segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Mediação nos cursos de Direito estimulará mudança

Grade curricular
A reforma do Poder Judiciário promovida pela Emenda Constitucional n. 45 traduziu-se efetivamente numa importante medida para o aprimoramento da Justiça brasileira. Se não teve – e nem poderia ter – o condão de resolver todos os delicados problemas que se apresentam, há que se reconhecer que trouxe consigo inúmeros méritos.
Nesse sentido, como é forçoso reconhecer, a chamada por alguns de crise da Justiça, passa, necessariamente, por diversos campos e medidas que escapam ao âmbito de uma emenda constitucional, tais como (de modo especial) a mudança da cultura de litígio que impera no Brasil.
No tocante à (necessária) mudança da cultura de litígio e à melhor administração da Justiça, a EC/45 contribuiu sobremaneira para seu aprimoramento, com a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que posteriormente veio a editar a Resolução CNJ n. 125/2010, que trata da Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, e que justamente procurou desenvolver no país o que se cunhou de sistema multiportas ou tribunal multiportas [com inspiração no sistema americano (Multi-door Courthouse System)],[1] estimulando o uso de meios extrajudiciais de solução dos conflitos, tais como negociação, conciliação e mediação, entre os quais, insere-se também a arbitragem.
Contudo, a sociedade brasileira ainda continua sendo permeada pela cultura do litígio, e essa mudança cultural demanda tempo e envolvimento de diversos setores da sociedade, para conscientização a respeito de outras formas de resolução dos conflitos. E uma das medidas mais necessárias para essa conscientização a respeito de outras formas de resolução dos conflitos e arrefecimento da cultura do litígio é, sem dúvida, a mudança nas grades curriculares das faculdades de Direito, para promover o ensino jurídico, além dos métodos tradicionais de resolução de controvérsias, também dos ADRs, modernamente concebidos como Adequate Dispute Resolution (= Métodos Adequados de Solução de Controvérsias): arbitragem, negociação, conciliação e mediação, entre outros (tais como neutral evaluation, dispute review board etc.).
Essa mudança na grade curricular das faculdades de direito foi, inclusive, objeto de preocupação tanto do recente Projeto de Modernização da Lei de Arbitragem (PL n. 406/2013), em seus artigos 40-A e 40-B, quanto do Projeto de Lei de Mediação (PL 405/2013), em seus artigos 26 e 27, merecendo, ainda, referência às justificativas apresentadas nos referidos projetos de lei.
Aliás, já levando adiante a posição assumida no Projeto de Modernização da Lei de Arbitragem (PL n. 406/2013) e no Projeto de Lei de Mediação (PL 405/2013), o ministro Luis Felipe Salomão, presidente da Comissão, recentemente, em 31 de outubro de 2013, oficiou o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Marcos Vinicius Furtado Coêlho, para "considerar a possibilidade de incluir os temas relativos à arbitragem e mediação no rol das matérias exigidas para o Exame de Ordem, a fim de promover e estimular, desde logo, tais formas de resolução de conflitos". Vale observar que, nos últimos exames da OAB, já tem havido esparsamente questões referentes à mediação e à arbitragem.
Essas avançadas proposições guardam harmonia com a Portaria nº 1.886 do Ministério da Educação, de 30 de dezembro de 1994, que fixa as diretrizes curriculares e o conteúdo mínimo do curso jurídico, em especial seu artigo 11.
Ou seja, a inclusão de alternativas adequadas de soluções de conflito (arbitragem, mediação e conciliação) no âmbito acadêmico já é uma realidade, e é apenas uma questão de tempo para tornar-se nacionalmente obrigatória. Trata-se de tema de suma relevância para o moderno profissional do direito, não podendo mais ser abordado de forma superficial em outras disciplinas, como no direito processual civil, v.g.
Inclusive, muitas faculdades de direito já incluem as ADR em suas grades curriculares, seja como disciplina obrigatória [como, por exemplo, a Fundação Getúlio Vargas – FGV, a Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, entre outras, sendo que a Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP já anunciou publicamente sua intenção de também tornar a disciplina obrigatória (que atualmente é facultativa)],[2] seja como disciplina facultativa (como, por exemplo, a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC). Também é de se destacar a posição da Universidade de São Paulo – USP, que tem cursos na área há muitos anos.
