domingo, 30 de outubro de 2016

Advogado americano explica estratégias para negociar acordos com colegas

Arte da negociação
Negociações, às vezes, lembram o jogo de pôquer. Os melhores jogadores dizem que não apostam nas cartas que têm em mãos. Apostam nas cartas nas mãos do adversário. E, é claro, o blefe tem seu lugar na negociação, caracterizado, mais apropriadamente, como proposta e contraproposta, quando não estão de acordo com seu valor real.

Essa é uma das formas com que o advogado Randall Ryder entende a negociação entre advogados, quando buscam um acordo para extinguir (ou evitar) o contencioso na Justiça, para economizar tempo e dinheiro, de acordo com artigo que escreveu para o Lawyerist. Ele diz que a associação com o pôquer não é exata, mas há similaridades.

O artigo sobre as negociações entre advogados segue um artigo anterior sobre as negociações dos advogados com seus clientes, no qual ele recomenda descobrir quais são os desejos e expectativas do cliente e avaliar se lhe deve pedir autoridade para negociar com a outra parte, sem ter de lhe consultar a cada passo.

Para conhecer as “cartas” do advogado oponente, é preciso descobrir como ele gosta de negociar — sua forma de argumentar e fazer propostas, seus pontos fortes e fracos etc. Essas são informações preciosas, que não se referem à posição jurídica do oponente. Se referem a seu estilo de negociação.

“Suponha, por exemplo, que seu oponente faça uma oferta por e-mail, dizendo algo como: ‘Por favor, me avise sobre a resposta de seu cliente a essa proposta, para que eu possa encaminhá-la a meu cliente para exame’. Seu oponente lhe informou duas coisas: 1) ele não espera que seu cliente aceite a proposta; 2) Seu próprio cliente está preparado para fazer uma proposta melhor. Quando recebo um e-mail desse tipo, aconselho meu cliente a rejeitar a proposta e fazer uma contraproposta”, diz Randall Ryder.

Há outra característica de alguns jogadores de pôquer: eles colocam a mão sobre todas as suas fichas, indicando que vão apostar tudo, mas retiram a mão. Ele tenta, em questão de segundos, avaliar a reação do adversário. É uma forma de blefe.

Nas negociações, um advogado pode apresentar uma petição que está pronta para ser protocolada em um tribunal, tomar um depoimento, iniciar um processo de contencioso, quando quer dar a aparência de que sua “mão” é melhor que a do oponente. Não chega a fazer ameaças apocalípticas, mas, no final das contas, faz uma proposta de acordo. Em outras palavras, é uma forma de blefe.

Ajuda muito a convicção de que seu caso irá prevalecer no tribunal, se o processo for em frente. Mas saber como o oponente aborda a negociação também é fundamental.

Informações sobre o oponente
O advogado conta, em seu artigo, que atua em um nicho bem específico do Direito. Assim, os negociadores são quase sempre os mesmos e todos têm um bom conhecimento de seus adversários. “Existem peixes grandes, peixes pequenos e peixes estranhos, que eu nunca vi antes”, ele diz. No caso de advogados novos ele sempre pesquisa seus backgrounds — e também os dos clientes que representam.


As informações obtidas são muito mais do que úteis. Mesmo no caso de advogados já conhecidos, ninguém lhe oferece um manual de estratégia. É preciso se esforçar e descobrir o que for possível. No caso de oponentes novos, um bom começo é simplesmente perguntar às pessoas sobre ele. Alguém sempre sabe de alguma coisa relevante sobre esse advogado e não se importam de compartilhar suas informações.

Outra providência é entrar no site do escritório e ler a biografia do advogado oponente. Na biografia — ou em algum lugar no site — é possível descobrir há quanto tempo exerce a profissão, quais são suas áreas de especialização, em que faculdade se formou, que cursos fez, que tipos de casos ele tem trabalhado.

