Mais doutrina
A consolidação da arbitragem como um bem sucedido meio de solução de controvérsias é uma realidade incontestável, especialmente nas disputas relevantes travadas entre empresas de grande porte.Isso se deve à solidificação de uma cultura em prol da arbitragem, a qual sempre foi almejada por aqueles que acreditavam na eficiência do instituto. Em curto tempo o Brasil firmou posição assente em torno do tema, tanto no meio jurídico entre advogados, juízes e doutrinadores, assim como no empresarial.
Esse incrível êxito é bastante comentado, especialmente porque em pouco mais de dez anos se conquistou uma segurança invejável, ao passo que muitos países demandaram período bem mais extenso para tanto.Para obter tão relevante aval, a arbitragem precisa desfrutar de confiança, de credibilidade e revelar uma experiência prática de sucesso. E isso ocorreu.
O respeito à vontade das partes quando elegem essa forma de resolução de controvérsias, a garantia de que as regras procedimentais — da Lei de Arbitragem e de determinado centro de arbitragem, por exemplo — são observadas, além da obediência aos princípios da igualdade das partes, do contraditório, da imparcialidade do árbitro, enfim, do devido processo legal, conferem uma zona de conforto para difusão da arbitragem.
Esse desenvolvimento comprovou o que há muito se sustentava, isto é, que a arbitragem apresenta características que a diferenciam da forma tradicional de resolução de disputas pelo contencioso judicial, sendo muitas vezes uma opção extremamente viável.
Entre essas características é válido destacar a informalidade e a alternativa de adaptação dos procedimentos à conveniência das partes, a flexibilidade das regras e a opção de escolha de câmaras, a confidencialidade, a economia de tempo na obtenção de uma decisão final e, especialmente, a possibilidade de nomeação dos árbitros com base em sua especialidade, experiência, cultura, tempo disponível para dedicação ao tema e confiança que a parte deposita nas pessoas que deverão julgar a desavença. São fatores que proporcionam a crença necessária para se optar pela arbitragem.
A cláusula compromissória
Acima de tudo, a opção pela arbitragem demanda o pleno conhecimento do procedimento e de sua viabilidade.O valor da controvérsia deve ser levado em consideração, além dos custos de realização da arbitragem.Nos dias de hoje a arbitragem é largamente usada quando a questão é complexa e exige uma rápida e eficiente solução, assim como se o contrato envolve partes de diferentes nacionalidades, negócios e investimentos internacionais.
Quando se decide incluir no contrato a arbitragem como meio para resolução das disputas que daí surgirem, é preciso ter muita atenção na elaboração da cláusula arbitral, a denominada cláusula compromissória. Esclareça-se que a Lei de Arbitragem brasileira estabelece a convenção de arbitragem como gênero, admitindo as espécies cláusula compromissória e compromisso arbitral (artigo 3º da Lei 9.307/96).
A cláusula compromissória é a convenção por meio da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato (artigo 4º, caput, Lei 9.307/96). Ela deve ser estipulada por escrito, podendo ser incluída no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
O compromisso arbitral é a convenção pela qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial (artigo 9º, caput, da Lei 9.307/96). A previsão da cláusula compromissória no contrato torna dispensável o posterior pacto de compromisso arbitral, de tal sorte que se analisa apenas algumas vicissitudes que decorrem da cláusula arbitral.
O descuido no seu preparo acarreta muitas vezes as chamadas cláusulas patológicas, que impedem ou dificultam a instituição da arbitragem quando surge o conflito. Esse tema é tão relevante que sempre é lembrado nos debates a respeito da matéria, pelo que se justifica revisitar e informar alguns aspectos problemáticos.
Importante lembrar que a cláusula arbitral entra em operação no momento em que as partes se deparam com a controvérsia, que pode ser de grande ou reduzida intensidade, dependendo das particularidades do caso. Certo é que nessa ocasião, salva rara exceção, não reina a mesma harmonia que imperava quando o contrato foi pactuado. Assim, qualquer empecilho para a instauração da arbitragem pode ser usado por uma das partes para barganhar uma posição jurídica de negociação ou para procrastinar o início do procedimento em si.