A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em sua conhecida posição de vanguarda acadêmica, também já vem ofertando a matéria como disciplina facultativa na grade curricular do curso de graduação em direito, tendo sido, inclusive, elogiada por isso.[3]
Contudo, é tempo de avançar, inserindo-se a matéria como disciplina obrigatória na grade curricular dos cursos de graduação em Direito.
Nesse sentido, há evidente tendência na inclusão das ADR nas grades curriculares como forma de também fomentar a cultura do não-litígio, como muito bem destacado pelo secretário da Reforma do Poder Judiciário, Dr. Flavio Caetano.[4]
A preocupação da secretaria com o tema é tamanha que foi firmado convênio com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), justamente para uma Escola Nacional de Mediação e Resolução de Conflitos, além da veiculada intenção do governo federal de tornar a mediação obrigatória, ao menos para certos conflitos, a exemplo do que já ocorre em alguns países (Canadá e Itália, v.g.): [5]-[6]
Demais disso, tem-se, ainda, que arbitragem vem crescendo exponencialmente, no Brasil (“Com um crescimento médio anual de 20%, a arbitragem está se tornando um método de resolução de litígios cada vez mais confiável para as empresas de grande porte”)[7] e no mundo (a Espanha, por exemplo, registrou um aumento médio de 15% nas arbitragens).[8]
Em verdade, passados 17 anos de vigência da atual Lei de Arbitragem, e, especialmente nos últimos 12 anos, posteriormente à celebrada decisão do E. Supremo Tribunal Federal reconhecendo sua constitucionalidade, o Brasil passou a vivenciar muito intensamente a arbitragem.
Nesse contexto, segundo recentes estatísticas colhidas pela professora Selma Lemes junto às cinco principais câmaras arbitrais brasileiras, o Brasil passou de 21 procedimentos arbitrais em 2005 para 122 em 2011, o que significa, em valores envolvidos nesses procedimentos, de R$ 247 milhões em 2011 para cerca de R$ 3 bilhões em 2011, representando um aumento de 1.250%.[9] De igual sorte, nas estatísticas da Corte Internacional de Arbitragem (CCI), o Brasil é o país líder na America Latina em número de arbitragens, estando três vezes à frente do segundo colocado, México. [10]-[11]
Cresce, ainda, de forma expressiva, a utilização da arbitragem também em conflitos envolvendo o Poder Público (direita ou indiretamente). Basta verificar-se que, aliás, dos nove contratos com participação do Poder Público relativos à instalação de estádios e arenas esportivas para a Copa do Mundo de 2014, quatro deles possuem cláusula compromissória (Natal, Salvador, Belo Horizonte e Recife).[12]
Demais disso, inclusive internacionalmente, o Brasil vem sendo reconhecido como um ambiente seguro e propício para o desenvolvimento da arbitragem, o que se deve também ao papel desempenhado pelo Poder Judiciário, especialmente o Superior Tribunal de Justiça, em prestigiar a arbitragem, como, inclusive, reconhecido pelo renomado professor Albert Jan Van Den Berg.[13]
Estudos recentes realizados junto às grandes empresas têm revelado, também, a maior (e crescente) preferência para utilização da arbitragem como meio adequado para resolução de certos tidos de controvérsias empresarias (conflitos societários e obras complexas de construção civil, por exemplo).[14] Nos negócios internacionais, a utilização da arbitragem também tem sido a regra, sendo que recente pesquisa mostrou que 52% das multinacionais preferem recorrer à arbitragem em vez da Justiça estatal).[15]
Em alguns setores da economia, a arbitragem chega a ser necessária, como para as empresas que desejam atuar no Novo Mercado da Bolsa de Valores ou para as que desejam atuar na comercialização de energia elétrica.
Com isso, a arbitragem, no Brasil, vem se consolidando não só como um meio alternativo de solução de controvérsias (ADR – Alternative Dispute Resolution), mas efetivamente como um verdadeiro meio adequado de solução de controvérsias (modernamente, ADR – Adequate Dispute Resolution), razão pela qual, ao lado de outros métodos (como a conciliação e a mediação), o próprio projeto do Novo Código de Processo Civil, inclusive, a estimula (cfr. arts. 3.º, §3.º, e 365 do NCPC).
Trata-se de moderna visão do NCPC, em consonância com a Reforma do Poder Judiciário promovida pela Emenda Constitucional n. 45, na tentativa de uma mudança da aludida cultura de litígio que atualmente impera no Brasil, para uma melhor administração da Justiça [o NCPC, modernamente, incluiu, ainda, no artigo citado, a possibilidade de avaliação imparcial por terceiro (neutral evaluation), método conhecido nas Alternatives Dispute Resolution, com vistas, inclusive, a tornar efetivo o direito constitucional à razoável duração do processo].
