Profissão de fé
O extenso rol de direitos individuais e coletivos reconhecidos pela ordem constitucional inaugurada em 1988 inseriu o Estado brasileiro em uma nova era de relacionamento entre este e os seus particulares, era essa caracterizada essencialmente pela busca incessante da afirmação da cidadania.
O extenso rol de direitos individuais e coletivos reconhecidos pela ordem constitucional inaugurada em 1988 inseriu o Estado brasileiro em uma nova era de relacionamento entre este e os seus particulares, era essa caracterizada essencialmente pela busca incessante da afirmação da cidadania.
O fenômeno em questão, contudo, também experimentou as mazelas decorrentes
dos excessos, estes manifestados em pelo
menos duas facetas que não podem ser ignoradas, a saber: a) o enorme e crescente
número de processos movidos por particulares em face do Estado; e b) o aumento do
número de processos travados entre particulares, decorrentes de relações privadas viciadas por um senso comum que guarda seu
foco muito mais na reivindicação de direitos
do que no cumprimento das obrigações.
A segunda categoria apontada – processos travados entre particulares – vem provocando uma crise sem precedentes na administração da justiça, haja vista que o número
crescente de litígios não pode ser acompanhado, em igual medida, pelo crescimento
da estrutura do Poder judiciário. Daí porque
muito se fala na necessidade da implantação de novos instrumentos voltados à solução das lides, que prestigie a participação,
a vontade e a autonomia das partes litigantes, reservando o processo especificamente para os casos que realmente necessitam de
um posicionamento estatal.
A solução para o problema aponta para
o resgate de institutos já conhecidos pelo
homem em sociedade, porém não utilizados
em sua plenitude principalmente em razão
de uma postura centralizadora mantida pelo
Estado. Por outro lado, ao mesmo tempo em
que se aponta o uso da conciliação e da mediação como resposta válida ao problema
do aumento da litigiosidade, verifica-se que
a assinalada postura estatal centralizadora
fez nascer um outro problema, que dificulta
a implementação dos referidos mecanismos
autocompositivos: refiro-me ao nosso processo de formação cultural, contaminado
que foi pela ideia de que todo e qualquer
conflito somente pode ser solucionado mediante intervenção direta de um juiz estatal.
Nesse sentido, merecem atenção os dados relativos ao grau de interesse dos acadêmicos de Direito do maior Centro Universitário do Centro-Oeste, apresentados pela
Câmara de Mediação do Centro Universitário
de Brasília – UniCEUB, unidade do Núcleo de
Prática Jurídica daquela Instituição de Ensino
Superior cuja atividade está voltada para propiciar aos estudantes conhecimento teórico
e prático acerca da mediação e da conciliação, incentivando a sua utilização na solução
de conflitos no âmbito extrajudicial.2
Semestre
|
Alunos no NPJ
|
Alunos na
CAMED
|
2o/2010
|
1407
|
17
|
1o/2011
|
1840
|
16
|
2o/2011
|
2101
|
14
|
1o/2012
|
1921
|
29
|
Ao serem indagados sobre as razões da
baixa procura pela participação nas atividades da CAMED, as respostas dos alunos foram
agrupadas em quatro argumentos, a saber:
a) “Advogado é para litigar”; b) “Mediadores e
conciliadores não são operadores do Direito (não
se exige formação acadêmica)”; c) “Mediação e
conciliação não têm mercado”; e d) “Professores
são acadêmicos, magistrados, membros do MP,
advogados ou Delegados, não temos professo-
res mediadores ou conciliadores no curso”.
Curiosamente, ao perguntarmos para alguns
profissionais do Direito, especialmente advogados, pelas razões do baixo índice no manejo dos
institutos da conciliação e da mediação, deparamo-nos com respostas semelhantes, o que nos
leva a concluir, a partir de uma percepção empírica, pela existência de uma visão preconceituo-
sa apresentada por ambos os lados.
O mais interessante é a constatação de
que o ordenamento jurídico está impregnado
de dispositivos que, se realmente observados
pela comunidade jurídica, obrigariam o ope-
rador do Direito – especialmente o advogado,
que detém a função social de defender a justiça antes mesmo do direito – a rejeitar o senso
comum, primando pelo uso dos mecanismos
autocompositivos.
Nesse sentido, confira-se:
a) CF/88 – “Art. 133. O advogado é indispensável
à administração da justiça, sendo inviolável por seus
atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”
b) Lei no 8.906/94 – Estatuto da OAB – “Art. 2o O
advogado é indispensável à administração da justiça.
§1o No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.”
c) Código de Ética e Disciplina da OAB – “Art. 2o O
advogado, indispensável à administração da Justiça, é
defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social,
subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
[...]
VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;”
Extrai-se do exposto o seguinte questiona-
mento que, a despeito de se caracterizar como
verdadeira aporia, merece reflexão com vistas a
identificação de uma solução: os profissionais do
Direito guardam preconceitos com relação aos
mecanismos autocompositivos em razão de vício
na formação acadêmica, ou a formação acadêmica é viciada pelo preconceito profissional?
A reafirmação da função social dos opera-
dores do Direito apresenta-se, pois, como o
grande desafio a ser superado, sendo certo
que a tarefa implica dupla responsabilidade,
a saber: a) a acadêmica, voltada para o trabalho de desconstrução e reconstrução cultural;
e b) a profissional, mediante a substituição do
papel de fomentador de disputas pelo de pa-
cificador social.
No caso do Centro Universitário de Brasília, todos os alunos de Direito enquadrados a partir do 7o semestre do curso devem realizar 300 horas de estágio supervisionado obrigatório. O direito de escolha é assegurado ao aluno, que pode optar pelo cumprimento das horas acompanhando processos em curso nas Varas ou Juizados Especiais, ou, ainda, cumprir parte das horas na Câmara de Mediação (CAMED – UniCEUB).
No caso do Centro Universitário de Brasília, todos os alunos de Direito enquadrados a partir do 7o semestre do curso devem realizar 300 horas de estágio supervisionado obrigatório. O direito de escolha é assegurado ao aluno, que pode optar pelo cumprimento das horas acompanhando processos em curso nas Varas ou Juizados Especiais, ou, ainda, cumprir parte das horas na Câmara de Mediação (CAMED – UniCEUB).
Por Erick Vidigal
Fonte: Migalhas
Nenhum comentário:
Postar um comentário