Pior se tal obstáculo é proporcionado por uma brecha existente na cláusula arbitral, se mal elaborada. Portanto, o ideal é que ela não permita nenhuma manobra ou barganha, sendo, se possível, completa. Cláusula compromissória completa é aquela que se convencionou denominar cheia, que contém todos os elementos identificadores da arbitragem a ser instituída, pelo que é dispensável o uso do Poder Judiciário caso a outra parte se recuse a iniciar o procedimento.
Ou seja, se a cláusula é cheia, a parte tem o direito de começar o procedimento de imediato, usualmente através da solicitação ao centro de arbitragem eleito, caso se trate de arbitragem institucional. Apenas para esclarecer, arbitragem institucional é aquela em que as partes escolhem um órgão técnico para administrar o procedimento, comumente as câmaras arbitrais, enquanto que na ad hoc tal tarefa toca aos árbitros ou às partes, que, em geral, definem previamente o seu curso ou adotam as regras de alguma instituição.
Por outro lado, tratando-se de cláusula incompleta, chamada de vazia, habitualmente as partes precisam de consenso para iniciar a arbitragem, eis que não estabelece algum elemento essencial, como o número de árbitros ou sua forma de escolha, o lugar da arbitragem etc.Sendo assim, visto que a cláusula é incompleta e não havendo convergência quanto aos elementos faltantes, somente resta à parte socorrer-se do Poder Judiciário para que seja suprido o vazio.
De qualquer forma, tanto a cláusula cheia como a vazia dão azo à execução forçada, em decorrência de seu efeito positivo, outorgando à parte o direito de exigir o cumprimento compulsório da obrigação de instituir a arbitragem em caso de resistência (artigo 7º da Lei 9.307/96).
Isso porque, como corolário de seu efeito negativo, estabelecida a convenção de arbitragem, a apreciação da matéria pelo Poder Judiciário é afastada, sendo apenas admitida sua intervenção para compelir a participação da parte resistente no procedimento.
Cuidados necessários
Não existe uma fórmula correta para preparo da cláusula, porém o que se recomenda é a sua elaboração e/ou revisão por alguém que detenha vivência prática em disputas arbitrais, de tal sorte que possa antecipar eventuais contratempos ou falhas na sua implementação.
Ademais, as partes se preocupam com aspectos negociais da avença e usualmente já se desgastaram discutindo as cláusulas principais do negócio (objeto, preço, garantias etc.), pelo que tendem a não dedicar a atenção necessária à fase final da elaboração do contrato, justamente no momento em que se debate a cláusula compromissória.
Tanto é assim que, no jargão popular da arbitragem, as cláusulas patológicas são conhecidas como midnight clauses, pois preparadas sem o devido zelo, no último momento da negociação, logo antes da assinatura do contrato, habitualmente em horário noite adentro. A cláusula ideal é aquela que contém os elementos básicos, sendo considerada completa e apta para imediato início da arbitragem, independentemente da concordância ou não da outra parte. Com isso, são evitados erros comuns, tanto pela falta como pelo excesso.
A experiência dita que a cláusula deve estipular: (i) a lei aplicável e o idioma da arbitragem; (ii) o local e o seu escopo; (iii) as regras e a câmara que administrará o procedimento; (iv) se ele será decidido com base na lei, na eqüidade, nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes, nas regras internacionais de comércio etc.; (v) o número de árbitros que resolverão a disputa, a sua forma de seleção e eventuais qualificações; (vi) renúncia a recurso; (vii) confidencialidade; (viii) a participação do Poder Judiciário na arbitragem.
