Constelação Familiar
Conflitos familiares são relativamente comuns, mas quando não há um
acordo entre os membros, essas situações acabam, muitas vezes, nas Varas de
Família. Uma alternativa que vem ganhando espaço para solucionar esses
processos é a Constelação Familiar, método terapêutico que começa a ser
implementado em comarcas judiciais.
A técnica é usada em Varas de ao menos 13 estados brasileiros, segundo o
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e tem como princípio identificar traumas
familiares que podem perpetuar comportamentos destrutivos. A teoria foi
desenvolvida pelo alemão Bert Hellinger em 1970 e, apesar de polêmica, mostra
resultados cada vez mais eficazes.
O Tribunal de Justiça de Goiás
(TJ-GO) tem se destacado no país ao usar tal metodologia. Com um índice de
solução de 94% nas disputas familiares, em 2015, a comarca da capital Goiânia
chegou a receber duas premiações por causa do uso das constelações em mediações
judiciais: o Conciliar é Legal, concedido pelo
CNJ, e menção honrosa no prêmio Innovare.
“O projeto tem avançado e se mantém com índices sempre superiores a 90%
de resolução e sem retorno, ou seja, as pessoas cumprem o acordo e não dão
continuidade na execução”, destaca Marielza Nobre Caetano da Costa, secretária
do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec),
do TJ-GO.
Cidades de estados como Bahia e Rio de Janeiro também têm mostrado
avanços no uso da metodologia.
Mediação
A presidente do Nupemec, juíza Doraci Lamar, explica que, antes de tudo,
é realizada uma audiência tradicional. Quando identificada a dificuldade para
solucionar o conflito, a Justiça sugere a constelação familiar.
“Caso as partes aceitem, redesignamos os membros para a mediação
sistêmica”, relata, acrescentando que, ao aplicar o método em casos
pré-processuais, as partes, muitas vezes, sequer ajuizam a ação.
Consequentemente, desafogam o Judiciário.
As sessões são realizadas desde 2013, na Pontifícia Universidade
Católica de Goiás (PUC-GO), por meio de uma parceria com o TJ-GO.
A psicóloga mediadora Rosângela Montefusco, que participa do projeto,
explica que, nas sessões, é trabalhada a mediação sistêmica. A ideia não é
focar no ponto de discórdia, mas sim descobrir o que há por trás disso, de que
forma a verdadeira causa do problema levou à atual situação.
Para isso, é feito uma dramatização, com voluntários convocados para
representar a situação. “Chamo as partes envolvidas no conflito e também voluntários.
Em alguns casos, participam os próprios advogados e inverto os papéis”, relata.
Assim, cada um simboliza um integrante da família, a fim de reproduzir a
dinâmica familiar e identificar a “raiz” do problema.
Foi o que aconteceu com Márcia, de 51 anos. Ela, que preferiu não
revelar seu sobrenome, conta que entrou com o processo contra seu ex-marido, a
fim de garantir a pensão alimentícia para os dois filhos.
“Foram oito anos me arrastando em uma briga na Justiça que parecia não
ter fim, até que nos indicaram a constelação familiar e só então conseguimos um
acordo”, afirma.
Durante a sessão, foi detectado onde estava o real problema. Segundo
Márcia, não se tratava apenas de dinheiro, mas o motivo do conflito foi uma
mudança na vida do ex-marido, que desordenou o lugar de cada membro.
“Ele se casou
novamente, teve outros filhos e ignorou os nossos, já que a esposa o barrava de
vê-los, e ele não percebia isso”, afirma.
“com o conflito, acabamos depreciando o outro. Então,
aprendi que não tem como simplesmente cortar o laço, porque nossos filhos são
‘50% eu e 50% o pai deles’, então se eu odeio o meu ex-marido, estaria odiando
metade dos meus filhos”, diz Márcia, que resolveu um problema de pensão
alimentícia por meio da constelação familiar.
A sessão, segundo ela, teve efeito imediato. “Saí de lá já com uma visão
diferente e fomos ao shopping, algo que não fazia há anos”. Depois do acordo, o
pai pagou o que estava em débito e busca ter uma boa relação com Márcia e os
filhos. “Nossos filhos passaram a ver o pai de uma forma mais respeitosa e
frequentam hoje sua atual casa”, completa.
A psicóloga Rosângela conta que casos como o de Márcia são frequentes.
“A teoria geral sistêmica traz três princípios básicos: o pertencimento, o
equilíbrio e a hierarquia”, explica. “Quando há um divórcio, existem três
interesses envolvidos: o da mulher e sua família, que luta por seus interesses;
o do homem; e o terceiro é a família que os dois construíram, em que os filhos
muitas vezes são esquecidos. É preciso entender que, mesmo tomando outros rumos,
os membros continuam sendo família”, salienta.
Pioneirismo em 2º Grau
Em decorrência dos resultados positivos, a juíza Doraci Lamar segue um
novo desafio. Recentemente, as constelações familiares passaram a ser usadas em
recursos de segundo grau do TJ-GO.
Goiânia foi a primeira cidade a implantar o método na Justiça de segunda
instância, e vem avançando. Em menos de um ano, os índices da média geral são
de aproximadamente 30% de casos resolvidos.
Segundo a Doraci, muitos não acreditavam que o método poderia ter efeito
em casos de segundo grau, pois são demandas mais complexas e de longa data. A
juíza frisa a necessidade de se implementar uma cultura de paz não só em casos
mais recentes.
“Em determinados meses, chegamos a 50% [de resolução]. Em vista da
complexidade dos casos, é um índice muito satisfatório, pois uma das partes
chega à audiência de mediação com a sentença já favorável”, pontua a
coordenadora administrativa do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e
Cidadania (CEJUSCC) em segundo grau do TJ-GO, Lília Fernandes. Os exemplos mais
recorrentes estão nos processos a respeito de guardas de criança, pensão
alimentícia, inventário, partilha e divórcios que envolvem um patrimônio mais
alto.
Laços restabelecidos
Pai e filha que estavam afastados por um processo que tramitava há quase
anos conseguiram se entender por meio da constelação familiar. Representando a
menina, a mãe ingressou com um pedido de pensão quando a jovem ainda tinha 10
anos. Agora, graças à técnica alternativa, a moça conseguiu um acordo.
“A mediação trouxe a aproximação dos dois e resgatou o laço familiar”,
ressalta o advogado da filha, Jeferson Dayunes Rodrigues. Segundo ele, a
intenção da mediação era justamente um resultado favorável não apenas pela
questão financeira, mas principalmente de reconciliação.
“A sessão não levantou o ponto de quem estava certo ou errado”, diz. As
partes perceberam que os laços de sangue valiam muito mais do que qualquer
disputa judicial e que eles poderiam ser os reais protagonistas de uma nova
história, mais harmoniosa.
O pai continua morando na capital goiana, cuidando de negócios no ramo
agropecuário. A filha estuda em uma cidade do interior por período integral.
Por isso, o contato físico ainda é um pouco difícil, mas eles se falam
constantemente por meio das redes sociais e via telefone. O vínculo afetivo foi
restabelecido.
Fonte: Gazeta do Povo
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