Se ele vem atuando há 30 anos, sua forma de negociar será muito diferente da de um advogado novo. Se ele for o assessor jurídico de uma organização, poderá lhe faltar um certo nível de objetividade, porque ele está muito conectado a seu cliente.

Se ele atua em uma área diferente do Direito, é bem possível que o advogado terá de lhe explicar como as coisas funcionam em sua área em particular. As negociações podem desandar, porque o oponente provavelmente não entende como as coisas funcionam nessa área específica. “Algumas vezes isso é bom, outras é frustrante”, diz Randall Ryder. De qualquer forma, saber que o oponente não está familiarizado com a área é uma boa informação.

Pergunte ao oponente como ele negocia
Em qualquer área de atuação, há advogados que são negociadores superestrelas. É assustador para advogados mais jovens enfrentar o “Michael Jordan” que representa a outra parte. No início de sua carreira, Randall Ryder teve uma situação como essa. Assim, quando lhe disseram para telefonar para seu oponente superestrela para propor um acordo, sua “pressão arterial disparou”, ele conta.


Ele falou com um advogado mais experiente, que o aconselhou a perguntar à superestrela como ele gostaria de negociar. Soou ridículo. Afinal, quem iria abrir para um adversário sua estratégia de negociação. Mas ele decidiu usar essa estratégia, exatamente por ela ser tão imprevisível.

Ao ouvir a pergunta, o advogado superestrela respondeu: “Uau! Essa é a melhor pergunta que já me fizeram”. A seguir, ele explicou ao jovem advogado como seu cliente gostava de negociar e o que ele deveria fazer para que um acordo fosse fechado. “Mais tarde, ele comentou com meus colegas que ficou impressionado com minha coragem de perguntar”, conta Randall Ryder.

É verdade que esse tipo de pergunta não garante bons resultados. Mas, algumas vezes, acontece. É um bom início de conversa. O oponente pode não querer abrir o jogo, mas sempre acaba dando alguma informação útil. “E, em negociação, conhecimento é poder”, ele diz.

Zona de conforto
Cada advogado, cada cliente e cada caso são diferentes. Entretanto, advogados, de uma maneira geral, atuam em uma certa área do Direito e tendem a seguir um roteiro em suas negociações, com apenas pequenas variações. Se negociaram de uma forma algumas vezes, tenderão a repetir suas estratégias nas negociações seguintes.


Alguns advogados “vociferam” ou se vangloriam inicialmente, com o objetivo de mostrar superioridade na situação, só para, ao fim, fazer uma proposta de acordo. Outros advogados propõem um acordo imediatamente, mas então se entrincheiram em uma posição radical e não alteram sua posição por meses. Alguns advogados só fecham acordos no final do trimestre fiscal ou do ano fiscal.

Aqui vem uma vantagem de se conhecer as preferências de negociação do oponente. Quando o advogado conhece a forma de negociar, com a qual seu oponente se sente confortável, tirá-lo de sua zona de conforto favorece as negociações para ele. “Alguns advogados começam a mostrar suas ‘cartas’, quando você não cai em seu blefe. Alguns ficam mais agressivos do que você pode esperar. Porém, se você conhece suas maneiras de operar, saberá como lidar com a situação, o que é uma grande vantagem”, diz Randall Ryder.

Bate-papos e gracejos fazem parte, com frequência, do início dos encontros. Isso é uma boa prática, mas que vem com perigos embutidos. Um erro grave que um advogado pode cometer, por exemplo, é contar para o adversário algum plano pessoal com data marcada, como uma viagem de férias com a família em dois meses ou três meses.

Todos sabem que os advogados procuraram fazer o que podem para deixar tudo resolvido, antes de sair de férias. Afinal, as preocupações podem atrapalhá-las. Tudo o que o outro advogado tem de fazer é protelar as negociações até às vésperas da viagem do colega. A esse ponto, ele tenderá a aceitar qualquer proposta, para encerrar o assunto.

Por João Ozorio de Melo, é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Fonte: ConJur

Nenhum comentário:

Postar um comentário