A atuação do órgão jurisdicional estatal fica assegurada em várias situações, em colaboração ao tribunal arbitral, como, por exemplo, para (i) instauração da arbitragem em caso de resistência de uma das partes (artigo 7º da Lei 9.307/96); (ii) conduzir a testemunha renitente (artigo 22, parágrafo 2º, da Lei 9.307/96); (iii) determinar medidas coercitivas ou cautelares (artigo 22, parágrafo 4º, da Lei 9.307/96); (iv) execução da sentença arbitral; (v) reconhecimento e execução de sentença arbitral estrangeira (artigo 34 da Lei 9.307/96).
É pertinente eleger no contrato qual o foro competente para tais providências jurisdicionais. A sede da arbitragem é uma relevante decisão a ser tomada, particularmente se a arbitragem é doméstica ou internacional, pois diferente a forma de execução da sentença arbitral. Deve incluir o local onde será realizada e a cidade em que será proferida a decisão final.
Se selecionada sede fora do Brasil é indispensável checar na lei de arbitragem e nas normas procedimentais do lugar escolhido se existe algum entrave em relação à matéria — por exemplo, lei aplicável e temas arbitráveis (arbitrabilidade subjetiva e objetiva) — a ser dirimida pela arbitragem e à execução da futura sentença arbitral. Impõe-se, portanto, que a cláusula arbitral e o seu escopo sejam operativos perante o sistema jurídico brasileiro e o do local eleito como sede da arbitragem.
Quanto ao escopo, é plausível que seja amplo ou limitado a alguns temas do contrato. A fim de evitar qualquer tipo de dúvida na instauração da arbitragem, especialmente se determinado ponto do dissenso é ou não abarcado pela cláusula compromissória, o ideal é que englobe todas as controvérsias em conexão com e decorrentes da avença, usando linguagem mais ampla possível.
Isso porque se é restrita a aspectos delimitados do contrato — excluídas, por exemplo, questões contábeis cuja solução ficaria a cargo de técnico especializado no assunto —, há sempre o risco de uma das partes argumentar que o item x ou o z não se inscreve no escopo da cláusula arbitral, conduzindo fatalmente a uma disputa judicial ou, no mínimo, a um debate preliminar que ocasiona atraso e custo adicional enquanto não se resolve a dúvida.
A lei brasileira autoriza que a arbitragem seja decidida com base no direito ou por equidade, assim como as partes podem escolher livremente as normas legais que serão aplicadas na disputa, desde que não se viole os bons costumes e a ordem pública. Da mesma maneira se permite a decisão de acordo com princípios gerais de direito, usos e costumes e regras internacionais de comércio (artigo 2º, parágrafo 1º e parágrafo 2º, da Lei 9.307/96).
Contanto que fique clara a opção das partes e, evidentemente, elas conheçam o regime legal selecionado, não há óbice na eleição de um determinado regime legal ou normas do comércio internacional, como a Convenção das Nações Unidas para a Venda Internacional de Mercadorias, para governar a disputa.
O que se recomenda sempre é que a arbitragem seja fundada na lei e não na equidade. A seleção da câmara de arbitragem deve ser realizada caso a caso, conforme o objeto do contrato, a sua complexidade, o valor envolvido no negócio, a localização, a nacionalidade das partes etc.
É indispensável, antes da escolha, certificar-se dos custos de cada centro de arbitragem. Reputa-se relevante optar por uma instituição de inegável tradição e idoneidade, que seja conhecida e testada.
Também imperioso o conhecimento e domínio das regras procedimentais da instituição. Recomenda-se sempre a utilização das regras do mesmo centro de arbitragem escolhido para a administração do procedimento, sob pena de a cláusula ser considerada patológica.
Em geral não se aconselha arbitragem ad hoc, uma vez que a administração do procedimento fica totalmente a cargo das partes e dos árbitros, os quais podem não deter a aptidão para tal tarefa organizacional nem o tempo disponível que ela exige.
