Além da aplicabilidade em diversos setores, o método passa a ser utilizado com mais freqüência pela Administração Pública. A Lei n.o 9.307/96, com mais de dez anos de vigência, trata sobre a arbitragem, um dos modos mais primitivos de solução de conflitos. No passado, quando as autoridades públicas não se incumbiam de realizar justiça e garantir a pacificação social, a alternativa era a principal garantia de resolução de controvérsias.
A partir do momento em que foi instituída a justiça pública, ou seja, os Estados começaram a se responsabilizar pela administração e solução dos conflitos, a arbitragem permaneceu existente, mas como modo secundário na solução de disputas. Iniciou-se uma certa resistência na adoção do método para solucionar demandas, como se o referido instituto retirasse do Estado parcela de poder e deixasse de aplicar as leis. Por várias vezes a constitucionalidade da lei foi questionada, porém, nos dias atuais, sua validade não deixa margem para dúvidas.
Arbitragem nos contratos públicos
A utilização da arbitragem pelos agentes econômicos ligados ao Estado é, hoje, uma realidade. A celeridade do procedimento, a especialidade dos julgamentos e o sigilo são alguns dos atrativos do método, que se mostra como uma alternativa vantajosa e eficiente para a solução de controvérsias.
Muito se discutiu no passado sobre a possibilidade de utilização da arbitragem nos contratos com o Estado. Após julgamento do STJ, entende-se que o uso da arbitragem não é vedado aos agentes da administração pública. O direito público “disponível”, ou seja, que possui natureza contratual ou privada, pode ser levado à via arbitral. Tais direitos são os mesmos para a Administração Pública e para um particular no curso de seus negócios. Com isso, se mantém o interesse público.
No artigo 1o da Lei n.o 9307/ 96, é determinado que a arbi- tragem aplica-se a “pessoas capazes de contratar”, ou seja, pessoas físicas e jurídicas de direito privado, pessoas jurídicas de direito público interno e, em casos especiais, o Estado (União, estados e municípios), as autarquias e as empresas estatais. Além disso, havendo autorização legislativa, por meio de lei federal, estadual ou municipal, nada impede que os entes governamentais escolham a arbitragem para resolver os conflitos surgidos no âmbito da Administração Pública, nas situações específicas que determinar. Com isto, a Administração Pública pode obter decisões definitivas, com a mesma eficácia da sentença judicial, de forma rápida, especializada e sigilosa, sem que tenha de recorrer aos trâmites burocráticos do Poder Judiciário.
Para complementar, há leis especiais que também mencionam referida autorização, como o caso das regras relativas a cláusulas essenciais de contratos de concessão nas áreas de energia elétricas, gás e petróleo, teleco- municações, transporte aquaviário e rodoviário, que dispõem sobre a utilização da arbitragem na solução de controvérsias decorrentes dos contratos de concessão.
O STJ também admitiu o instituto da arbitragem para a sociedade de economia mista. Ministros reconheceram a validade da cláusula compromissória em contrato administrativo resultante de procedimento licitatório. O entendimento é de que o instituto da arbitragem é um meio eficaz e necessário para inserção dos agentes públicos e privados no mercado globalizado.
Selma Lemes, bacharel em direito, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo e autora do livro “Arbitragem na Administração Pública – Fundamentos Jurídicos e Eficiência Econômica” integrou a comissão relatora da atual Lei de Arbitragem. Hoje, atua intensamente em arbitragens nacionais e internacionais como advogada, consultora, parecerista e árbitra e participou desta reportagem respondendo a uma entrevista que esclarece alguns pontos sobre a arbitragem na administração pública.
Confira.
Resultado: Sendo uma situação nova na administração pública, qual é o seu entendimento a respeito do uso da arbitragem para solucionar possíveis conflitos?
Selma Lemes: Na verdade, não constitui situação nova, pois a arbitragem nos contratos firmados com a Administração Pública está prevista desde o tempo das primeiras concessões de serviços e obras públicas no período imperial. As concessões de estradas de ferro, iluminação pública e saneamento básico já dispunham de cláusula compromissória. O decreto imperial de 1880, que regulava as concessões ferroviárias, previa a arbitragem e, nos demais casos, a matéria estava disposta nas ordenações filipinas que vigoraram até o advento do Código Civil em 1916, bem como em outras leis extravagantes.
