1.0 - Introdução
O ilustre magistrado e professor, Júlio César Ballerini Silva, em magnífico artigo intitulado “Críticas ao modelo de arbitragem no Brasil”, publicado através de CD-Rom Jurídico pela editora Dominus Legis, faz severas críticas à Lei 9307/96 – Lei da Arbitragem –, e ao próprio instituto da arbitragem.
Tal artigo, por ser tão completo, conciso e bem argumentado, pode ser considerado como uma síntese dos argumentos contrários à difusão da arbitragem no Brasil.
Porém, por fazer parte de uma instituição arbitral; por ter participado de um curso de formação de árbitros, promovido pela SBDA – Sociedade Brasileira para Difusão da Arbitragem – e, finalmente, por ser advogado, comprometido, segundo parágrafo único do artigo 2º do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, com “o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis”, devendo “pugnar pela solução dos problemas da cidadania e pela efetivação dos seus direitos individuais, coletivos e difusos...”, além de “estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo sempre que possível, a instauração de litígios”, julgo meu dever de advogado, membro de estabelecimento arbitral, e de cidadão, fazer divulgar as características positivas da arbitragem, além de desmascarar o engano daqueles que diuturnamente lutam contra a efetivação deste meio extrajudicial de solução de controvérsias.
O presente estudo visa, portanto, desfazer alguns equívocos cometidos pelo eminente jurista, e esclarecer que, ao contrário do que muitos – infelizmente – pensam, a sociedade brasileira deu, ao aprovar a referida lei, um grande e importante passo na busca da completa efetivação do texto constitucional, principalmente no que tange à cidadania e aos direitos sociais.
Júlio César Ballerini Silva, logo no início de seu texto afirma que se enganam os juristas ao “...entenderem o instituto da arbitragem como uma das soluções mais eficazes para o fenômeno denominado ‘crise do Poder Judiciário’...”, porém, tentaremos mostrar, com o presente estudo, que isso, ao contrário do que o eminente jurista pensa, é verdadeiro, além de demonstrar, também, que não faz sentido a afirmação de que a adoção da arbitragem “...trará sérios problemas sócio-políticos, econômicos e jurídicos, se aceita sem sérias reservas em nossa ordem jurídica.”
2.0 – Imposição da Globalização
O eminente jurista, faz crer – e neste particular não discordamos – que a promulgação da lei em questão é conseqüência de uma imposição do fenômeno que se convencionou chamar de Globalização.
Concordamos com ele quando afirma que:
“...não se poderá desconhecer fatores como a flexibilidade do conceito de soberania que vem sendo imposto, em sede macrofatorial, pelo FMI e outros organismos internacionais de crédito, aos governos de países da América Latina e do Sudeste Asiático...”
Em outra passagem, ele afirma, ainda, que:
“...parece claro que não se pode esquecer das considerações acima a respeito da necessidade de enfraquecimento do Poder Judiciário nacional para atender interesses de organismos financeiros internacionais, organismos esses não contentes com a existência de Constituições resguardando a dignidade humana em detrimento do capital nos chamados países emergentes...”
Nossa discórdia, referente à este tema, reside apenas no tocante aos efeitos da submissão aos interesses supra-nacionais dos “organismos internacionais de crédito”.
No momento, cabe apenas – pois esta afirmação será clareada no conjunto do texto – a alegação de que, ao contrário do que acredita nosso “adversário”, a adoção da arbitragem trará benefícios, não apenas aos “organismos internacionais de crédito”, mas também, e principalmente, a todo o povo brasileiro.
3.0 – Jurisdição para minorias
Segundo nosso douto opositor, estar-se-ia, com a adoção da arbitragem, criando uma ordem jurídica paralela, ágil e funcional, a qual somente interessaria aos “grandes conglomerados econômicos”, e da qual se excluiria parcela significativa do povo brasileiro, o qual estaria condenado a se socorrer do “falido” sistema judiciário estatal brasileiro.
