Processo acelerado
Em 8 de abril de 2010 foi publicado o Ementário 4 de Decisões Monocráticas do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Dentre as interessantes ementas selecionadas, destaca-se a 18, que trata de assunto muito recorrente nos Tribunais: a não homologação de transação judicial pelo julgador, mesmo quando preenchidos seus requisitos autorizadores.
Entendeu o MM. Desembargador relator, acertadamente, que não caberia ao MM. Juízo a quo ter negado a homologação do acordo judicial, ainda que havendo sentença transitada em julgado, sob o fundamento de que deve prevalecer a autonomia da vontade das partes, que rege as relações obrigacionais.
Além dos pressupostos gerais de validade dos negócios jurídicos, ou seja, a capacidade das partes; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e a forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104 do Código Civil), a transação tem como requisitos próprios: (i) um acordo de vontade entre interessados; (ii) a extinção ou a prevenção de litígios; (iii) a reciprocidade de concessões e (iv) a incerteza quanto ao direito dos interessados, tanto no aspecto objetivo como no subjetivo.
O objeto da transação é restrito, por lei (art. 841 do Código Civil) aos direitos patrimoniais privados, excluídos, portanto, os de natureza não-patrimonial e os públicos. Quanto à forma, deve ser observado o art. 842 do mesmo diploma legal, ou seja, será por instrumento público ou privado, quando a lei assim o exigir ou permitir, respectivamente. Recaindo sobre direito contestado em juízo, deverá assumir a primeira forma, ou ser reduzida a termos nos autos e homologada pelo juiz.
No tocante à validade, o Código Civil decreta a nulidade da transação quando nula qualquer das suas cláusulas (art. 848) ou quando há dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa (art. 849). Nula também será quando tratar de litígio transitado em julgado e dessa condição não tenha conhecimento alguma das partes, a teor do artigo 850.
Vale ressalvar que, apesar do artigo 848 do Código Civil dispor que “a transação só se anula por dolo, coação, ou erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa”, o que pode induzir o intérprete a equivocadamente concluir que esse rol de causas seria taxativo, a doutrina reconhece a aplicabilidade das demais hipóteses de nulidade dos negócios jurídicos, como a incapacidade das partes e a forma contrária à legem.
Nesse sentido, merece transcrição a sempre valiosa lição de Caio Mário da Silva Pereira1:
“O art. 849 do Código Civil de 2002 repete uma impropriedade vinda do Código de 1916, ao declarar que a transação “só” se anula por defeito do consentimento (art. 849). É inexato, pois é atacável, como todo contrato, por qualquer das causas que levam à anulação dos negócios jurídicos em geral”.
Talvez o elemento volitivo preponderante para que as partes cheguem ao acordo seja o desejo de por fim ao litígio de forma segura, eliminando, de uma só vez, a incerteza do direito controvertido e o risco de um julgamento desfavorável. Frise-se que essa incerteza persiste mesmo com o trânsito em julgado de sentença favorável, principalmente quanto ao efetivo cumprimento da obrigação pela parte sucumbente ou quanto a uma futura alegação de nulidade de julgado pelas vias próprias.
Sob a ótica do Poder Judiciário, a transação colabora, de forma determinante, para a abreviação do curso dos processos e, em última análise, para a prevenção do assoberbamento dos juízos, ao mesmo passo em que diminui o descontentamento dos jurisdicionados com as sentenças desfavoráveis.
Talvez por essa razão o Movimento pela Conciliação, instituído pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto de 2006, tenha sido tão positivo, culminando na decretação do Dia Nacional da Conciliação, que passou a ser comemorado todo dia 08 de dezembro a partir daquele ano e, finalmente, na Recomendação n.º 8, de 27.02.07, encarregando os Tribunais de darem continuidade ao projeto.
Ocorre que, não raramente, as partes são surpreendidas com a negativa do magistrado em homologar o acordo nos termos ajustados, seja em razão das próprias obrigações que pretendiam assumir, seja pela sua forma de cumprimento, ou por haver sentença transitada em julgado. As duas primeiras hipóteses usualmente decorrem do espírito altruísta dos julgadores, quando entendem que a transação poderia ter sido mais vantajosa a uma das partes, enquanto a última decorreria da imutabilidade da coisa julgada.
Entretanto, preenchidos os requisitos gerais do negócio jurídico e os específicos da transação e não sendo nula qualquer das cláusulas, imperiosa sua homologação, conforme entendimento da Ementa n.º 18 em exame, amparado pela jurisprudência dos Tribunais:
“Direito civil e processual civil. Ação de separação judicial e conversão em divórcio. Transação não homologada. Denúncia de uma das partes. Nulidade decretada. Ausência de vício de vontade ou de defeito insanável.
- São causas de anulabilidade da transação, conforme dispõe o art. 1.030 do CC/16 (correspondência: art. 849, caput do CC/02), o dolo, a violência (a coação conforme terminologia do CC/02), ou o erro essencial quanto à pessoa ou coisa controversa. Tais vícios de vontade devem ser invocados por uma das partes em ação própria.
