quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O papel do mediador: agente multiplicador dos meios de soluções alternativas de conflitos

Doutrina
No atual estágio das sociedades modernas e civilizadas, é pacífico – ou ao menos predominante – que não há sociedade sem direito. É o direito que exerce a função ordenadora dos interesses que se manifestam na vida social, de forma a organizar a vida em sociedade e compor os conflitos entre seus membros.

O principal objetivo, portanto, da ordem jurídica, é harmonizar as relações sociais intersubjetivas, maximizando a relação dos valores humanos com o mínimo de sacrifício possível .

Entretanto, nem todas as relações intersubjetivas são harmônicas; é ínsito, também à sociedade, o surgimento de conflitos ou interesses antagônicos, que precisam ser solucionados.

Assim, o Estado arvora-se, primordialmente, da função jurisdicional para solucionar e pacificar as relações de insatisfação dos jurisdicionados quanto aos conflitos de interesses ou pretensões resistidas ou, ainda, não cumpridas espontânea e voluntariamente, impedindo a autotutela de interesses.

Com efeito, ao exercer a jurisdição, o Estado age em substituição à vontade das partes – as quais não podem fazer “justiça privada” ou se autotutelar – dizendo o direito para o caso concreto e impondo a execução específica, eis que a jurisdição ser para pacificar com justiça os conflitos intersubjetivos, objetivando ao bem comum de todos .


Entretanto, o Estado moderno, no que pese o exercício do monopólio jurisdicional, é incapaz de entregar a prestação aos jurisdicionados de forma satisfatória: o acesso à justiça ainda é precário e caro; as defensorias públicas são mal aparelhadas; o tempo de tramitação das demandas e a quantidade de recursos protelam e postergam a satisfação da pretensão; decisões díspares acerca de casos análogos são proferidas cotidianamente, aumentando o grau de insegurança jurídica, etc.

Em razão desta conjuntura do processo formal, e em função da proibição da autotutela pelas partes, cresce a cada dia a utilização de formas alternativas de resolução de conflitos, ao lado do modelo estatal clássico.

As denominadas alternative dispute resolutions (ADR), nominadas em português de meios extrajudiciais de solução de conflitos (MESC) ou meios alternativos de solução de controvérsias (MASC).

As modalidades de soluções não-jurisdicionais de conflitos são, precipuamente, formas, instrumentos e métodos alternativos de pacificação e resolução dos conflitos; funcionam como alternativa à via estatal.

O cerne do movimento de resolução alternativa de conflitos reside na busca de pacificação social com eficácia e eficiência por vezes ausentes na seara judicial, privilegiando-se, assim, a própria vontade das partes em solucionar o impasse, sem o formalismo exacerbado e típico do processo jurisdicionalizado.

A desformalização é uma tendência mundial e o Brasil, hodiernamente, apresenta-se apto a utilizar as formas extrajudiciais de resolução e pacificação de litígios, através do emprego da mediação, conciliação e da arbitragem.

Também denominados de meios informais de composição de conflitos, as formas extrajudiciais, ou melhor, extra-jurisdicionais, são mais acessíveis à população, mais céleres, baratos e informais, além de contarem com a participação mais ativa (pró-atividade) dos atores envolvidos no conflito.

Neste cenário, surge a mediação como alternativa útil e prática à solução de conflitos de interesses, em que as partes valem-se de um terceiro imparcial para as aproximar, aparar arestas e demonstrar as virtudes e vantagens de uma composição amigável.

E, como principal ator de transformação desta forma de solução alternativa de conflitos, aparece a figura do mediador, pessoa em que as partes conflitantes depositam total confiança, talhada para, com objetividade, imparcialidade e paciência, intermediar a construção de uma solução satisfatória para ambos os litigantes, encerrando a controvérsia.

1. Os Meios Alternativos de Solução de Conflitos 
Mauro Cappeletti , ao estudar formas e meios alternativos ao monopólio da jurisdição estatal para solucionar conflitos, alertava que as partes envolvidas num litígio parecem aceitar mais facilmente decisões oriundas de árbitros e conciliadores, do que as impostas unilateralmente pelo Poder Judiciário, provavelmente porque fundadas em acordos ou negociações estabelecidos entre as próprias partes.

Na mesma esteia de raciocínio, noticia o autor ser significativo que um processo dirigido para a conciliação – ao contrário do processo judicial, que geralmente declara uma parte “vencedora” e a outra “vencida” – ofereça a possibilidade de que as causas mais profundas de um litígio sejam examinadas e restaurado o relacionamento complexo e prolongado” .

Impende destacar, por oportuno, que esta talvez seja a principal vantagem dos MASC/MESC: a manutenção das relações pessoais, profissionais, negociais, etc.

Os meios de composição alternativa de conflitos possuem este viés que lhes caracteriza substancialmente, qual seja, a manutenção dos laços relacionais, os quais não são rompidos por “decisão unilateral imposta pelo Poder Judiciário”.

É de conhecimento rotineiro que, numa demanda judicial, sempre uma das partes (às vezes ambas!) sentem-se injustiçadas com a solução apresentada pelo magistrado, fato que ocorre em menor escala quando se trata de conciliação, mediação e arbitragem.

