Projeto de Lei
Breves comentários ao Projeto de Lei nº 94/2002 que “institucionaliza e disciplina a mediação, como método de prevenção e solução consensual de conflitos”.
Elaborado pela Deputada Federal Zulaiê Cobra, o projeto iniciou sua longa trajetória legislativa junto ao Congresso Nacional no ano de 1998. Continha originalmente apenas sete artigos, mas sofreu alterações diversas ao longo de sua jornada, principalmente depois de apresentado ao Senador Pedro Simon, responsável pela redação atual, que contém 47 artigos divididos em seis capítulos.
No dia 21 de junho de 2006, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou o PL 94/2002 e, posteriormente[1] , o Plenário do Senado Federal confirmou a aprovação do texto. Agora, o mencionado projeto retornará à sua casa de origem - Câmara dos Deputados – em razão das alterações sofridas e, em seguida, seguirá para sanção presidencial.
O PL 94/2002, na verdade, pretende criar a mediação paraprocessual, que nada mais é que uma mediação obrigatória para quem pretende demandar em juízo. Tem enorme abrangência, já que deverá ser realizada anteriormente ou no curso de todo processo de conhecimento de natureza civil[2] .
Em curta explicação, o PL 94/2002 cria a mediação paraprocessual como requisito obrigatório ao desenvolvimento regular de todo processo de conhecimento de natureza civil, sendo quatro as suas modalidades: mediação prévia ou mediação incidental (quanto ao momento da realização da mediação: antes ou no curso do processo) e mediação judicial ou mediação extrajudicial (quanto à qualidade do mediador: “oficial” ou “independente”).
Portanto, para cumprimento desse requisito obrigatório, poderá se optar por uma mediação prévia, que é anterior à propositura da ação ou incidental, que ocorre no curso do processo, devendo o juiz suspender o feito para tal fim. Ambas podem ser judicial, quando se utilizarem de mediadores advogados, com três anos de experiência, aprovados para essa finalidade e integrantes do “Registro de Mediadores” dos Tribunais de Justiça[3] (serão remunerados[4] para tal ofício) ou extrajudicial, quando fizerem uso de instituições de mediação ou mediadores independentes.
A mediação prévia judicial será apresentada ao Poder Judiciário mediante formulário padronizado, subscrito pela parte ou por seu advogado, cujo protocolo interrompe a prescrição. Distribuído a um mediador judicial, este designará data para a sessão de mediação e determinará a cientificação do requerido com a recomendação de que deverá comparecer à sessão acompanhado de advogado, quando a presença deste for indispensável. A mediação prévia deverá ser concluída no prazo máximo de noventa dias.
Encerrada a mediação previa (judicial ou extrajudicial) sem obtenção de êxito, a parte interessada em propor ação de conhecimento de natureza civil terá 180 dias para tanto, sob pena de, excedendo esse prazo, ter que se sujeitar a nova mediação paraprocessual.
Se o jurisdicionado demandar em juízo sem a prévia mediação ou após o prazo de 180 dias acima referido, será então necessária a realização da mediação incidental, que se assemelha à prévia quanto ao procedimento, porém, como já dito, ocorrerá no curso do processo, devendo o juiz suspender o feito para tal finalidade.
Nessa hipótese, o juiz da causa remeterá cópia dos autos processuais a um mediador, que designará data para a sessão de mediação e determinará a intimação das partes para comparecimento à sessão, devendo também conter na intimação a “recomendação” de que as partes deverão se fazer acompanhar de advogados, “quando indispensável à assistência judiciária”[5] . A mediação incidental também deverá ser realizada no prazo máximo de noventa dias[6] .
O PL 94/2002 cria ainda a figura do co-mediador (profissional auxiliar, especializado na área do conhecimento subjacente ao litígio)[7] , que atuará em conjunto com o mediador, quando recomendável em razão da natureza ou complexidade do conflito. A co-mediação é em regra opcional, podendo ser requerida por qualquer dos interessados ou pelo mediador. Será, porém, obrigatória nos casos que versem sobre o estado da pessoa e Direito de Família, devendo o co-mediador ser psiquiatra, psicólogo ou assistente social.
O PL 94/2002 traz modificações ao artigo 331 do Código de Processo Civil, acrescentando três parágrafos e alterando a redação dos já existentes. Dentre as novidades, merece destaque a nova redação do parágrafo 3º., onde se inseriu a possibilidade do juiz sugerir às partes outras formas adequadas de solução de conflito, “inclusive a arbitragem, na forma da lei, a mediação e a avaliação neutra de terceiro”.
