Paulo firmava continha suas próprias regras quanto à escolha da instituição que conduziria o processo, como seria feito o pagamento das custas do processo e outras regras. Recentemente, a Procuradoria-Geral do Estado se debruçou sobre o tema e decidiu que era hora de uma padronização — que não tem agradado a todos.



Cláusulas não são uma barreira para as PPPs, defende Cristina Mastrobuono. Reprodução
A "cláusula padrão" define que a câmara arbitral deve ser brasileira e será escolhida pelo estado no momento do litígio, as custas serão antecipadas pela parte privada e o processo tem que correr na língua portuguesa. As novas regras foram detalhadas nesta segunda-feira (10/8) pela procuradora do estado Cristina Mastrobuono durante o III Congresso Internacional de Arbitragem na Engenharia.

“Quando o Estado utiliza a arbitragem ele não vira setor privado. Ele continua Estado, tendo que prestar contas a outros órgãos governamentais e à sociedade. Por isso não sabemos o quão benéfico é apontar uma câmara responsável por julgar um litígio que pode demorar 30 anos para acontecer — estamos falando de contratos longos e importantes. Não sabemos qual será o estado dessa instituição lá na frente, então essa é uma forma de nos defender”, afirmou Cristina, que atua no Núcleo de Estudos de Parcerias Público-Privadas na PGE/SP e na Comissão de Acompanhamento de Contratos de PPPs.



Cláusulas impostas não sobrevivem a análise jurídica, diz Carmona.Reprodução
Configuração de privilégio
No mesmo congresso, o advogado Carlos Alberto Carmona disparou sua “metralhadora” — como ele mesmo definiu — contra as novas regras da Procuradoria. “Com o que você aprende no primeiro semestre lá no Largo São Francisco você já tem como ver como essa cláusula é nula e será considerada nula em qualquer tribunal para qual seja levada. Não se pode dizer que é Estado quando interessa e não é Estado quando não interessa. Eu não li a cláusula e estou comentando baseado no que acabei de ouvir. Essas regras constituem privilégio de uma das partes e eliminam o conceito de igualdade que deve estar presente em um julgamento”, disse Carmona.

O advogado também trabalha como árbitro, atua nessa área a mais de 30 anos e auxiliou na redação da nova Lei de Arbitragem (Lei 13.129/2015), que por sinal foi o alvo seguinte de suas críticas. “A Lei de Arbitragem chegou à Câmara dos Deputados e ganhou novos trechos que foram 'brifados' pelo Governo Federal. E do jeito que foi aprovada é uma barbaridade. Um exemplo: prevê que em contratos acima de R$ 20 milhões — um valor que foi estipulado baseado em não sei o quê — as partes elejam de comum acordo um colegiado de três juízes. Como isso será feito se as partes estão em litígio? Isso obviamente irá parar na Poder Judiciário e a rapidez, que é um dos objetivos principais da arbitragem, já não existe mais”, analisou Carmona.

Confiança na legalidade
Da plateia, a procuradora Cristina pediu a palavra para a réplica. “Não tenho dúvidas da legalidade da cláusula. Parece-me até pretensioso da sua parte (Carmona) fazer essa análise, sendo que esse regulamento foi analisado por diversos procuradores do estado, pelo Tribunal de Contas e pelo Ministério Público e todos disseram que é uma medida legal. E o tempo vem provando que essas cláusulas não são uma barreira para as PPPs. Desde que foram adotadas foram firmados dez contratos que vão gerar R$ 30 bilhões em investimentos para o estado de São Paulo”, contou Cristina.

Sobre a premissa da escolha do juiz arbitral que analisará o caso, a procuradora ressaltou que a grande maioria dos advogados que trabalham em causas que envolvem questões administrativas do Estado estão atuando na outra parte, ou seja, contra o Estado. Os que trabalham a favor são os das promotoria ou da Advocacia-Geral da União. Por isso haveria muitos possíveis conflitos de interesse se essa escolha ficasse em aberto.

Mas ainda havia tempo para uma tréplica. Carmona ressaltou novamente que não leu a cláusula, mas admitiu ser pretensioso. “Como qualquer bom professor, sou pretensioso. E estudo a arbitragem por mais de 30 anos. Não estou falando aqui como advogado e sim como professor. Existem advogados constitucionalistas e de outras áreas, profissionais que não atuaram em suas carreiras em questões administrativas do Estado. Eles poderiam arbitrar litígios de PPPs sem o Estado ter o privilégio de fazer essa indicação. Gostaria de ressaltar que esse é um debate de ideias, acadêmico, não tenho nada pessoalmente contra a Dra. Cristina”, enfatizou.

Por Fernando Martines é repórter da revista Consultor Jurídico
Fonte: ConJur

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