Em suas próprias palavras:
“De nada adianta, portanto, um instituto que deixe à margem um grande número de cidadãos, implicando numa distribuição de Justiça célere para alguns privilegiados, e, a partir do momento que a crise do Poder Judiciário deixar de tornar um problema para os grandes conglomerados econômicos, que dispõem de grande influência junto aos Poderes Executivo e Legislativo, obviamente não mais ocorrerão, com a mesma intensidade verificada atualmente [...], investimentos necessários ao Judiciário convencional, repetindo-se o fenômeno já vivenciado por outros setores estratégicos do governo [...] não se pode esquecer que, embora para o governo de matiz axiológica neoliberal possa parecer sedutora a tese de resolução do problema do Poder Judiciário a custo zero, ou seja, favorecendo a criação de uma ordem jurisdicional particular e paralela, que interessará a uma minoria, estará deixando de atentar para a missão constitucional do Poder Judiciário, expressamente assegurada no mister da garantia de análise de lesões e ameaças de lesões aos direitos das pessoas residentes e domiciliadas no Brasil.”
O equívoco do eminente Júlio César Ballerini Silva, reside no fato de que, esquece-se ele que, ao difundir-se e fortalecer-se o instituto da arbitragem em âmbito nacional, estar-se-á, indiretamente, contribuindo para a diminuição da instauração de processos judiciais, reduzindo-se, assim, o volume de processos para serem julgados, o que, por um lado contribuirá para uma menor demora nos julgamentos, além de, por outro lado, possibilitar aos julgadores estatais um maior tempo para estudo de cada processo que tiver sob sua jurisdição. O resultado não poderá ser outro senão uma justiça estatal mais célere e de melhor qualidade, principal anseio da população no tocante ao Poder Judiciário.
Assim, mesmo que a arbitragem seja uma jurisdição para minorias – o que não é verdade, pois os custos do procedimento arbitral não são tão elevados como nosso opositor tenta fazer crer, principalmente se levarmos em conta que, pela velocidade de julgamento, o “mais barato”, as vezes, pode acabar sendo o “mais caro” –, ela acabará por beneficiar também aqueles que não possuem recursos para se socorrer da arbitragem, uma vez que, conforme colocado, estes terão a possibilidade de ver seus processos julgados de forma mais ágil e com melhor qualidade.
4.0 – Cidadania
Ballerini Silva afirma, também, que “...com a criação de ordens jurídicas paralelas, será cada vez mais difícil conferir efetividade aos direitos fundamentais dos cidadãos (cláusulas pétreas dentro do estabelecido no artigo 60, § 4º, inciso IV da Carta Política de 05.10.1988).”
Porém, ser cidadão não é – conforme reconhecido no trecho acima – apenas ter direitos políticos. O termo cidadão implica muito mais que isso. Implica, sobretudo, ser reconhecido como ser humano, portador de valores e dignidade próprios.
Para que se possa dizer que um indivíduo é um cidadão, é necessário que sejam efetivados direitos básicos, como na área da saúde, educação, segurança, liberdade...
É neste sentido que, em 1988, o então presidente do Congresso Nacional Constituinte, Ulisses Guimarães, se referiu à Constituição Federal como sendo a “Constituição Cidadã”, pois esta declara vários direitos individuais e coletivos que, em conformidade com a mais moderna concepção de Direitos Humanos, são indispensáveis para que o indivíduo seja considerado cidadão (para maior aprofundamento no tema, ler João Baptista Herkenhoff, “Como funciona a cidadania” da editora Valer, ou “Ética, educação e cidadania” da Livraria do Advogado, ou, ainda, “Cidadania para todos” da Thex Editora).
Sendo assim, não concordamos com o autor quando ele se preocupa com a arbitragem, fazendo crer que sua adoção seria uma afronta à cidadania, uma vez que, conforme dito, ela contribuirá para uma justiça mais célere e de melhor qualidade – o que por si só já é um avanço em termos de cidadania –, além de, conforme o próprio autor afirmou, seu fortalecimento possibilitará ao Governo Federal que, ao invés de investir maciçamente no Poder Judiciário, possa investir maior quantidade de recursos em outras áreas como a saúde, educação, segurança, lazer, meio-ambiente, etc... (não que o Judiciário não precise de investimentos, mas, ao contrário, existem outras áreas, como as citadas, que precisam, mais que o Poder Judiciário, de investimentos), o que, certamente – e ao contrário do que o autor acredita – representará um grande avanço em termos de cidadania.
