Ficando por dentro
São poucas as oportunidades que os bancos têm de se defender de acusações de danos causados a consumidores. Uma delas, e talvez a mais importante, é provar que o defeito em determinado serviço não existe, conforme descrito no artigo 14, parágrafo 3º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990).
É a aplicação da inversão do ônus da prova pela lei, segundo explicação do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça Para o ministro, este critério é “importantíssimo”, mas, mesmo depois de 22 anos da edição do CDC, muitos ainda não o entenderam.
Ele explica que a lei traz uma exceção à regra geral do ônus da prova. Se o Direito Civil prega que o dever de provar é de quem alega, no caso da lei do consumidor, essa obrigação passa a ser do prestador de serviços, objetivamente. Isso quer dizer, ensina o ministro, que cabe ao banco provar ao tribunal que o defeito contratual alegado pela vítima não existe. E o dano, portanto, não foi causado. É a chamada inversão do ônus da prova ope legis, pois a própria lei já determina a mudança, disse Sanseverino durante o Congresso Internacional de Direito Bancário, promovido na segunda-feira (4/6) pelo Instituto Nacional de Recuperação de Empresarial (Inre).
O caso do parágrafo 3º do artigo 14 do CDC é semelhante ao do artigo 12, parágrafo 3º, incisos I e II. Ambos os dispositivos determinam a inversão do ônus da prova quando alegada a inexistência do defeito. A diferença é que o primeiro trata de contratos de prestação de serviço. O segundo, da aquisição de produtos.
O legislador e o julgador
O que os bancos ainda não entendem, segundo o ministro Paulo de Tarso, é a diferença entre o que diz a jurisprudência do STJ e o que diz a lei. O tribunal atribui às instituições financeiras a responsabilidade objetiva por danos morais eventualmente causados a clientes. Ou seja, não é preciso provar a existência de culpa ou dolo nos casos de defeitos decorrentes da relação de consumo. Essa interpretação é dada ao artigo 6º, inciso VIII, do CDC.
A norma estabelece como “direito básico do consumidor” “a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. É o trecho “a critério do juiz” que faz toda a diferença na questão.
Ao contrário do artigo 14, neste caso a inversão do ônus da prova depende do entendimento de quem julga. É a inversão ope judicis, pois, em vez de decorrer da própria lei, depende de determinação do juiz. Precedente A questão foi abordada recentemente pelo STJ, em duas decisões do próprio ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Na primeira delas, no Recurso Especial 802.832, do ano passado, fixou o entendimento de que, no caso da inversão ope judicis, a decisão do juiz deve ser sempre fundamentada, assegurando os princípios do contraditório e da ampla defesa.
A inversão, portanto, deve ser jusitificada. Em outra decisão, de abril deste ano, Sanseverino afirma que, se a lei já determina que o encargo de provar a inexistência do defeito é do prestador de serviço (ou do fornecedor), não há necessidade de fundamentação. Basta aplicar a lei. Decidiu no REsp 1.168.775. Ele explica a raiz da interpretação. No voto de abril, o consumidor sempre teve dificuldades em provar “os fatos constitutivos de seu direito”. “A vulnerabilidade do consumidor, no mercado massificado das relações de consumo em geral, sempre constituiu um enorme obstáculo a que ele obtenha os elementos de prova necessários à demonstração de seu direito.”
Por Pedro Canário
Fonte: ConJur
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