quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Sociedade brasileira precisa negociar mais e judicializar menos

Opinião
No Brasil, bate-se na porta do Judiciário para qualquer questiúncula. Há uma “cultura de litigiosidade”, assim como, na área criminal, há uma “cultura de encarceramento”, como se “prisão fosse o remédio para todos os males”. Nos dias atuais, é necessário que se diga, não se compreende a pena de prisão a não ser para crimes hediondos ou equiparados ou cometidos mediante violência ou grave ameaça a pessoa.
A “cultura do litígio” é um dos principais obstáculos a impedir que o Judiciário cumpra a sua missão de fazer Justiça em tempo razoável e de forma satisfatória, atravancando-o e impedindo-o de racionalizar o seu trabalho com economia de tempo e recursos, pessoais e materiais, que poderiam ser concentrados em questões mais relevantes da prestação jurisdicional.
Em ação promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), chamada Não deixe o Judiciário Parar, acaba de ser lançado, em São Paulo, o Placar da Justiça — apelidado de Processômetro. Ele mostra, em tempo real, o número de processos que tramitam na Justiça. O objetivo é conscientizar e esclarecer os cidadãos sobre o número de processos que chegam ao Judiciário de todo o país e quantos desses processos poderiam ter sido evitados. A estimativa é de que já existam mais de 105 milhões de processos em andamento na Justiça (um novo processo chega aos fóruns do Brasil a cada cinco segundos), sendo que mais de 42 milhões deles poderiam ter sido evitados e resolvidos por meio de acordos (uma economia estimada em R$ 63 bilhões para os cofres públicos), se o Poder Público, setor financeiro, empresas de telefonia, de planos de saúde e tantos outros setores cumprissem a legislação e garantissem os direitos dos cidadãos (AMB Notícias, de 29.9.15).
E, de acordo com a projeção apresentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no VIII Encontro Nacional do Poder Judiciário em Florianópolis (nov/2014), com base na tendência de crescimento da carga processual verificada entre 2009 e 2013, a “cultura da litigiosidade” pode, em 2020, sobrecarregar a Justiça com 114,5 milhões de processos, caso a quantidade de ações que entram na Justiça, a cada ano, siga superando a capacidade de julgar do Poder Judiciário. Além disso, um estoque composto por outros 78,13 milhões de processos chegará ao início de 2020 sem julgamento (veja aqui).
Essa “cultura da litigiosidade” preocupa a todos, porquanto, num aís continental como o nosso, com 205.086.500 milhões de habitantes, a persistir esse excesso de litigiosidade, por mais que se estruture o Judiciário de meios materiais e pessoais, dificilmente se conseguirá assegurar a todos o cumprimento do princípio da razoável duração do processo e dos meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal).
Não se nega que é direito constitucional de qualquer cidadão buscar a prestação jurisdicional. No entanto, antes de tudo se deve buscar os meios alternativos de resolução de conflitos, como a conciliação e a mediação, instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, mais rápidos, eficazes e menos dispendiosos sem dúvida. É preciso ter-se em mente que o fim último da prestação jurisdicional é a pacificação social, que nem sempre é obtida por decisão judicial, porquanto nesta alguém sempre perde, ainda que parcialmente. A conciliação e a mediação, ao contrário, conseguem, na quase totalidade dos casos, não só resolver o conflito de interesses, mas também trazer a paz social, porque é uma solução negociada e não imposta pelo Estado-Juiz.
Mas este cenário começa a mudar. Através da Resolução 125/10, o Conselho Nacional de Justiça instituiu a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses no Âmbito do Poder Judiciário, visando a estimular a conciliação e a mediação, mediante campanhas em parceira com todos os tribunais, com o objetivo de disseminar a cultura da paz e do diálogo, desestimular condutas que tendem a gerar conflitos e proporcionar às partes uma experiência exitosa de conciliação. A referida Resolução, além de determinar a criação, por todos os tribunais, de Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs), que devem ser instalados pelos Núcleos e que são responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, regulamentou todos os procedimentos da conciliação e da mediação, bem como a atuação dos conciliadores e mediadores judiciais, impondo princípios e regras, os quais ficarão sujeitos ao código de ética instituído e serão capacitados e cadastrados pelos tribunais, aos quais competirá regulamentar o processo de admissão, cadastramento, atuação, supervisão, afastamento e exclusão. Essas determinações todas e outras foram incorporadas ao novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor no próximo ano, que prevê, inclusive, a existência de câmaras privadas de conciliação e mediação, também cadastradas perante o Tribunal de Justiça, e, no setor público, determinou a criação pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, de câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito da administração pública (arts. 165/175).
No Estado de São Paulo, mais de 150 Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejuscs) já foram instalados (DJE de 14.10.15, p. 01), com altos índices de acordos, mais pré-processuais do que processuais, o que significa uma redução efetiva no número de novas ações que seriam distribuídas e judicializadas (no mês de agosto de 2015, por exemplo, tivemos 46.439 acordos pré-processuais contra 35.891 processuais — DJE de 11.11.15, p. 01), acordos estes que, homologados pelo magistrado coordenador, têm a mesma validade de uma decisão judicial.
E a Semana Nacional da Conciliação (Senacon), realizada anualmente, iniciativa do Conselho Nacional de Justiça por meio da qual tribunais de todo o país promovem audiências de conciliação e mediação, com o objetivo de resolver litígios de forma rápida e sem custos e, consequentemente, diminuir a carga de processos que hoje assola o Judiciário, está em sua 10ª edição (23 a 27 de novembro), também com resultados expressivos de atendimento e de acordos (na edição do ano passado, em São Paulo, só na capital, houve mais de 91% de acordos nos casos cíveis e de família, com 2.176 audiências realizadas e 1984 acordos homologados; no Estado foram 25.578 audiências realizadas e 13.056 acordos homologados, com atendimento de mais de 58 mil pessoas — DJE de 11.11.15, p. 01), evitando, com isso, que um número maior de novas ações fossem ajuizadas.
É a “cultura da pacificação social” que começa a se instalar em contraposição à “cultura do litígio”. É o início de uma mudança de mentalidade! E o que ainda resta a fazer? Resta consolidar essa mudança de mentalidade, disseminando e fomentando, junto à sociedade brasileira em geral, através de uma maior publicidade midiática de grande escala, a ideia de que a composição consensual de conflitos é a alternativa ao excesso de litigiosidade, bem como divulgando e especificando, de uma forma mais ampla, os serviços já oferecidos nos Cejuscs. A sociedade brasileira precisa ser sensibilizada, conscientizada e motivada a se autocompor, a conciliar mais, a negociar mais, e não a judicializar toda e qualquer questão, ou seja, a princípio, os conflitos de interesses devem ser resolvidos por métodos consensuais de solução de conflitos, deixando para o Judiciário, como última instância, apenas a análise e o julgamento das causas mais complexas e de difícil solução; caso contrário, o Judiciário, em breve, entrará em colapso, como bem vislumbrou a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em sua campanha chamada Não deixe o Judiciário Parar.

Por Louri Geraldo Barbiero é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Fonte:ConJur

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