5.0 – A inconstitucionalidade
5.1 – O duplo grau de jurisdição
Este autor ataca a constitucionalidade do instituto, afirmando que o mesmo não observa o duplo grau de jurisdição, que, segundo sua visão, decorreria da ampla defesa, que, por sua vez, ao lado do contraditório, seriam os pilares básicos do devido processo legal.
Nas suas próprias palavras:
“...o legislador parece ter se esquecido da existência de prerrogativas constitucionais básicas.
Veja-se, por exemplo, o disposto no artigo 5º, inciso LIV da Magna Carta, que estabelece que aos litigantes serão sempre assegurados o contraditório e ampla defesa, bem como os meios e recursos a ela inerentes.
Ora, a ampla defesa pressupõe o acesso a recursos (o texto constitucional é claro a esse respeito), que, no caso, estão sendo negados pela legislação pátria a respeito do tema.”
Porém, sobre a questão de ser, ou não, o duplo grau de jurisdição um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988, o Eminente Relator, Ministro Sepúlveda Pertence do STF, no RHC 79785-7 – RJ, concluiu que a Constituição “...efetivamente não erigiu o duplo grau de jurisdição em garantia fundamental.”
Assim – sob o ponto de vista jurisprudencial – não está correto o entendimento de nosso opositor, o que nos leva a conclusão de que, sob este argumento, a lei 9307/96 é constitucional.
A referida lei é também constitucional sob o enfoque doutrinário se analisarmos a exigência do duplo grau de jurisdição em conjunto com o princípio da autonomia da vontade, o qual será analisado a seguir.
5.2 – A inafastabilidade de apreciação pelo Poder Judiciário de lesão ou ameaça a Direito
O autor também ataca a constitucionalidade da referida lei ao afirmar que:
“Do mesmo modo, o inciso XXXV do mesmo artigo 5º da Magna Carta, estabelece que a lei não excluirá de apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de lesão, de modo que norma infraconstitucional, de forma alguma, poderia impedir o acesso ao Poder Judiciário, mas, no entanto, tal não foi o pensamento do legislador pátrio, que obstou tal acesso, limitando a atuação do Poder Judiciário, aos termos do artigo 7º da lei em estudo, quando o Juiz deverá atuar apenas para conduzir a parte resistente, que tenha firmado cláusula compromissória, à instituição da arbitragem.”
Porém, a constitucionalidade do impedimento ao acesso ao Judiciário é decorrente da autonomia da vontade das partes.
É o que se depreende da leitura do artigo 1º da lei da arbitragem que afirma que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios...”
Uma vez que a lei afirma que as partes “poderão” recorrer à arbitragem, ela torna este procedimento não obrigatório, e, sendo, portanto, facultativo, ambas as partes devem estar de acordo com a instauração do procedimento arbitral.
A razão para que o procedimento arbitral deva ser convencionado pelas partes reside, justamente, no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Por este dispositivo constitucional poder-se-ia – como fez Ballerini Silva – pugnar-se pela inconstitucionalidade da Lei de Arbitragem, no sentido de que a decisão da controvérsia deveria ser tomada, exclusivamente, pelo Poder Judiciário.
Tal raciocínio, porém, utiliza o que os estudiosos da lógica chamam de argumento a contrário, o que, do ponto de vista lógico, é inconcebível.
Se a Constituição diz que o acesso ao Judiciário não será excluído, não está dizendo – como quer o referido autor – que a resolução do conflito passe, obrigatoriamente, por este Poder.
O que a Constituição afirma é que, caso seja de interesse da parte, esta poderá recorrer ao judiciário, afirmação esta que não é, de forma alguma, incompatível com a Lei nº 9307/96, uma vez que esta condiciona a instauração do procedimento arbitral à anuência de ambas as partes, ao dizer que: “as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem...” (artigo 3º).
A autorização para se evitar o Poder Judiciário explica-se pelo fato de que somente poderão ser dirigidos ao procedimento arbitral os litígios que tratem de direito patrimonial disponível, conforme expresso no artigo 1º da Lei.
Assim, quanto a este argumento, também se chega a conclusão de que a lei em questão é, com base no princípio da autonomia da vontade, perfeitamente constitucional.
