segunda-feira, 17 de março de 2014

Pirro ou os Bons Acordos e as Más Demandas

Possibilidades que acontecem
Pirro, rei do Epiro e um dos mais notáveis generais da Antiguidade, celebrizou-se por haver vencido o poderoso exército romano na batalha de Ausculum, em 279 A.C.. Todavia, este triunfo militar causou-lhe tão elevadas perdas que, segundo a tradição, teria dito: “mais outra vitória como esta e estou perdido”.

Recentemente, um jornal diário* relatava a situação dramática de uma família para quem uma sentença que determinou a restituição à mesma de uma exploração agrícola de que era arrendatária, obtida ao fim de oito anos de uma autêntica “batalha judicial”, teve o sabor amargo de uma derrota. Uma boa demanda – se aferida pelo desfecho – mas, em boa verdade, uma “vitória de Pirro”.

O processo iniciou-se em Novembro de 1995, na sequência, da respectiva expulsão, perpetrada pelos titulares da dita propriedade. Privada da sua principal fonte de rendimento, esta família viu-se forçada a alienar o seu património para pagamento de dívidas contraídas em investimentos ali efectuados.

Perdeu, também, toda uma vida dedicada à agricultura e agora, desencorajada, sente-se desmotivada e sem meios para recomeçar. Afinal, neste processo, sem vencedores, até a economia nacional saiu lesada – um bem que gerava riqueza tornou-se improdutivo, extinguiram-se postos de trabalho…

É certo que nem sempre uma decisão judicial favorável confere bondade à contenda, ainda que na perspectiva da parte vencedora. A este exemplo, a todos os títulos paradigmático, acrescem muitos outros sobejamente conhecidos – dispensamo-nos, pois, de desdobrar tão extensa lista.

E quanto aos acordos?
Qualificados de “mal menor”, é consabido que os que são gerados em “ambiente judicial”, desenhados sobre uma verdade formal construída sob uma lógica só dos efeitos que até esconjura o conhecimento das causas do conflito, raramente satisfazem o demandante ou o demandado.

Por essa razão, são encarados como uma fatalidade – não desejados e nem sequer genuinamente compreendidos, mas tolerados, como única alternativa face à falta de alternativas.

Naturalmente, os acordos extrajudiciais ou os que põem termo a um processo judicial poderão ou não ser vantajosos para uma ou ambas as partes. Ora, esta dedução não é aplicável aos que são concluídos em mediação de conflitos, em que, por definição, nunca se celebram “maus acordos”.

De facto, em mediação, apenas duas hipóteses são de verificação possível – os mediados não alcançam uma solução que a ambos satisfaça e, nesta circunstância, não firmam qualquer acordo ou, ao invés, logram, com o auxílio do mediador, converter as posições, aparentemente irredutíveis e que marcam inicialmente a sua divergência, numa percepção inteligente dos interesses, assim descobrindo a verdade material subjacente e, desse passo, logrando ultrapassar a ilusão relativa dos efeitos para, então sim, tratar da superação das causas, que é onde realmente está a raiz do conflito.

Participando activamente no processo de informação e esclarecimento recíprocos em que assenta a formação da sua própria vontade, os mediados, usando a sua liberdade e, por decorrência óbvia, uma acrescida responsabilidade, são naturalmente aproximados, ajustando-se, compondo finalmente um acordo, assente em soluções criativas, numa lógica de vencedor/vencedor, por contraposição à de vencedor/vencido, inerente aos processos judiciais e aos “acordos formais” a que atrás aludimos.

Prosseguindo as suas atribuições, a DGAE pretende com esta publicação divulgar e promover os meios alternativos de resolução de litígios, particularmente, a mediação ou, o mesmo é dizer, os “bons acordos”, através do ensinamento de especialistas de reconhecido mérito.

Numa fase em que os Julgados de Paz, de projecto experimental, de âmbito circunscrito, assumem um papel central na definição de uma política em que Justiça e Cidadania convergem, espaço, ainda, para um testemunho de um ano de actividade de uma juíza de paz.

Divulga-se, igualmente, uma iniciativa de carácter privado – Concórdia – promovida por quem acredita que os meios alternativos de resolução de litígios podem constituir uma melhor resposta para certas questões jurídicas, designadamente, as que decorrem da partilha de bens.

Por último, dão-se a conhecer as associações de mediadores existentes em Portugal – Associação Nacional para a Mediação Familiar e Associação de Mediadores de Conflitos – que, estamos certos, demonstrarão, a breve trecho, que poderão assumir um papel determinante na difusão e ensinamento das boas técnicas da mediação.

É, pois, nossa intenção contribuir para que o futuro da Justiça não se circunscreva à opção, vertida num provérbio apócrifo e ancestral que nos espartilha, inexoravelmente, entre o “mau acordo” e a “boa demanda”.

Pelo contrário, pretendemos tornar acessíveis os meios que facilitem os verdadeiros acordos, porque desejados por ambos os intervenientes num litígio, o que, em larga medida, poderá conferir ao sistema judicial uma maior disponibilidade para intervir, sempre que essa seja a vontade das partes, em condições que propiciem boas e cada vez melhores demandas.

Por Maria da Conceição Oliveira
Fonte: IMAP

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