Como se percebe por esse breve relato, trata-se, o PL 94/2002, de uma iniciativa legislativa que trará, sem dúvida alguma, muita polêmica.
O próprio cerne do PL 94/2002 - mediação obrigatória – já surge equivocado, pois a mediação sempre teve em sua essência, como preceito basilar, o princípio da autonomia da vontade.
Como forma de solução alternativa de controvérsia (ADR – alternative dispute resolution) o método da mediação deve ser escolhido pelas partes em conflito (e não imposto). A mediação costuma ser bastante interessante e eficaz quando as partes, muitas vezes já desguarnecidas de beligerância excessiva, elegem por vontade própria um mediador que as auxilia, mediante um procedimento apropriado (não uma mera “audiência”), na obtenção do almejado acordo.
O que o PL 94/2002 está de fato criando é uma mediação esdrúxula, que na prática nada mais é que uma nova “fase” do processo judicial. E pior, uma fase que provavelmente será muito longa e pouco produtiva.
A mediação judicial (prévia ou incidental) no Judiciário Paulista certamente demandará muito mais que os 90 (noventa) dias idealizados pelo legislador (vide, por exemplo, o prazo que o legislador estipulou para o procedimento sumário e quanto tempo normalmente ele demora), e será pouco produtiva, já que a quantidade de acordos em termos percentuais, se comparado à quantidade de demandas, provavelmente não representará algo significativo a justificar a paralisação de todos os processos de natureza civil (que serão atrasados no início ou suspensos durante seu curso).
Outro ponto controvertível, que precisará ser bem definido para evitar futuros dissabores, é a questão da necessidade da participação do advogado no procedimento da mediação. O PL 94/2002 não conseguiu definir essa situação, pois os artigos que tratam do assunto são vagos ao usar termos como: recomendar às partes que se façam acompanhar de advogados quando for indispensável à assistência judiciária.
Por derradeiro, não menos importante e polêmica é a questão da remuneração dos mediadores. O PL94/2002 determina que os mediadores serão sempre remunerados, nos termos e segundo os critérios fixados pela norma local.
Como a mediação passará a ser obrigatória em todo processo judicial de natureza civil, haverá inúmeras mediações e, portanto, grande quantidade de mediadores “remunerados”. Pergunta-se: quem pagará a conta? Os jurisdicionados? O Tribunal de Justiça, com sua dotação orçamentária?
Se hoje as taxas judiciárias (principalmente os preparos) já são elevadas, será que o jurisdicionado vai arcar de bom grado com esses honorários de mediação, notadamente em casos que sabe, de antemão, que não haverá acordo? Ou será que o orçamento do Judiciário terá gordura para arcar com mais esses custos, se hoje os Judiciários Estaduais mal conseguem honrar as despesas ordinárias (lembrem-se das “inesquecíveis e longas” greves dos serventuários e dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal).
Essas são apenas algumas despretensiosas observações. Mas já se torna fácil concluir que se a idéia do legislador é favorecer o Judiciário, tornando-o mais rápido e eficiente, certamente alguns reparos ao PL 94/2002 são imprescindíveis, sob pena dos objetivos do legislador não serem atingidos.
Notas do texto:
[1] Em 11 de julho de 2006.
[2] Todos processos judiciais, de conhecimento, que tenham natureza civil (direito das obrigações, direito de empresas, direito das coisas, direito de família, etc.) deverão se sujeitar à mediação paraprocessual, com exceção das ações de interdição, falência, recuperação judicial, insolvência civil, inventário, arrolamento, imissão de posse, reivindicatória, usucapião de bem imóvel, retificação de registro público, quando o autor optar pelo procedimento do juizado especial ou quando o autor ou réu for pessoa jurídica de direito público e a controvérsia versar sobre direitos indisponíveis (art. 34 do PL 94/2002).
[3] A ser criado pelos Tribunais de Justiça, que deverão expedir normas regulamentando a lei em 180 dias após sua publicação.
[4] Art. 38, parágrafo único, art. 42 e art. 46 do PL 94/2002.
[5] Art. 37, parágrafo 1º. do PL 94/2002.
[6] Art. 34, parágrafo único do PL 94/2002.
[7] Art. 16 do PL 94/2002.
Fonte: Escritório Online
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