Enquanto caminham no Congresso Nacional os projetos de lei do Executivo que passam a permitir arbitragens e transações na área tributária, a Advocacia-Geral da União, autora das propostas, tenta convencer também o Judiciário de que a ideia pode ser a salvação da lavoura. Em seminário ocorrido nestas segunda e terça-feiras (20 e 21/6) no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, o advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Lucena Adams, e o consultor-geral do órgão, Arnaldo Sampaio de Morais Godoy, esclareceram a novidade a juízes, desembargadores, professores e advogados presentes.
A ideia foi atacar argumentos frontais contra a proposta. O mais forte deles é o da indisponibilidade do crédito público, que impede o fisco, na opinião de especialistas, de negociar até mesmo acréscimos nas cobranças contra devedores, como juros e multas. Críticos — entre eles a Ordem dos Advogados do Brasil — afirmam que, caso a permissão seja dada, a administração tributária se transformará em um balcão de negócios. Outro argumento é o de que, com o perdão sempre à mão, maus pagadores estariam sendo estimulados, e não coibidos, em um efeito conhecido como “indução negativa”, causando a queda do recolhimento voluntário.
Coube a um nome trazido da Espanha tentar derrubar a premissa da indisponibilidade. O professor Cesar Garcia Novoa, da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, defendeu a liberdade do fisco para negociar, se preciso, dívidas tributárias. “Interesses econômicos arrecadatórios são instrumentais e, portanto, secundários”, explicou. “Em caso de falências, por exemplo, o interesse público primário indisponível é que a empresa continue e a arrecadação se mantenha, mesmo que por meio de transações e arbitragens.”
O advogado-geral da União concordou. “A indisponibilidade do crédito público fica relativizada diante da nossa realidade”, afirmou. Foi o que também defendeu o professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo Gerd Rothmann. “A indisponibilidade é um equívoco total, um desembargador não poderia decidir contra o Estado”, lembrou. “O interesse primário não é a arrecadação, mas o interesse público.”
Segundo números do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas, citados pela AGU, as execuções fiscais no país levam em média oito anos para terminar. “Em apenas 20% dos casos há citação do devedor, e em 18% deles a citação é feita por edital”, disse Arnaldo Godoy. Para o desembargador federal Carlos Muta, do TRF-3, o modelo está em crise. “Mais de 1,1 milhão de execuções estão em curso nas varas da 3ª Região, o que representa 70% do estoque da primeira instância”, contabilizou. “Não existe crise do Judiciário, mas sim causas estruturais.”
Sobre o estímulo aos maus pagadores que solicitariam transações, Godoy foi enfático. “Com o acesso a contas bancárias, seria fácil saber se a empresa tinha ou não condições de pagar o tributo na ocasião”, explicou. Ele também rebateu o argumento de que dar discricionariedade aos administradores poderia alimentar a corrupção. “Temos muitos órgãos fiscalizando, como Ministério Público, Controladoria-Geral da União e Tribunal de Contas.”
Para o ministro Luís Inácio Adams, a premissa de que o administrador pode fazer apenas o que a lei permite ou manda é uma “lógica imobilista”, uma vez que a lei “não antecipa todos os problemas”. “Nenhum servidor público assume o risco de dizer sim”, afirmou. Ele citou exemplo de decisão do Tribunal de Contas da União que obrigou um administrador a devolver R$ 1 milhão por ter usado um contrato de publicidade para imprimir livros didáticos. “O contrato original havia expirado e não havia tempo para uma nova licitação”, conta Adams. “Mas ainda não existe espaço para esse tipo de agilidade do gestor.”
Em relação à arbitragem, o ministro sugeriu que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, tribunal paritário que julga recursos tributários na esfera administrativa, poderia desempenhar o papel de corte arbitral caso os projetos passem. “O governo teria uma lista com possíveis árbitros, que poderiam ser indicados inclusive para arbitragens privadas”, disse. Ele afirmou se sentir desconfortável com a possibilidade de recursos do fisco ao ministro da Fazenda contra decisões do Carf favoráveis ao contribuinte, tema que começa a ser discutido em Brasília. “É preciso haver um nível de definitibilidade”, defende. O ministro também disse cogitar a implantação de metas de conciliação na AGU.
Projetos apensados
Na última quinta-feira (16/6), o Projeto de Lei Complementar 469/2009, que altera o Código Tributário Nacional permitindo a transação tributária, foi recebido pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, após ser aprovado pela Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio. A seguir, irá para a Comissão de Constituição e Justiça. A proposta é a principal perna das quatro que tramitam no Legislativo. O Projeto de Lei 5.080/2009 trata da cobrança administrativa da dívida ativa da Fazenda Pública, o PL 5.081/2009 dispõe sobre a dívida ativa e o PL 5.082/2009 sobre transação tributária.
Com base no fato de o maior volume de ações de execução fiscal se referir à cobrança de valores inferiores a R$ 100 mil, em que pagamento pode ser negociado pelo mecanismo da transação, a AGU propõe na reforma do Código Tributário Nacional um novo conceito de transação. Nele, poderá ser facultado aos devedores celebrar transação para extinguir o crédito tributário.
Com o Projeto de Lei Geral de Transação, a ideia é reduzir os custos de administração do sistema de cobrança dos créditos tributários da União, estimulando o pagamento e o parcelamento desses créditos. Segundo Adams, a Fazenda Nacional pode propor a transação nos casos de insolvência civil, falência do empresário ou sociedade ou recuperação judicial. O projeto prevê ainda uma modalidade de transação administrativa por adesão. “A transação promove consenso e resulta em maior respeito para com as soluções da administração”, afirma o chefe da AGU.
No projeto de Lei de Execução Fiscal está prevista a criação do Sistema Nacional de Informações Patrimoniais dos Contribuintes, administrado pelo Ministério da Fazenda. Com a inscrição do débito na dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em 60 dias, pagar, parcelar, depositar administrativamente, prestar fiança bancária ou seguro-garantia.
Por Alessandro Cristo
Fonte: ConJur
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