Doutrina
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca discorrer sobre a mediação, com ênfase na mediação ou forense, apresentando suas peculiaridades, desafios e perspectivas, em especial para o profissional jurídico. Para tanto, buscou-se fazer uma rápida apresentação dos conceitos de mediação, das escolas, passando-se à legislação atualmente existente sobre o tema, concluindo-se com a análise específica do SEMFOR – Serviço de Mediação Forense do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT.
Apenas a título de esclarecimento, o SEMFOR nasceu a partir da Resolução nº. 02, de 22 de março de 2002, que instituiu, no âmbito de TJDFT, o Programa de Estímulo à Mediação1:
Art. 1º - Fica instituído o Programa de Estímulo à Mediação, que terá coordenação conjunta da Presidência, da Vice-Presidência e da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Art. 2º - O Programa de Estímulo à Mediação incluirá, dentre outras, as seguintes ações:
I - formação e treinamento de mediadores;
II - recrutamento de mediadores entre servidores do TJDFT com formação
superior na área das Ciências Humanas, preferencialmente em Direito, e
com vocação e aptidão para a mediação de conflitos;
III - desenvolvimento de estudos e pesquisas com vistas ao contínuo
aprimoramento de técnicas e métodos de mediação adequados à realidade
local;
IV - promoção de debates e seminários que possam contribuir para os
objetivos acima referidos;
V - captação de recursos adicionais específicos para o desenvolvimento das
atividades de mediação.
Art. 3o - Fica criado, no âmbito da Corregedoria do TJDFT, o Serviço de Mediação Forense, com atribuições de coordenar, planejar, apoiar,executar e avaliar as atividades integrantes do Programa de Estímulo à Mediação, especialmente o recrutamento, a seleção, a formação e o treinamento de mediadores, a divulgação, interna e externa, das vantagens da mediação e o apoio técnico e operacional aos magistrados que assim o solicitem.
Na ocasião, foi escolhida a cidade-satélite de Taguatinga – DF para abrigar o projetopiloto,
que funcionava dentro do fórum local.
2. O SISTEMA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Historicamente, estamos acostumados a ouvir que na fase de ausência de um Estado organizado os conflitos eram resolvidos pela imposição da vontade do mais forte ou pela concessão de uma parte. É o momento em que o “homem é o lobo do homem”, conforme Hobbes, ou no qual se estabelece a guerra fraticida pela morte do pai, no mito presente no livro “Totem e Tabu”, de Freud2. A isso se chamou autotutela ou autodefesa.
Como eram as próprias partes que resolviam seus conflitos, diz-se que havia autocomposição. Com o tempo, as decisões passaram a ser tomadas por um grupo especial (sacerdotes, chefes, anciãos e etc) cujas decisões possuíam caráter obrigatório, surgindo, assim, o que chamamos heterocomposição, ou seja, a resolução de uma questão por meio de valores impostos por um terceiro.
Com o fortalecimento do Estado e a necessidade da proteção e garantias à pessoa, surgem os direitos de liberdade do indivíduo e o princípio do devido processo legal que, preservado na atual Constituição brasileira, garantem que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5º, LIV), sendo garantido contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ele relacionados (art. 5º, LV). Com isso, surge a idéia de que somente pelo processo judicial, no qual certos pressupostos, direitos e garantias estivessem presentes, é que os conflitos poderiam ser resolvidos.
No entanto, com o tempo, o aumento de garantias e direitos e com a ineficácia social em conter diversos tipos de conflitos, antes sujeitos ao controle da própria comunidade, o processo judicial passou a ser o meio de resolução de todo e qualquer tipo de conflito e, conseqüentemente, mostrou-se incapaz de oferecer uma resposta adequada e em tempo hábil a todos eles3. Assim, passou-se a acreditar que o problema seria o próprio processo, que polarizaria as partes e estabeleceria uma posição de competição destrutiva. Em conseqüência, passou-se a acreditar também que o novo paradigma seria a busca pela colaboração e pelo compromisso e o abandono das tendências de rivalidade e competição inerentes ao processo judicial4. Isso fez com que ganhassem importância os chamados métodos alternativos (negociação, mediação, conciliação, arbitragem), então conhecidos pela sigla ADR (Alternative Dispute Resolution), reconhecida mundialmente desde a década de 70.
A partir da década de 70 do século passado, formas autocompositivas e heterecompositivas são redescobertas e ganham força como métodos válidos para a resolução de conflitos. No Brasil, porém, apesar de a conciliação estar presente desde as Ordenações do Reino somente a partir da década de 90 é que negociação, mediação, e arbitragem passaram a ser considerados como formas de resolução de conflito. Quanto a isso, Grinover:
se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes.