Muito mais adequado eleger uma instituição de notória credibilidade e capacidade administrativa para coordenar todas as ações envolvidas no procedimento arbitral.
De qualquer maneira, se adotada a forma ad hoc, as partes fixam as próprias regras na cláusula arbitral, o que é altamente complexo e fatalmente suscetível a problemas futuros, ou elegem o regulamento de instituições como UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law), que não administra procedimentos de arbitragem.
Ainda, com grande risco de se consubstanciar patológica, se vê a adoção das regras de algum centro de arbitragem, sendo o procedimento — ad hoc —, porém, administrado pelo próprio tribunal arbitral, o que não se deve pactuar haja vista a flagrante impropriedade.
Segundo a lei brasileira, a sentença arbitral não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário (artigo 18 da Lei 9.307/96), produzindo, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença judicial (artigo 31 da Lei 9.307/96).
Contudo, para impedir qualquer discussão, é aconselhável mencionar que a sentença arbitral é considerada final e definitiva, obrigando as partes, as quais renunciam expressamente a qualquer recurso, pois, dependendo da legislação aplicável à disputa, é cabível recurso.
Embora parte dos regulamentos dos principais centros de arbitragem estipule a confidencialidade do procedimento arbitral, sugere-se a inclusão de tal previsão na cláusula compromissória para não se deixar nenhuma dúvida a respeito.
A confidencialidade é particularmente importante eis que é senso comum a exigência de se preservar dados sigilosos envolvidos na disputa ou relativos às empresas, tais como condições contratuais, segredos industriais, dados de faturamento, lucro de determinado segmento, estratégia empresarial etc.
Especificamente no caso de companhias abertas, que possuem a obrigação de divulgar fatos que possam impactar na avaliação de seus valores mobiliários — incluindo, portanto, litígios importantes —, a cláusula de sigilo pode conter certa flexibilização para permitir o cumprimento das obrigações legais de informação.
Ainda outros elementos opcionais podem ser incluídos: (i) negociação objetivando uma solução amigável quando deflagrado o conflito (cláusula multi-etapas ou escalonada); (ii) uso de mediação e de dispute boards; (iii) disposição sobre medidas cautelares antes do procedimento arbitral, como é o caso do Pre-arbitral referee procedure da Corte Internacional de Arbitragem da CCI; (iv) regras sobre custos do procedimento e respectiva divisão; (v) embora pouquíssimo usado, recurso contra a sentença arbitral; (vi) textos legais supletivos; (vii) a aplicação às empresas afiliadas ou sua extensão a outros contratantes, inclusive mediante intervenção na arbitragem; (viii) consolidação de procedimentos paralelos em contratos coligados; (ix) mesmo que pouco efetiva, estipulação de limite temporal para término do procedimento.
Merece destaque a estipulação de negociação amigável antes da arbitragem. É costume a previsão de que as partes devem tentar de boa-fé resolver o litígio, o que se principia mediante notificação do surgimento da controvérsia e convocação para reunião. São louváveis e em certas ocasiões até efetivas tais tratativas. Contudo, o que não se pode olvidar é o estabelecimento de um prazo máximo para encerramento das conversas e encontros, sob pena de se perpetuar essa fase prévia.
É corrente a previsão do prazo de trinta dias contados da notificação de controvérsia para negociação e, caso infrutífera, fica autorizada a instauração da arbitragem. Além dessas opções, outra alternativa é o uso da mediação — que não se confunde com a negociação previamente à arbitragem —, pois é uma prática não contenciosa de resolução de controvérsia, que se tem buscado maior desenvolvimento no Brasil, especialmente porque é muito mais amistosa do que uma lide instaurada, com grande êxito.
É um procedimento espontâneo, informal e confidencial, em que se persegue uma solução consensual da controvérsia por intermédio de um mediador, o qual é um profissional de reconhecida capacidade técnica. Igualmente à negociação prévia, é preciso prever o termo inicial e o final para a mediação, com lapso temporal certo, impedindo-se o prolongamento indefinido da pendência.
