Outras formas de acesso
Considerada uma das mais importantes garantias
consagradas por meio da Constituição da República de 1988, a inafastabilidade
da jurisdição prevista no previsto no artigo 5º, XXXV, propiciou o acesso à
justiça ao determinar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça de direito”.
No entanto, nem o aumento da estrutura
dos tribunais, com a ampliação no número de juízes e desembargadores, nem a
evolução tecnológica implementada nestes órgãos foram capazes de absorver o
crescimento da demanda, cujo volume de novas ações saltou de 350 mil em 1988
para aproximadamente 30 milhões nos dias de hoje, resultando no acúmulo de
cerca de 110 milhões de processos em curso, aguardando julgamento, resultando
na notória morosidade para a solução de conflitos, de modo que especialistas
defendem a necessidade de novos caminhos para enfrentar esta situação.
Sem adentrar nas causas, a sobrecarga
do judiciário evidencia a necessidade de se repensar os tradicionais métodos de
solução de conflitos, abrindo espaço para novos caminhos, sobretudo nas áreas
de construção civil, infraestrutura e do mercado imobiliário, onde as matérias
técnicas usualmente permeiam o foco das controvérsias.
Neste cenário, os Métodos
Extrajudiciais de Solução de Conflitos (MESCs) surgem como alternativa ao
propiciar aos litigantes a possibilidade de uma decisão célere e técnica para a
resolução dos conflitos, tendo em vista a possibilidade das partes elegerem
especialistas para auxiliar ou decidir o conflito.
Entre estas alternativas de solução
extrajudicial de conflitos, uma das modalidades que, embora ainda seja
incipiente, tem ganhado espaço e conta com a simpatia dos litigantes, é a
Avaliação Neutra (neutral evaluation).
Originária da cultura norte-americana,
esta modalidade é indicada para orientar as partes em uma solução consensual do
conflito, preferencialmente antes da adoção de outro mecanismo de resolução de
conflitos, quando as negociações chegam a um impasse.
Para tanto, as partes elegem
preferencialmente um especialista na matéria em discussão, que após análise dos
documentos e explanação das partes, emitirá um parecer onde deverá explorar de
forma objetiva e conclusiva as causas e responsabilidades sobre os principais
pontos da controvérsia.
Trata-se de um método simples e
relativamente rápido que, devido à autoridade e respeitabilidade do avaliador
neutro e independente, confere segurança e respaldo às partes para a tomada de
decisões, tornando-as defensáveis contra críticas posteriores.
No entanto, o parecer emitido não é
vinculante e nem tem força adjudicatória, por esta razão, sua finalidade
precípua é orientar uma resolução consensual, o que exige interesse e
maturidade negocial entre as partes na solução de conflitos.
Por se tratar de uma modalidade ainda
embrionária, inexiste normatização quanto ao procedimento a ser adotado, o que
exige o cuidado das partes na definição do escopo, das etapas e do prazo, no
momento da contratação do profissional, para garantir o contraditório e de
afastar questionamentos posteriores.
Nossa experiência com este método
sugere que a formalização da contratação do avaliador neutro somente ocorra
após a definição do escopo da avaliação, que deve ser definida previamente
pelas partes, em conjunto, por meio da proposição de quesitos que irão nortear
as etapas futuras do trabalho, cabendo às partes enviar cópia dos documentos
necessários para a análise do litígio.
Após o recebimento dos documentos, o
procedimento deve seguir com a apresentação individualizada das alegações pelas
partes. Este contato propicia ao avaliador maior proximidade com a matéria
debatida, permitindo a ele entender os ensejos de forma autêntica, favorecendo
a elaboração de um parecer independente que efetivamente esclareça o imbróglio.
Na sequência, cabe ao avaliador neutro
elaborar, dentro do prazo previamente acordado o parecer preliminar, opinando
tecnicamente sobre a matéria em litígio, onde serão destacados elementos
relevantes para formação de suas convicções.
Em função de eventuais erros, omissões
ou contradições, a semelhança do que ocorre nas perícias e arbitragens, após
apresentação do parecer provisório, cabe às partes apresentar eventuais
comentários e solicitações de esclarecimentos, procedendo-se à emissão do
parecer definitivo.
Cabe destacar que as solicitações de
esclarecimentos devem se ater a aclarar dúvidas surgidas quanto ao parecer
preliminar e devem, necessariamente, ser restritos ao conteúdo do trabalho
apresentado.
Por fim, o parecer definitivo deverá
ser acompanhado por mídia digital contendo a identificação estruturada de todos
os documentos apresentados pelas partes, bem como eventuais memórias dos
estudos executados e todas as demais informações úteis não discriminadas,
possíveis de serem obtidas e de interesse ao estudo realizado.
Por Francisco Maia Neto, Engenheiro Civil e
Advogado; Pós-graduado em Engenharia Econômica; Integrante das Comissões de
Juristas do Senado Federal e do Ministério da Justiça para elaboração da Lei de
Mediação e reforma da Lei de Arbitragem (2013); Presidente da Comissão de
Arbitragem da OAB/MG (2016/2018); Secretário-Geral da Comissão de Arbitragem da
OAB Nacional (2016/2019).
Fonte: CONIMA
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