5.3 – Proibição de criação de Tribunal de exceção
O eminente jurista Ballerini Silva tenta, ainda, pugnar pela inconstitucionalidade da referida lei, ao apontar o dispositivo constitucional que proíbe a instauração de tribunal de exceção (artigo 5º, inciso XXXVII da CF/88).
Porém, o que nosso opositor se esquece desta vez é que para se fazer uma boa interpretação constitucional deve-se levar em conta o momento histórico em que a mesma foi elaborada (os diversos autores que tratam de hermenêutica – quer seja geral, quer seja constitucional – são uníssonos a respeito).
Pois bem, a Constituição foi promulgada ao fim de um regime ditatorial militar, onde eram comuns os julgamentos sumários em tribunais suspeitos, o que – por si só – justifica a presença em sede constitucional de tal garantia (além é claro de se tratar de exigência feita em decorrência dos artigos IX e X da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU).
Porém, uma boa hermenêutica não se finaliza apenas apreciando-se o momento histórico em que a Constituição foi promulgada (aqui também os autores são unânimes), mas sim ao se examinar o sistema como um todo, e, principalmente, qual a intenção do legislador ao elaborar a lei que se quer interpretar.
Assim, a intenção do Congresso Constituinte, ao inserir no corpo constitucional o referido dispositivo, foi de impedir que os futuros governos pudessem ter meios de cassar – ou caçar – seus adversários políticos – prática que era comum no antigo regime.
Nada impede, portanto, que, respeitando-se princípio da autonomia da vontade das partes, elas possam abrir mão da referida garantia constitucional, principalmente por que, segundo a lei 9307/96, somente poderá ser árbitro quem tiver a confiança das partes (artigo 13).
Ora, o conceito de tribunal de exceção é absolutamente incompatível com a presença de julgador de confiança das partes que serão julgadas.
Assim, mais uma vez, chega-se a conclusão de que a lei da arbitragem é constitucional.
5.4 – Publicidade dos atos processuais
Como se não bastasse, nosso opositor tenta, mais uma vez, pugnar pela inconstitucionalidade da lei em voga, agora apontando a obrigatoriedade de publicidade dos atos processuais estabelecida pelo inciso LX do artigo 5º da Constituição Federal.
Mais uma vez, cabe lembrar que a referida garantia de publicidade dos atos processuais foi estabelecida para se evitar os erros cometidos no passado, e que sua intenção foi, portanto, de proibir os julgamentos secretos que também eram comuns no regime militar.
O que se busca com tal dispositivo é resguardar às partes que serão julgadas a garantia de que a lei e o devido processo legal serão sempre seguidos.
Nada impede que as partes, por vontade própria, desejem, ao utilizar a arbitragem, manter em segredo toda a matéria referente ao processo, e, inclusive, o próprio processo em si.
Existem duas explicações para isso. A primeira é que o julgador, conforme dito a pouco, é pessoa de inteira confiança das partes, de forma que estas sabem que o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e outros princípios serão observados.
A segunda explicação é que, se por erro, ou má-fé de qualquer dos envolvidos, os princípios (que segundo Alexy deveriam ser chamados de regras) acima expostos não forem observados no julgamento arbitral, será possível, através do Judiciário, pedir a nulidade do julgamento, com base no artigo 32, inciso VIII da lei arbitral.
Assim, conclui-se que a lei 9307/96 é plenamente constitucional, conforme bem se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, fato este que é de conhecimento do eminente Ballerini Silva, o qual chega a afirmar:
“É bem verdade que, em recente julgamento, o Supremo Tribunal Federal, em decisão histórica não muito divulgada e difundida nos meios judiciais, a despeito de sua magnitude, reconheceu, por maioria de votos (e não pela totalidade) que a Lei nº 9.307/96 seria constitucional, a despeito das falhas apontadas...”
6.0 – Poderes do árbitro
Ballerini Silva levanta dúvidas a respeito dos poderes conferidos à figura do árbitro, afirmando que:
“...a lei adota uma postura dúbia a respeito da figura do árbitro, posto que, tal como mencionado acima, a lei equiparou-o a Juiz de Direito (artigo 18), conferindo-lhe amplos poderes instrutórios (artigo 22), atribuindo-lhe o poder de prolatar sentenças, inclusive em atendimento ao seu livre convencimento (artigo 21, § 2º), atribuindo a possibilidade de formação de coisa julgada a tais decisões (artigo 31).