No ponto, convém conceituar, rapidamente, estes principais meios de solução de conflitos.

Conciliação, no dizer de Antônio Sodré, é o acordo entre as partes litigantes, para pôr fim à demanda; transação . A principal característica da conciliação é de que, na hipótese em que as partes não cheguem ao entendimento, o conciliador propõe uma solução que, ao seu critério, é a mais adequada para aquela contenda.

Entretanto, as partes não estão obrigadas a aceitar a proposta do conciliador. Trata-se, portanto, de um processo voluntário e pacífico, que permite a criação de um ambiente propício para as partes convergirem na busca de soluções para seus problemas.

Mediação, ao seu turno, é uma técnica pela qual duas ou mais pessoas, em conflito potencial ou real, recorrem a um profissional imparcial para obter, num espaço curto de tempo e a baixos custos, uma solução consensual e amigável, culminando num acordo em que todos ganhem.”

Tal qual a conciliação, o foco do procedimento é a resolução do litígio; todavia, há uma singular diferença entre os métodos: na conciliação, a postura do conciliador é mais ativa e caso as partes não cheguem a um consenso, o conciliador proferirá decisão sobre caso concreto, apesar de não possuir conteúdo vinculante aos contendores.

Já na mediação, o mediador atém-se a aproximar as partes e aconselhá-las a construírem uma solução justa para ambas as partes, inexistindo, portanto, decisão proferida por aquele interventor. Caso as próprias partes não cheguem a um acordo, ou transação, a mediação será encerrada e extinta, por frustração.

A mediação, por conseguinte, tem por escopo precípuo, e por característica primordial, propiciar oportunidades às partes em conflito para que tomem decisões, utilizando técnicas que auxiliam a comunicação no tratamento das diferenças de forma construtiva e interativa. A mediação é, em essencial, transformativa, ou seja, as técnicas empregadas têm a função de aproximar as partes para que elas negociem diretamente a melhor composição do conflito.

Por último, insta salientar conceituar arbitragem. Segundo a lição de Carlos Alberto Carmona “é o meio alternativo de solução de controvérsias através da intervenção de uma ou mais pessoas que recebem seus poderes de uma convenção privada, decidindo com base nela, sem a intervenção estatal, sendo a decisão destinada a assumir a mesma eficácia da sentença judicial.”

Realizada esta breve explanação conceitual, concentrar-se-á na figura do mediador, agente transformador e propulsor dos entendimentos tendentes à resolução de conflitos, na mediação, um dos principais meios de solução alternativa de controvérsias.

2. A Figura do Mediador
Na mediação, o responsável por aproximar as partes e retomar o diálogo nas negociações visando à manutenção dos relacionamentos é o mediador.

Incumbe a este terceiro, eleito pelas partes, a tarefa de reaproximá-las e conduzi-las à solução dos conflitos, sem interferir ou fazer julgamentos sobre o caso, tampouco prolatando decisão de qualquer natureza, eis que é ínsito da mediação que as próprias partes negociem e transacionem os seus interesses.

O mediador, portanto, exerce, tecnicamente, a função de um facilitador do entendimento entre pessoas que não conseguem sozinhas chegar a uma solução.

Ninguém melhor do que as próprias partes envolvidas no litígio para saberem, verdadeiramente, quais os seus interesses e as verdadeiras razões do conflito, e quais as soluções – ainda que ideais – gostariam de ver concretizadas e satisfeitas. Relembre-se que soluções impostas, como as provindas do judiciário, tendem a encontrar severas resistências pelas partes, que a sentem como uma imposição unilateral.

Com efeito, o mediador deve aproximar as partes e restabelecer não apenas o relacionamento, mas também a comunicação entre elas, criando oportunidades para que as partes interajam positivamente e construam uma solução justa.

Faz-se mister que o mediador, além de conhecer a técnica do processo de mediação, tenha capacidade para entender a complexidade do conflito, boa comunicação, habilidade em escutar e entender critérios e juízos de valor de outras pessoas, além de incorporar o real interesse no bem estar delas, evitando fazer seu próprio e pessoal juízo de valor acerca das questões em discussão.

Por fim, insta salientar que deve o mediador ser apto a conduzir a mediação de forma imparcial e com eficácia e eficiência, conduzindo as partes à negociação com vista à solução do conflito, sem intervir no procedimento, emitindo opiniões ou juízos, eis que o é das partes e somente elas podem transigir, ou não.

3. A Mediação: A Busca pela composição amigável de interesses em conflito 
A mediação transformativa busca o entendimento comum entre as partes beligerantes, cujas propostas devem surgir das próprias partes, que são as reais conhecedoras de suas necessidades.

Diversamente do que ocorre em outros métodos autocompositivos, como conciliação e na arbitragem, em que o terceiro atua com maior intensidade na condução do procedimento, a mediação tem a peculiaridade de o mediador intervir mais brandamente no que toca a intervenção e/ou propositura de soluções.