Atualmente se tem procurado implementar o emprego das dispute boards, que se caracterizam pela criação de um painel para orientar as partes no curso do contrato, mediante a emissão de recomendações ou a prolação de decisões, ainda que não tenham cunho jurisdicional. São aplicados em contratos de longa duração, com a existência de múltiplas partes e redes contratuais, como as grandes obras de construção ou contratos de epc — engineering, procurement and construction.
Em regra, os dispute boards são empregados por organizações de classe como a FIDIC — Fédération Internationale des Ingénieurs Conseils ou International Federation of Consulting Engineers, que incluiu o sistema em seus contratos padrão e livros específicos, assim como pelo Banco Mundial e outras instituições financeiras internacionais.
Recomenda-se que problemas pontuais sejam resolvidos logo para não prejudicar os contratos conjuntos, joint ventures, concessionários etc. Tal se justifica pois, pela estrutura contratual, o propósito das partes é concluir o projeto o quanto antes, no prazo estabelecido e de acordo com os custos previstos.
Tais contratos, na estrutura de project finance, não admitem suspensões em pagamentos ou na execução dos trabalhos sob pena de prejudicar o fluxo de caixa.
Geralmente os membros dos dispute boards são especialistas na matéria objeto do negócio, independentes e neutros, que acompanham a execução do contrato, fazem visitas in loco no canteiro de obras, assim como participam de reuniões sobre o andamento do projeto. Conhecem as suas vicissitudes em tempo real, pelo que têm aptidão para resolver rapidamente qualquer disputa.
Em outra seara, se o contrato é internacional deve se ater a questões como lei aplicável, soberania e/ou outro tipo de imunidade, execução da sentença arbitral — mormente se o país é subscritor ou não da Convenção de Nova Iorque —, forma de produção de provas — por vezes mediante a adoção das IBA Rules on the Taking of Evidence in International Arbitration — e admissão de discovery — o que não se aconselha — etc. O papel do advogado habilitado no local da arbitragem é de grande importância na orientação das diretrizes fundamentais.
Mais um arenoso tema é a inserção da cláusula compromissória em contrato social de sociedade limitada ou em estatuto de sociedade por ações, mormente se abarca ou não todas as disputas entre os sócios ou acionistas, incluindo a empresa.
Ao mesmo tempo, é de se refletir se a possibilidade de dissolução da sociedade estaria inserida no escopo da cláusula, assim como a apuração de haveres e eventual pleito de responsabilização dos administradores.
Assim sendo, se as partes, ao inserirem tal cláusula em um contrato societário, desejarem que a cláusula compromissória não fique limitada às divergências do contrato social ou estatuto em si, devem, por cautela, indicar quais as questões pretendam sejam abrangidas pelo dispositivo e, conseqüentemente, resolvidas por arbitragem.
Novamente é vital o debate da questão com advogado experimentado em disputas societárias e arbitrais, que pode antever eventuais contratempos em tal opção, que deve ser cuidadosamente elaborada. A título de ilustração, não se pode esquecer da necessidade que sócios, acionistas, a própria empresa, administradores etc. acedam à cláusula compromissória, para que não remanesça nenhuma dúvida quanto à adesão de todos à convenção de arbitragem.
Não sem discussão, outros pontos podem derivar do tema, como a vinculação à cláusula compromissória daqueles que adquirem ações após a constituição da sociedade, pois autorizada a arbitragem para solucionar divergências entre os acionistas e companhia, a teor do disposto no parágrafo 3º, do artigo 109 da Lei das Sociedades Anônimas.
Tendo em vista que em alguns sistemas jurídicos se permite a aplicação de punitive damages (danos punitivos), como nos Estados Unidos da América, não é exagero algum prever na cláusula arbitral que os árbitros estão proibidos de assim decidir em relação ao contrato, se o caso. Particularmente em relação aos custos, trata-se de uma preocupação constante, pelo que se busca otimizar o procedimento, bem como ponderar a respeito do formato mais efetivo de alocação, o que também se faz através da cláusula.