- Efetuada e concluída a transação, é vedado a um dos transatores a rescisão unilateral, como também é obrigado o juiz a homologar o negócio jurídico, desde que não esteja contaminado por defeito insanável (objeto ilícito, incapacidade das partes ou irregularidade do ato).
- A não adoção de escritura pública no tocante aos bens imóveis não acarreta defeito insanável, porquanto a transação não tem o condão de constituir, modificar, transferir ou transmitir direitos reais sobre imóveis. Ela apenas declara ou reconhece direitos, nos termos do art. 1.027 do CC/16 (correspondência: art. 843 do CC/02).
- A nulidade poderia ser decretada tão-só se ausente escritura pública em contrato constitutivo ou translativo de direitos reais sobre imóveis, a teor do art. 134, II do CC/16 (correspondência: art. 108 do CC/02), o que não se coaduna com caso em julgamento.
- A dispensa de alimentos, matéria pacífica no STJ, não comporta ilicitude de objeto da transação.
- A transação efetuada e concluída entre as partes, sem qualquer mácula, seja vício de consentimento, seja defeito ou nulidade, é perfeitamente válida, o que torna inevitável sua homologação.
Recurso especial de C. M. V. parcialmente provido, para validar e homologar a transação, extinguindo-se o processo, com julgamento do mérito” 2 .
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO.
Apesar de ter-se exaurido a jurisdição do Magistrado, ao prolatar a sentença, nos termos do art. 463 do CPC, nada impede que homologue o acordo celebrado entre as partes.
Agravo de Instrumento provido” 3.
“Agravo. Locação de imóveis. Despejo por falta de pagamento. Acordo extrajudicial. Homologação judicial. Indeferimento. Aluguéis e encargos locatícios que não constaram na sentença condenatória transitada em julgado, limitada às verbas de sucumbência. Irrelevância. Direito disponível das partes. Formalidade aquela cujo objetivo é documentar, nos autos, o negócio jurídico. Atribuição ainda de autoridade e força vinculativa de título executivo judicial. Recurso provido”4 .
"AGRAVO DE INSTRUMENTO - SENTENÇA - PUBLICAÇÃO - SUPERVENIÊNCIA - ACORDO - HOMOLOGAÇÃO - POSSIBILIDADE
- Mesmo depois de publicada a sentença, torna-se possível HOMOLOGAÇÃO de ACORDO, por não estar-se apreciando questões já decididas”5.
“CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C ALIMENTOS. REDUÇÃO DO PERCENTUAL FIXADO A TÍTULO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA DE 15% PARA 10%. ANUÊNCIA DO ALIMENTANDO. OBSERVÂNCIA DO BINÔMIO NECESSIDADE POSSIBILIDADE. I. O valor da pensão alimentícia, que se destina exclusivamente ao sustento de alimentando, deve ser fixado de acordo com o binômio necessidade-possibilidade exigido para tal. Inteligência do art. 1.694, §1º, do CC. II. "Como corolário do critério da proporcionalidade, estatuído no artigo 400 do Código Civil anterior, e 1.694, § 1º, do atual, o pensionamento deve atender tanto às necessidades do alimentando quanto às possibilidades do alimentante, sendo as partes envolvidas as mais indicadas para proceder a essa avaliação, ficando a atuação do órgão jurisdicional, em princípio, restrita à homologação de um acordo de vontades, reservada a sua intervenção direta tão-somente para as situações de dissensão, quando não for possível a conciliação". (STJ, 3ªT, REsp 595.900/RS, Rel. Ministro Castro Filho, julgado em 07/12/2006, DJ 12/02/2007 p. 257). III. Não há que se negar o pleito vindicado pelo alimentante de redução do percentual fixado a título de pensão alimentícia quando há anuência do alimentado e o percentual atende o binômio necessidade-possibilidade. IV. Recurso provido” 6.
“Civil. Processo civil. Execução. Pedido de homologação de acordo extrajudicial negado. Extinção do processo sem julgamento do mérito. Ausência de quitação da dívida. Possibilidade de homologação do pacto celebrado. Configuração de título executivo judicial. Aplicação do art. 269, iii do cpc. Extinção do feito com julgamento do mérito. Precedentes jurisprudenciais. Recurso provido. Decisão de primeiro grau reformada”7 .
Conclui-se, portanto, que a não homologação da transação quando preenchidos seus requisitos revela-se arbitrária e atentatória à parcialidade do magistrado, além de configurar descumprimento à Recomendação 8 do CNJ.
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1 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 513.
2 STJ – 3.ª Turma – REsp 650795/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.06.05.
3 TJ/RS - 13.ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento 70034502724, rel. Des. Lúcia de Castro Boller, j. 08.03.10.
4 TJ/SP - 25.ª Câmara de Direito Provado - Agravo de Instrumento 990.09.227913-0, rel. Des. Sebastião Flávio, j. 02.03.10.
5 TJ/MG - 16.ª Câmara Cível - Agravo de Instrumento 4879269-53.2000.8.13.0000, rel. Des. José Amancio, j. 07.12.05.
6 TJ/MA – 2.ª Câmara Cível – Apelação Cível n.º 18689-2009 – São Luis, rel. Des. Antonio Guerreiro Júnior, j. 30.09.09.
Fonte: Conjur
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