E deve ser destacado que o único fundamento político da existência de um terceiro com função de julgar é, justamente, sua imparcialidade, o que deve é obtido [sic] através de uma fundamentação (com tal fundamentação permite-se conhecer o raciocínio lógico e coerente que levou à prolação da decisão, restringindo-se sobremaneira as possibilidades de arbítrio e corrupção).
Mas, mesmo a par de pretender conferir ao árbitro tais prerrogativas institucionais, a todo momento se refere o legislador à necessidade de utilização do Poder Judiciário para conferir-se efetividade ao texto legal, como se observa, v.g., no artigo 7º e seus consectários e no artigo 22, §§ 2º e 4º.
Ora, se o árbitro é Juiz de Direito, revestido de inúmeras prerrogativas de Magistrado, porque a postura dúbia de se prever a necessidade do mesmo recorrer ao Poder Judiciário tradicional para a imposição de seus atos e deliberações ? O escopo da lei, ‘a priori’ não teria sido o de promover a agilidade de julgamento, sem necessidade de se acionar um moroso e complexo Poder Judiciário ?”
Vamos por partes.
Primeiro, com relação ao “livre convencimento” do árbitro, a lei não está dizendo – conforme crê o eminente jurista – que o árbitro é livre para decidir e ponto.
A lei diz apenas que sua decisão é livre, sem dever de observar o entendimento alheio, mesmo que este entendimento não compartilhado pelo árbitro seja o do Supremo Tribunal Federal.
O árbitro, assim como todo magistrado, possui o dever de fundamentar sua sentença (se não pelo dever constitucional de fundamentação de toda decisão – artigo 93, IX –, ao menos pelo artigo 26 da lei arbitral que estabelece, explicitamente, o dever de fundamentar sua sentença).
Assim, não houve qualquer irregularidade com a expressão “livre convencimento”, apesar de que pela melhor técnica deveria ter sido expresso “livre convencimento fundamentado”. Porém, por uma hermenêutica sistemática da lei, chega-se à conclusão de que é exatamente isto que é indicado pelo citado artigo 21, § 2º.
Quanto aos poderes instrutórios, estes são indispensáveis para o julgamento.
Quanto ao efeito de coisa julgada das decisões arbitrais, estas são necessidades lógicas decorrentes da própria lei, pois não faria sentido socorrer-se da arbitragem se sua sentença pudesse ser alterada pelo Poder Judiciário.
Quanto à necessidade de socorro ao Poder Judiciário, a explicação é que o árbitro possui apenas o poder de dizer o direito das partes, nada mais. O árbitro não possui – e, por sua natureza, não pode possuir – o direito/poder de mando, principalmente com relação à terceiros sobre os quais não possui qualquer relação jurídica.
Com isto explica-se a necessidade de pedir ao Judiciário a condução sobre varas de testemunhas que se recusam a comparecer perante o tribunal arbitral (artigo 22, § 2º), ou de se pedir ao Judiciário que conceda medidas coercitivas ou cautelares (artigo 22, § 4º).
Quanto à necessidade de se recorrer ao judiciário para instauração do tribunal arbitral (artigo 7º), isto se explica, justamente, pelo fato de que o tribunal arbitral ainda não foi instaurado.
Como um árbitro, que ainda não é árbitro – pois só se torna árbitro após a instauração do tribunal arbitral –, e que, portanto, ainda não tem qualquer poder sobre as partes, poderia dar início ao procedimento arbitral?
A solução é uma só: dar início ao procedimento arbitral via Poder Judiciário.
Assim, não fazem sentido as preocupações referentes a pretensa falta de coerência com relação aos poderes dos árbitros, pois como visto, existe sim uma coerência d lei a este respeito, e, diga-se, o tratamento dispensado aos árbitros não poderia ter sido diferente. Bem andou o legislador no tocante à matéria em questão.
7.0 – Da possibilidade do julgamento por eqüidade.
A lei no seu artigo 2º, abre a possibilidade expressa das partes escolherem quais as leis que regerão a decisão da controvérsia, ou, até mesmo, se a decisão a ser tomada deverá ser exclusivamente por critérios de eqüidade.