Inclusive, nesse cenário muito elogiável, tem-se ainda que, neste ano, foi criada a Comissão de Reforma da Lei de Arbitragem, cujo anteprojeto, como referido acima, já foi apresentado à sociedade, e, como tal, já provoca o debate e o estudo sobre tema tão relevante para a ciência jurídica, para a Justiça e para a sociedade brasileira.
Desse modo, por qualquer dos motivos acima, ou por todos eles, até mesmo para habilitar os alunos à melhor atuação na área jurídica, bem como a um excelente desempenho no exame da ordem, e especialmente para arrefecer a cultura do litígio que atualmente impera em nossa sociedade, justifica-se a inclusão dessas matérias [alternativas adequadas para solução de conflitos = arbitragem, negociação, conciliação e mediação, entre outros (tais como neutral evaluation, dispute review boardetc.)] na grade curricular dos cursos de graduação em direito como disciplina obrigatória.

[1] A consagrada expressão multi-door courthouse foi originalmente usada pelo Prof. Frank Sander (Harvard) em 1976, em conferência que posteriormente veio a ser publicada em 1979: Frank Sander.Varieties of dispute processing, Minnesota: West Publishing, 1979, pp. 65/87. A esse respeito, v., também, Herbert M. Kritzer. To regulate or not to regulate, or (better still) when to regulate, in Dispute resolution magazine, ABA, v. 19, n. 3, Spring 2013, pp. 12/13; e Nancy Andrighi e Gláucia Falsarella Foley. Sistema multiportas: o Judiciário e o consenso, in Folha de São Paulo, Tendências e Debates, 24.6.2008.
[7] Cfr. Editorial do Jornal “O Estado de São Paulo. O sucesso da arbitragem, Quarta, 06 de Fevereiro de 2013, disponível em: http://m.estadao.com.br/noticias/impresso,o-sucesso-da-arbitragem-,993635.htm.
[11] Os dados divulgados pela International Chamber of Commerce comprovam o desenvolvimento da arbitragem no Brasil, valendo-se destacar que as partes brasileiras têm figurado na lista dos maiores usuários dos seus serviços, ressaltando-se o quarto lugar alcançado em 2006; A lista contendo o ano, o número de casos com partes brasileiras e a posição do País em relação aos outros Estados é a seguinte: 2000 (10 – 20º), 2001 (28 – 12º), 2002 (18 – 17º), 2003 (22 – 14º), 2004 (30 – 13º), 2005 (35 – 11º), 2006 (67 – 4º), 2007 (35 – 11º), 2008 (27 – 9º). Em 2011, 10% dos contenciosos da CCI envolveram empresas brasileiras. A seu turno, o Brasil é considerado país de referência em arbitragem na América Latina, concentrando as instituições mais reconhecidas e utilizadas também em confronto com os demais Estados integrantes do Mercosul.
[12] cfr. Francisco José Cahali. Curso de arbitragem, 3.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, Cap. 14, pp. 368/369.
[14] Empresas já preferem arbitragem ao Judiciário, conforme notícia divulgada pelo Jornal “O Estado de São Paulo”: http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios-geral,empresas-ja-preferem-arbitragem-ao-judiciario,138979,0.htm.
[15] V., ainda, pesquisa conduzida pela School of International Arbitration (Centre for Commercial Law Studies) e pelo Queen Mary College, com apoio da PriceWaterhouseCoopers: School of International Arbitration, Centre for Commercial Law Studies, e Queen Mary University of London (com apoio da PwC). Corporate choices in International Arbitration - Industry perspectives, disponível em: www.pwc.com/arbitrationstudy, acessado em 31.5.2013.
Por Francisco José Cahali é mestre e doutor pela PUC-SP, onde leciona na graduação e na pós-graduação, em especial na disciplina de arbitragem e mediação. Autor do livro Curso de Arbitragem (RT, 3.ª ed. 2013), integra a lista de árbitros e especialistas de diversas instituições arbitrais. E
Thiago Rodovalho é doutorando e mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Advogado do escritório Basílio Advogados, integra a lista de árbitros do Caesp, da CAE, da CBMAE/CACB e do Cebramar e é professor-assistente convidado de Arbitragem e Mediação na graduação da PUC-SP.
Fonte: ConJur

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