Por exemplo, usa-se escolher árbitro único se o valor em disputa não é alto e o tema da disputa não é muito complexo. Da mesma maneira, procura-se selecionar um centro de arbitragem cujos custos não sejam muito expressivos, bem como adotar um único idioma para o procedimento — quando se trata de contrato internacional — a fim de evitar as despesas de tradução de petições, documentos e audiências.
Tendência que começa a se discutir com freqüência no âmbito internacional é o financiamento da arbitragem por terceiros, em que através do third-party funding se proporciona uma forma de investimento no litígio. Esclareça-se que esse é um tema ainda incipiente, que autoriza vários questionamentos acerca de sua implantação, os quais não têm lugar na presente explanação.
A escolha dos árbitros não é apenas uma etapa relevante do procedimento, mas é também um direito das partes, o qual demanda atenção no seu detalhamento na cláusula compromissória. Se as partes optam por árbitro único, a cláusula deve estipular o consenso na eleição do nome.
Porém, o mais comum é a formação de um painel com três árbitros. Assim, tratando-se de um contrato com uma parte em cada pólo (por exemplo, A e B), A escolhe um, B outro e os dois eleitos nomeiam o terceiro, que funciona como presidente do tribunal arbitral.
Se o contrato contém mais do que uma pessoa em cada pólo, tratando-se, portanto, de plurilateral, institui-se a arbitragem multi-parte, isto é, aquela integrada por mais de duas partes litigantes, em que se prevê, a fim de preservar o direito de escolha a todos, uma forma particular de nomeação dos árbitros.
Nesse evento, a indicação dos árbitros é realizada por pólos, isto é, o pólo requerente, integrado pela parte ou múltiplas partes que iniciarem a arbitragem, conjuntamente, elege um árbitro. O pólo requerido, igualmente, nomeia outro. E a escolha do terceiro ocorre pelos dois já selecionados.
Em quaisquer das situações em que se exige a concordância na escolha do nome, seja do árbitro único, seja do presidente do painel ou ainda do pólo requerente ou requerido na arbitragem multi-parte, é indispensável fixar um prazo para tal providência e eleger um órgão ou pessoa para indicá-lo caso as partes não cheguem a um acordo. Geralmente tal tarefa fica a cargo do presidente do centro de arbitragem que administrará o procedimento.
Particular cuidado é chamado, nesse ponto, se a arbitragem é ad hoc, quando inexiste a figura do presidente do centro de arbitragem. De tal modo, é pertinente estabelecer uma pessoa ligada a uma instituição arbitral séria, usualmente o seu próprio presidente, para efetuar a escolha citada.
Por fim, uma prática que deve ser evitada é a previsão contratual de que a arbitragem será resolvida por um ou três árbitros, a critério das partes, conforme o teor da controvérsia, a ser decidido por ocasião de seu surgimento. Trata-se de outro evento de potencial conflito apto a adiar o início do procedimento. Um ou três árbitros, a cláusula arbitral deve ser clara de antemão.
Cláusulas problemáticas
A cláusula arbitral tipifica-se problemática ou patológica em decorrência de variados fatores, seja porque vazia, seja porque detalhada demais, ainda por fixar requisitos que inviabilizam a sua operatividade etc. A seguir, a fim de ilustrar algumas situações de provável dificuldade na implementação da futura arbitragem, são citados exemplos hipotéticos.
Certamente o maior obstáculo para o início da arbitragem se situa na cláusula vazia. Veja-se: “As controvérsias decorrentes do contrato serão resolvidas por arbitragem”.
Cuida-se, sem dúvida, de uma cláusula arbitral. Contudo, é totalmente despida de elementos básicos para a identificação de onde será a arbitragem, quantos serão os árbitros, quem administrará etc.