Nosso opositor acredita que tal abertura estabelecida seria perigosa, merecendo “cuidado”, uma vez que tal possibilidade, sob seu ponto de vista, revelaria “...o aspecto puramente econômico que serviu de propulsor da edição da lei.”
Primeiramente, é bom esclarecer que o objetivo da lei é, realmente dar um tratamento diferenciado aos “direitos patrimoniais disponíveis”, conforme expresso logo em seu artigo 1º.
Segundo, cumpre lembrar que não são, portanto, passíveis de julgamento por via arbitral os direitos indisponíveis, tais como os direitos de matéria penal, tributária, família, sucessão ou direitos fundamentais.
Assim, não existe qualquer problema no aspecto – positivo – de as partes poderem escolher livremente quais as regras que deverão ser aplicadas ao julgamento.
Quanto, mais especificamente, à eqüidade, esta é, conforme definição clássica, uma lei perfeita, estabelecida apenas para um único caso concreto, e que amolda-se perfeitamente às características do caso sob julgamento.
Mais precisamente, nas palavras de Celso Ribeiro Bastos, a eqüidade “..é uma apreciação subjetiva, cujo critério reside no senso de justiça. O Código de Processo Civil de 1939, no seu art. 114, conceituava a eqüidade nos seguintes termos: ‘Quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria se fosse legislador.'" (in Curso de direito financeiro e de direito tributário, pág. 189).
Assim, não existe qualquer preocupação plausível para afirmar-se que o julgamento por eqüidade seja digno de “cuidado”, como afirmou Ballerini Silva, principalmente porque o julgamento só será por via da eqüidade se ambas as partes acordarem neste sentido, não havendo óbice para afastar a aplicação do princípio da autonomia da vontade – o qual, diga-se, é o fundamento e sustentáculo do instituto da arbitragem.
8.0 – Grande conglomerados internacionais X pequenos contratantes nacionais
Um preocupação correta do referido autor é de que:
“Seria muito difícil a uma pequena empresa nacional, como por exemplo, uma padaria, contratar um grande escritório de advocacia, com profissionais especializados em usos e costumes internacionais para enfrentar uma grande empresa multinacional que rotineiramente dispõe de grupos de escritórios de grandes internacionalistas, especializados neste tipo de pendências, como por exemplo, as grandes companhias produtoras de refrigerante, que, muitas vezes, através de suas distribuidoras, em virtude de seu nome no mercado, já impõem as vendas casadas de seus produtos, e não terão maiores obstáculos em impor cláusulas compromissórias prevalecendo-se de seu poder econômico.
Acabou-se, portanto, por legitimar o darwinismo econômico na ordem jurídica pátria...”
Porém, esqueceu-se o autor de que a lei em seu artigo 21, § 2º ordena, de forma clara, que “serão, sempre, respeitados no procedimento arbitral os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento.” (note-se que o advérbio temporal “sempre” está colocado entre vírgulas, o que aponta para uma preocupação do legislador em dar ênfase ao referido ordenamento de “sempre” se respeitar tais princípios).
Além de que, por força do artigo 32 da lei em questão, se estes princípios não forem observados, estar-se-á diante de uma sentença nula.
Assim, não existem motivos para tão grande preocupação com as desproporções econômicas existentes entre os “grandes conglomerados internacionais” e os “pequenos contratantes nacionais”, pois, apesar de, realmente, ser possível que os pequenos contratantes nacionais sejam pressionados para aderirem “...a contratos que contenham em seu bojo cláusulas compromissórias”, se houverem problemas que devam ser resolvidos por via arbitral, esta desproporção econômica não deverá dar ensejo a prejuízos no tocante a parcialidade da solução da controvérsia.
É claro que sempre existirá o problema apontado pelo autor de que os grandes conglomerados econômicos serem representados por um “grande escritório de advocacia, com profissionais especializados em usos e costumes internacionais”, enquanto que os pequenos contratantes nacionais não teriam recursos para serem representados por escritórios de advocacia de igual capacidade.