O mediador, como registra Carlos Alberto Carmona , funciona como um “potencializador das sugestões trazidas pelas próprias partes para a solução da controvérsia (...).”

A mesma sensibilidade é compartilhada por Alexandre Freitas Câmara , ao afirmar que a mediação “é técnica de solução de conflitos através da qual um terceiro exerce a função de aproximar as partes a fim de que os próprios litigantes ponham termo ao seu conflito, direta e pessoalmente (...).”

No palco da mediação, é o mediador o protagonista que conduz as partes e incentiva-as a, criativa e pessoalmente, elaborarem transações, negociações e concessões recíprocas visando à solução do impasse por seus próprios e mútuos esforços, objetivando, outrossim, a salvar o relacionamento existente.

Ainda que branda a intervenção do mediador, deve ser ativa no sentido de propiciar as partes um ambiente tranqüilo e imparcial para negociações, e transmitir-lhes confiança acerca da possibilidade de solução do impasse mediante as soluções elaboradas por elas próprias.

Não pode o mediador arvorar-se e chamar para si a responsabilidade para resolver o litígio. Tal tarefa somente é possível em alguns tipos de conciliação e na arbitragem.

Contudo, exige-se do mediador uma postura pró-ativa a instigar as partes a solucionarem, por si sós, o conflito, após arrefecidas as primevas animosidades e iniciada a mediação.

O mediador pode, e deve, valer-se de diversas técnicas para instigar e estimular as partes a proporem soluções concretas para a resolução do litígio.

Assim, técnicas de brainstorming , de ampliação do leque de opções para solucionar o caso, de identificação de benefícios mútuos, e de empatia, devem incessantemente serem buscadas para evitar o malogro da mediação por impossibilidade de transação ou acordo.

Versando sobre arbitragem e a função dos árbitros na condução do procedimento, Carlos Eduardo de Vasconcelos faz lúcida observação que calha à fiveleta ao trabalho dos mediadores: “As animosidades subjacentes, entre as partes, podem e devem ser observadas e consideradas na condução do procedimento. Situações de constrangimento podem ser evitadas pela adoção de algumas dinâmicas inovadoras, capazes de prevenir a reprodução da litigiosidade encontradiça nos foros judiciais. É preciso ter em conta que a autoridade do árbitro não se esvai com o seu bom humor e que, muito ao contrário, este é bem-vindo. Atenua tensões e maniqueísmos.”

O principal objetivo do mediar é conseguir que as partes ponham fim à controvérsia amigavelmente e cumpram o acordado, sem necessidade de intervenção do Poder Judiciário ou adoção de outra (e consecutiva) forma alternativa de solução de conflitos.

Derradeirmente, urge destaca ser natural que, por força da cultura adversarial, o mediador deve, de logo, explicitar às partes como será a mediação, suas fases, estágios, procedimentos e formas de extinção, alertando-as para procederem de boa-fé, no intuito de evitar que a mediação reste infrutífera como as tratativas de negociação direta, porque as partes valeram-se, como estratégia, de reserva mental de seus verdadeiros e recônditos interesses, meio de possibilitar a formulação de novas argumentações para encurralar o adversário e “vencer a disputa”.

Conclusão
Com as ondas de acesso à justiça, os meios alternativos de solução de conflitos tiveram seus usos ampliados e divulgados à população, que começou a preferir valer-se de forma de autocomposição (mediação e conciliação) e heterocomposição não estatal ao sistema jurisdicional clássico.

Dentre as alternative dispute resolutions, destaca-se a mediação liderada e protagonizada pela figura do mediador, agente a quem incumbe propiciar as partes oportunidades para que solucionem, por conta própria, suas divergências e seus conflitos.

A mediação transformativa mostra-se, portanto, num primeiro momento, como equivalente jurisdicional, no sentido de que a solução buscada e definida pelas partes é o direito por elas mesmas dito, solucionando o litígio à margem da jurisdição estatal, sem qualquer interferência de terceiros.

Relembre-se que o mediador, apesar de ser pró-ativo e engajado no procedimento medianeiro, não propõe soluções; antes, aproxima as partes, apara arestas e conduz a mediação no proveito de os litigantes avençarem um acordo ou transação mediante a própria manifestação volitiva de seus interesses, sendo juízes de suas próprias decisões.

Destarte, é o mediador personagem ativo, transformador e multiplicador da mediação, sendo responsável pela condução dos trabalhos de forma objetiva, clara e imparcial visando a que as partes consigam, por esforços próprios, pôr fim ao conflito de interesses sem a intervenção do Poder Judiciário.

Referências Bibliográficas
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CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 2 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2004.
ROCHA DO BOMFIM, Ana Paula, et alii (org.). Casos de sucesso: acesso à justiça. Brasília: CACB: CBMAE: SEBRAE, 2006.
SODRÉ, Antônio. Curso de direito arbitral. Leme: J.H. Mizuno, 2008.
VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Novos paradigmas em arbitragem. Resultado, ano 6, n.º 33, p. 26, out/nov/dez de2010.

Por Arnaldo Borges de Lima Neto
Fonte: Boletim Juríco

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