E outra mais duvidosa ainda: “Arbitragem: São Paulo”.
Dependendo do contexto das demais cláusulas do contrato, pode representar uma declaração de vontade de opção pela arbitragem como forma de resolução de controvérsias. Entretanto, o problema é o mesmo acima.
Esclareça-se que se de um lado é verdadeiro afirmar que em muitos tipos contratuais a arbitragem é uma excelente opção para resolução de disputas, de outro tal preferência se torna falsa — ou momentaneamente falsa — se mal escrita a cláusula.
Nesses dois fictícios exemplos citados, é inegável que quando surgir a controvérsia a parte somente conseguirá iniciar a arbitragem se contar com a boa vontade da outra, no sentido de obter o consenso acerca dos elementos omissos da arbitragem.
E isso pode não acontecer de imediato, exigindo até, se o caso, a intervenção do Poder Judiciário. Enquanto não se solucionarem as dúvidas a ponto de habilitar a instauração da arbitragem, a opção será momentaneamente falsa.
De outro lado, a cláusula compromissória muito minuciosa, com excessivo regramento do procedimento e inclusão de requisitos de difícil concretização, também é problemática.
As partes, dependendo do tipo de contrato e do seu nível de detalhamento, tendem a esmiuçar em demasia a cláusula arbitral. Isso é ainda mais comum em contrato internacional, quando se estabelece o local da arbitragem fora de sua jurisdição habitual, em que o contratante se sente mais protegido se pormenorizar a forma de resolução de disputas.
Porém, ao assim proceder, a projeção é que acabe errando na dose, incidindo no exagero. Novamente é importante a participação de advogado com experiência em arbitragem, notadamente no local escolhido para curso da arbitragem.
De mais a mais, basta a previsão dos elementos essenciais da cláusula arbitral e a escolha de um centro de arbitragem de reconhecida reputação e com bom regulamento. Com isso, não é necessária uma cláusula extremamente meticulosa. A criatividade desmedida não encontra espaço nesse ponto.
É sabido, ademais, que uma das grandes vantagens da arbitragem, talvez a maior, é a possibilidade de escolha do árbitro consoante a sua especialização. De fato, esse elemento representa um grande benefício às partes, outorgando confiança na seleção de um nome conhecedor da matéria, que detenha reputação, neutralidade e imparcialidade.
Não é de hoje que as disputas são cada vez mais técnicas, envolvendo questões altamente sofisticadas. Assim sucede, por exemplo, em temas de direito societário, de energia elétrica, de gás e petróleo, de telecomunicação, de mercado financeiro, de investimentos internacionais etc.
São assuntos que, manifestamente, fogem do conhecimento jurídico padrão, motivo pelo qual a oportunidade de nomeação de um árbitro dotado de expertise no tema é de notável valia para o caso concreto.
Entretanto, muitas vezes no afã de deixar clara a necessidade de nomeação de árbitros especializados no assunto objeto do contrato, a cláusula arbitral acaba impondo condições que obstaculizam a própria seleção. É o problema de se exigir uma super-qualificação.
Imagine-se: “O tribunal será composto por três árbitros, os quais deverão comprovadamente possuir mais de dez anos de experiência em tecnologia e comércio naval e em direito marítimo, além de serem fluentes nos idiomas inglês e francês.”
Difícil prever, mas elementar que as opções de nomes independentes e passíveis de atuação como árbitros nesse exemplo são reduzidas. Também encurta o rol de árbitros elegíveis quando se exige o domínio de mais de um idioma ou se institui e/ou se exclui aqueles de determinada nacionalidade.
Logo, se as partes pretendem delimitar a opção de escolha em relação a uma determinada expertise, é importante dosar a exigência, sob risco de não se encontrar árbitro habilitado ante a restrição imposta pela própria cláusula. Ou, ainda, fomentar o risco de a outra parte objetar a indicação por não atendimento às exigências, o que provoca atraso no início da arbitragem.