Porém, será que se este procedimento arbitral – onde exista desproporção econômica entre as partes, e, em que uma delas contrata um escritório de advocacia altamente especializado, enquanto que a outra parte contrata apenas um escritório de advocacia sem qualquer especialização – fosse julgado pelo Poder Judiciário o problema central da questão – a desigualdade entre os advogados – seria resolvido? Claro que não, este problema continuaria existindo mesmo perante o Poder Judiciário. Então, porquê se impedir a arbitragem apenas por isso?
9.0 – “Relação de consumo” & “contrato de adesão”
Afirma nosso opositor que:
“...não se desconhece a argumentação dos defensores da arbitragem no sentido de que a legislação vedaria a imposição da arbitragem, ao menos no que tange às relações de consumo.
Mas cuida-se de proteção pífia, aparente, sem maior efetividade, posto que, em primeiro lugar, e sobretudo entre empresas, se torna difícil caracterizar uma relação como sendo de consumo, e, portanto, de acordo com as regras previstas pela Lei nº 8.078/90.
[...]
Assim, uma primeira dificuldade já surgiria daí, posto que, nem sempre será possível caracterizar uma relação envolvendo um grande grupo econômico, como uma relação de consumo, e com isso não se poderia ensejar a aplicação da norma contida no artigo 4º da Lei nº 9.307/96, que, supostamente, resguardaria as relações de consumo em matéria de arbitragem.”
Porém, ao contrário do que afirma Ballerini Silva, a lei 9307/96 não veda a arbitragem em contrato de relação de consumo.
O § 2º do artigo 4º da lei é expresso no sentido de que, no tocante aos contratos de adesão – e aqui está o equívoco de acreditar-se que “contrato de adesão” seja sinônimo de “relação de consumo” – “...a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula.”
Antes de mais nada, cumpre esclarecer que quando a lei fala em “instituir a arbitragem” trata-se de efetivamente instaurar o tribunal arbitral e dar início ao procedimento da arbitragem, e não de fazer constar no contrato a possibilidade futura de se utilizar de procedimento arbitral para solucionar problemas ainda não existentes, como parece ter sido o entendimento do eminente jurista.
Assim, a primeira conseqüência deste dispositivo é que, quando tratar-se de contrato de adesão, aquele que elaborou o contrato não poderá utilizar-se de sua torpeza a seu favor, alegando que a lei veda a arbitragem em contrato de adesão.
É o que se depreende da primeira parte do dispositivo, quando ele afirma que “...só terá validade se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem...”.
Assim, perfeitamente válida a arbitragem se é do aderente a iniciativa de instaurar o procedimento arbitral.
Outra conseqüência do mesmo dispositivo, é que somente poderá o elaborador do contrato de adesão se socorrer do procedimento arbitral se aquele que aderiu ao contrato tiver, “expressamente”, concordado com sua instituição. É o que decorre da parte final do dispositivo em análise.
Assim, cumpre deixar claro que não existe, ao contrário do que afirma Ballerini Silva, óbice à arbitragem em relações de consumo.
O que existe é uma preocupação, por motivos óbvios, do legislador em proteger aquele que assina um contrato de adesão.
Uma preocupação válida é a afirmação de que:
“...de nada adianta o estabelecimento formal de uma garantia em favor do consumidor, no gênero de exigir-se que a arbitragem seja instituída de forma clara e destacada do texto de um contrato, posto que, do ponto de vista da efetividade, ou o consumidor aderirá para obter o produto, ou, se discordar, não realizará o contrato (a experiência bancária esta aí para que todos possam verificar como ocorre do ponto de vista empírico).”
Realmente, esta possibilidade existe, e, certamente ocorrerá na prática, mas, se isso acontecer, poderá o aderente se recusar a instaurar o procedimento arbitral, fazendo com que a outra parte precise se socorrer do Poder Judiciário para a instauração do tribunal arbitral – aqui está mais um motivo para a possibilidade aberta pelo artigo 7º da lei –, sendo que o Poder Judiciário, após ouvir as alegações de ambas as partes, decidirá se deverá ser instituído o tribunal arbitral para solucionar a controvérsia, ou se, por outro lado, houve algum tipo de coerção por parte daquele que exigiu a anuência contratual do aderente que justifique a não instauração do procedimento arbitral.