Apesar de terem surgido como forma de se evitar um judiciário lento e moroso, a idéia de alternatividade está perdendo terreno, pois ela pode levar a crer que esses métodos seriam penas subsidiários ao processo judicial, pois, de acordo com Costa:
[a] noção de que é preciso valorizar métodos alternativos significa um reconhecimento que o modo jurisdicional é o mecanismo padrão de resolução (grifo no original)
Ocorre que essa constatação não espelha a realidade, pois os métodos não judiciais, como simples instrumentos na resolução de conflitos também podem ser úteis para certas tarefas, mas inúteis ou até perversos para outras8 constituindo-se, conjuntamente à adjudicação, em possibilidades de administração e resolução de conflitos de acordo com suas peculiaridades. Assim, atualmente, há uma forte tendência de se abandonar a expressão meios alternativos em prol de meios privados ou extrajudiciais, para o que antes eram os ADR, ou sistema de resolução de conflitos, para englobar toda a gama de possibilidades e métodos disponíveis, inclusive o processo judicial.
Ou seja, as pessoas podem lidar de diversas formas com o conflito: podem, por exemplo, evitá-lo, não se posicionando e mantendo-se neutras; isolando-se e não conversando ou afastando-se e encerrando o relacionamento. Podem, ainda, ceder ou se sacrificar para manter o relacionamento, satisfazendo os interesses de uma outra pessoa à custa de suas próprias necessidades9 numa autocomposição clássica.
Podem, no entanto, usar a negociação, processo pelo qual as próprias partes interessadas (ou seus representantes) buscam alcançar um intercâmbio de valor capaz de satisfazer os interesses de todos envolvidos, entendendo-se valor como a substância, o meio de troca ou o bem da vida em questão10. Nesse caso, a negociação é tida como o meio mais informal e célere do sistema, pois nela não existem regras, tradições, fórmulas, métodos racionais ou o poder de uma autoridade, cabendo às partes total controle sobre o procedimento e o resultado final. A negociação, porém, possui duas abordagens:
a. Distributiva: cada lado busca maximizar seus ganhos à custa do outro, de forma que ambos querem ganhar ou não deixar que o outro satisfaça seus interesses. Ou seja, quanto mais um ganha, mais o outro perde. Nela as partes tomam posições, abandonam, tomam outras, sucessivamente, até chegarem a um acordo aceitável11 mas a tomada de decisões é difícil e demorada, pois, para aumentar as chances de um acordo favorável, os negociadores partem de posições extremas e vão fazendo pequenas concessões, apenas na medida necessária para manter o processo em andamento. Como as partes se vêem como adversários, é comum o uso de técnicas desleais para obter maiores concessões e, por outro lado, protegerem-se.
b. Cooperativa: busca-se aqui ampliar a extensão das alternativas, de forma que as necessidades de todos sejam satisfeitas da melhor forma possível, insistindo-se em resultados baseados em padrões justos para produção de um acordo satisfatório.
A cooperação tem muitas vantagens: baixo custo operacional; possibilidade de soluções criativas e desnecessidade de se pautar as ofertas em parâmetros apenas legais. Além disso, o relacionamento entre as partes tende a melhorar, pois todos os interesses são considerados de forma a não restar litigiosidade remanescente.
Às vezes, porém, as partes envolvidas em conflito podem necessitar da ajuda de um terceiro, razão pela qual podem fazer uso da mediação e da conciliação, métodos autocompositivos pelos quais alguém de fora do conflito, de forma neutra e imparcial, colabora para que as partes cheguem a um resultado satisfatório.
Pessoas em conflitos podem decidir também por métodos que diminuam seu controle sobre o resultado final e aumentem o poder de decisão de terceiros14. Nesse caso, podem escolher a arbitragem ou o processo judicial, métodos baseados em decisões de competição, ou seja, em que quanto mais uma ganha mais a outra perde. Apesar de ambos serem heterocomposição, a arbitragem é um processo privado no qual um terceiro, imparcial, escolhido pelas partes, toma uma decisão de caráter obrigatório, isto é, com a mesma força de uma sentença judicial. No processo judicial, uma autoridade institucionalizada (juiz), com poder de coerção e atuando como representante do Estado, emite uma decisão de caráter obrigatório (sentença) dentro de um processo em geral público.
Graficamente, o sistema atual em vigor no Brasil pode ser assim exemplificado:
SISTEMA DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS
Autocomposição Mais informal Negociação, Mediação e Conciliação Heterocomposição Mais formal Arbitragem Processo Judicial
Tavares e Cooley apresentam outros métodos: o ombudsman, mini-trial, summary jury trial e rent a judge, todas possíveis de serem aplicadas ao sistema nacional, por ausência de vedação, porém técnicas mais comuns no sistema norte-americano, razão pela qual não são aqui apresentadas.
Diante de todas essas possibilidades passa a ser importante ao profissional jurídico identificar cada um desses métodos, suas características, especialidades e os tipos de conflitos a ele direcionados. Considerando o objeto de estudo do presente trabalho, passa-se agora ao estudo da mediação.
Por Bárbara Diniz
Fonte: Revista de Direito dos Estudantes da UnB