Outro assunto altamente delicado é a inclusão de mais de uma forma de resolução de disputas no contrato. Assim é quando uma parcela das controvérsias será dirimida por arbitragem e outra pelo Poder Judiciário.
Há situações em que se estabelece: “As controvérsias econômico-financeiras oriundas desse contrato serão dirimidas por arbitragem, mediante nomeação de experts na matéria” e também “As controvérsias relacionadas a questões legais serão dirimidas perante o Foro da Comarca de São Paulo.”
O indiscutível entrave que tende a aparecer nessa hipótese é como se classificar a disputa. O que são controvérsias “econômico-financeiras” e “relacionadas a questões legais”? Não se sugere bifurcar as disputas, pelo contrário. O ideal é definir de forma mais ampla possível as controvérsias que serão submetidas a uma única e definitiva arbitragem.
Especialmente em contratos de fusões e aquisições de empresas, se prevê a participação de um auditor independente para resolver algumas questões, geralmente ligadas a ajuste de preço, às vezes prévia à arbitragem, outras com força de decisão final.
São estipulações que não se recomenda, porque potenciais focos de conflito na definição se a questão deve ser objeto de deliberação pelo auditor ou somente pelos árbitros, mesmo porque no momento do dissenso, revela a prática que a tendência é as partes abdicarem do auditor independente e partirem direto para a arbitragem.
Se não bastasse uma cláusula arbitral exigir atenção, há contratos que estabelecem mais do que uma arbitragem, em diferentes dispositivos, para questões específicas. Não obstante possam funcionar, é desaconselhável repartir as controvérsias potenciais de um contrato em duas ou mais arbitragens.
Embora se possa ter uma boa e justificável intenção em estipulações dessa natureza, a realidade é que representam indiscutível risco no momento da deflagração da disputa.
Equívoco freqüente é a previsão de cláusula compromissória e de eleição de foro no mesmo contrato, isto é, “todas e quaisquer dúvidas, questões e controvérsias em geral relativas ao presente contrato serão resolvidas por arbitragem de acordo com as regras...” e “as partes elegem o Foro da Comarca de São Paulo para dirimir as questões oriundas desse Contrato, renunciando a qualquer outro, por mais privilegiado que seja...". Notória a contradição entre um e outro método de resolução de disputas, que muito provavelmente levaria a questão ao Poder Judiciário, atravancando a resolução do mérito da divergência propriamente dita.
Se a idéia é incluir a eleição de foro para as medidas judiciais coercitivas, em colaboração à arbitragem, é importante que se faça de maneira clara. Portanto, é imperioso o extremo cuidado e criteriosa reflexão na elaboração da cláusula arbitral, não apenas levando em consideração as situações aqui expostas, como outras também relevantes, a fim se de evitar problemas na implantação da arbitragem.
Longe do propósito de se discutir conceitos a respeito, o presente artigo não pretende formar posicionamento de como elaborar a cláusula arbitral, mas primordialmente chamar a atenção para a sua complexidade e destacar alguns pontos de maior relevância, baseada na experiência.
A receita ideal para se evitar erros, não gerar dúvidas quanto à cláusula e, principalmente, correr menos riscos possíveis, é obter a assessoria de profissional especializado em arbitragem que pode elaborar a melhor solução ao caso concreto.
Importante também observar que não se deve imprimir um único modelo de cláusula compromissória para todos os tipos de contrato. De qualquer forma, é essencial atentar aos elementos essenciais que ela deve conter para ser considerada cheia, permitindo o início de arbitragem sem qualquer contratempo quando surgir a controvérsia.
A clareza na redação e a precisão nos conceitos são regras de ouro para bem atentar às expectativas das partes e adequação ao objeto do contrato. Colocando em prática tais orientações, se evita um procedimento confuso, contraditório e inoperante.
Por Giovanni Ettore Nanni
Fonte: ConJur
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