Porém, continuando-se na leitura do artigo de Ballerini Silva, esta parece não ter sido sua preocupação, pois ele afirma que:
“Pense-se, por exemplo, no caso de um grande banco que, para efetuar o refinanciamento de uma dívida já vencida, com o devedor, imponha um contrato com uma cláusula de convenção de arbitragem, o fazendo de forma expressa e clara, com destaques e negrito para a cláusula, e através da qual se estabeleça que o árbitro seja o gerente de um outro banco, também associado à FEBRABAN, ou jurista que já tenha publicado teses justificando a cobrança de juros onzenários por instituições financeiras.
E, por mais que o consumidor saiba o que ocorre, não conseguirá obter a repactuação se não firmar a convenção, nada podendo fazer em relação ao árbitro, posto que, formalmente, não se encontram presentes quaisquer das hipóteses de impedimento ou suspeição que poderiam ser alegadas em face de um Juiz estatal (isso sem que se mencione que o critério de decisão pode ser, como já mencionado limhas atrás, o da equidade, ainda mais amplo, permitindo uma margem de discricionariedade cada vez maior, agravando-se a questão formulada).
[...]
E não que os árbitros não venham a ser imparciais, como exige a lei que o sejam, mas corre-se o sério risco de que, em contratos de adesão, se escolham representantes de classes setoriais, ideologicamente comprometidos com o desfecho da lide, o que não se pode conceber, por razões óbvias.”
Assim, mais uma vez, demonstra o autor que sua preocupação principal – mesmo que tente camuflar em forma de comprometimentos ideológicos – é com relação à imparcialidade do árbitro, esquecendo-se de que, somente poderá ser árbitro aquele que tiver confiança das partes (artigo 13), e do disposto nos, já citados, artigos 21, § 2º e 32 da lei 9307/96, sobre a nulidade da sentença que não observar, entre outros princípios, a imparcialidade do árbitro.
Por outro lado, com relação ao fato de o árbitro ser – ou poder ser – uma pessoa ideologicamente comprometida, cumpre lembrar que o magistrado aposentado João Baptista Herkenhoff, em um de seus trabalhos (Como aplicar o Direito – à luz de uma perspectiva axiológica, fenomenológica e sociológico-política – da editora Forense) demonstra que todo magistrado, como ser humano que é, possui valores pessoais os quais estão contidos em cada uma de suas sentenças.
Assim, porque se preocupar com a ideologia do árbitro quando os juízes também possuem – em maior, ou em menor grau – um comprometimento ideológico?
Mais, se ambos possuem um certo grau de comprometimento ideológico, o árbitro é escolhido de livre vontade pelas partes, enquanto que o juiz é imposto, ou por questões de jurisdição, ou por sorteio.
10.0 – Considerações finais
Com o presente estudo, o qual não pretende exaurir o tema, fica demonstrado que a arbitragem é perfeitamente constitucional, e mais, que sua difusão e aplicação prática, ao contrário do que pensam alguns, possibilitará uma relativa melhora – quantitativa e qualitativa, como visto – do Poder Judiciário, além de propiciar que os escassos recursos econômicos das três esferas de governo possam ser direcionados para áreas de maior urgência, ampliando-se, assim, o leque de direitos sociais efetivados no mundo real, e não apenas em sede constitucional.
Assim, o fortalecimento da arbitragem no Brasil servirá para garantir uma maior cidadania, principalmente aos economicamente desfavorecidos.
Deve-se, de uma vez por todas, deixar-se de lado os aspectos de interesse de classe com que, sobretudo os magistrados – na tentativa de conservar seu Poder Social (cuja existência foi comprovada em forma de pesquisa desenvolvida por João Baptista Herkenhoff que culminou em seu livro intitulado “O Direito dos Códigos e o Direito da Vida” editado por Sérgio Antônio Fabris) – buscam combater a arbitragem, atribuindo-lhe características que não são, nem de longe, verdadeiras.
Divulgar a arbitragem, e lutar pelo seu fortalecimento no plano nacional é, portanto, dever de cidadania, com o qual todos devem contribuir para que o Poder Judiciário possa cumprir com seu dever constitucional de distribuir justiça aos que dela têm fome e sede.
Por Enéas Castilho Chiarini Júnior
Fonte: Escritório Online
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