Resultado: Como a senhora encara a resistência da administração pública em usar a arbitragem em seus contratos? Por que existem tantos preconceitos em relação a este método?
Selma Lemes: Reputo ao equívoco de interpretação originado do princípio constitu- cional da legalidade adminis- trativa previsto no “caput” do art. 37 da Constituição Federal. Costuma-se efetuar uma interpretação restritiva desse princípio, ou seja, supõe-se que somente o que está estritamente previsto na lei pode ser efetuado. Significaria que para cada ato se necessitaria de uma lei específica, ou seja, a Administração estaria engessada a uma lei para cada passo que fosse dar. Todavia, o que realmente emana desse princípio é agir conforme a lei do ordenamento jurídico. Ora, a Lei no 9.307/96, que regula a arbitragem no Brasil, é para ser aplicada e serve para solucionar conflitos referentes a direito patrimoniais disponíveis e por pessoas capazes de contratar. É inconcusso que a Administração Pública Federal, Estadual e Municipal Direta e Indireta têm essa capacidade, bem como que os direitos patrimoniais disponíveis são aqueles que na esfera pública operacionalizam os interesses públicos derivados.
Resultado: Como resolver esta questão?
Selma Lemes: Divulgar a correta interpretação do princípio da legalidade administrativa e de que não é necessário nenhuma lei específica autorizativa. Para refutar esse equívoco e por didática, o legislador vem inserindo em diversos textos legais essa possibilidade. Veja-se, por exemplo a Lei Geral das Concessões, das PPPs, das Agências Reguladoras etc. Enfim e por óbvio, a Lei no 9.307/96 alberga o princípio da legalidade administrativa. No livro que representou minha tese de doutorado na Universidade de São Paulo (“Arbitragem na Administração Pública. Funda- mentos Jurídicos e Eficiência Econômica”, São Paulo, Quartier Latin, 2007) demonstrei e refutei um a um os equívocos de interpretação que fizeram com que a arbitragem no setor público brasileiro enfrentasse revezes. Há doutrinadores e administrativistas brasileiros que desde o século passado já indicavam que não havia nenhum impedimento legal para a Administração Pública se submeter à arbitragem, tais como Mendes Pimentel, Rui Barbosa, Castro Nunes e Temístocles Cavalcanti e, nos dias atuais, Hely Lopes Meirelles, Caio Tácito, Diogo Figueiredo Moreira Neto, José Carlos de Magalhães, Arnoldo Wald, Carlos Alberto Carmona, Pedro Batista Martins e tantos outros.
Resultado: Quando é de interesse da administração pública de se utilizar da arbitragem?
Selma Lemes: Especialmente nos contratos administrativos de concessão de serviços e obras públicas, nas PPPs, nas compras e fornecimentos de valores expressivos etc. Esses contratos são complexos e muitas vezes envolvem uma cadeia de contratos como contratos de financiamento, contratos de fornecimento, seguros, subcontratos, enfim, são extremamente complexos e de longa duração. Geralmente, existem partes estrangeiras que se sentem mais confortáveis em utilizar a arbitragem, haja vista ser mais especializada e, também, mais rápida do que a justiça estatal. Note-se que a arbitragem não representa apenas um negócio jurídico, mas também um negócio financeiro. A Administração Pública economiza duplamente ao utilizar a arbitragem. Primeiro, ao dispor no edital que o contrato final regulará a arbitragem, para as controvérsias dele decorrentes, o contratante privado ofertará menos preço, pois a arbitragem, a forma de solução de controvérsias eleita, influencia e integra o custo de transação do contrato. Segundo, ao deixar de utilizar o aparato judicial, economiza para o próprio Erário, que mantém a máquina judiciária. Sem dizer, ainda, a possibilidade de contribuir para melhorar a prestação jurisdicional ao cidadão, posto que poupa-se o juiz de analisar as demandas envolvendo os contratos da Administração Pública Direta e Indireta, que geralmente são muito complexos, permitindo, quiçá, que julgue as demandas dos jurisdicionados com mais brevidade.
Fonte: Revista Resultado
Nenhum comentário:
Postar um comentário