quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A conciliação e sua efetividade na solução dos conflitos

Conciliar é legal
A ministra Ellen Gracie Northfleet, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), lançou o programa “Conciliar é Legal”, medida que potencializa e legitima as ações que vêm sendo implementadas pelo Poder Judiciário, no objetivo de difundir e demonstrar o poder da conciliação na resolução dos conflitos judiciais.

A vida forense diária ensina que a melhor sentença não tem maior valor que o mais singelo dos acordos. A jurisdição, enquanto atividade meramente substitutiva, dirime o litígio, do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos, mas na imensa maioria das vezes, ao contrário de eliminar o conflito subjetivo entre as partes, o incrementa, gerando maior animosidade e, em grande escala, transferência de responsabilidades pela derrota judicial: a parte vencida dificilmente reconhece que seu direito não era melhor que o da outra, e, não raro, credita ao Poder Judiciário a responsabilidade pelo revés em suas expectativas. O vencido dificilmente é convencido pela sentença e o ressentimento, decorrente do julgamento, fomenta novas lides, em um círculo vicioso.

Na conciliação, diferentemente, não existem vencedores nem perdedores. São as partes que constroem a solução para os próprios problemas, tornando-se responsáveis pelos compromissos que assumem, resgatando, tanto quanto possível, a capacidade de relacionamento. Nesse mecanismo, o papel do juiz não é menos importante, pois é aqui que ele cumpre sua missão de pacificar verdadeiramente o conflito.

No âmbito da Justiça Federal, as iniciativas voltadas à conciliação são relativamente recentes. Não há tradição de acordo nas causas que envolvem os entes públicos, que tramitam nos foros federais. Sempre sob o pressuposto de que o interesse público é insuscetível de negociação, os órgãos e entes da administração recusaram sistematicamente as tentativas de solução conciliatória dos processos, mesmo se a derrota na ação fosse iminente e mais prejudicial aos cofres públicos.

Quando da instalação dos Juizados Especiais Federais (JEFs), em 2002, e diante da expressa previsão legal de que a União, suas autarquias, fundações e empresas públicas poderiam solucionar as demandas judiciais por acordo, implementaram-se, com bastante expressão, por iniciativa do Judiciário, as tentativas de conciliação. Os resultados começaram a surgir, inicialmente de forma tímida, aos poucos, com maior expressão, e não ficaram restritos às ações dos JEFs. Dentre as iniciativas que tiveram êxito, na Justiça Federal, destacam-se as conciliações nas demandas dos financiamentos da casa própria, nos processos de cobrança de crédito comercial, nos processos de FGTS, nas execuções fiscais e nas ações previdenciárias de concessão e de revisão de benefício. Está em desenvolvimento, atualmente, projeto de conciliação nas desapropriações intentadas para a duplicação da BR 101, no Estado.

O sucesso destas iniciativas, porém, tem estado na dependência da disposição e do empreendedorismo de alguns procuradores e representantes dos entes públicos, que, rompendo com a costumeira forma de lidar com os processos, convenceram-se de que os conceitos tradicionais, que levam as demandas, independentemente do custo e da razoabilidade da pretensão da contraparte, às últimas conseqüências da litigiosidade, merecem revisão.

A verdade é que a autorização legal para a conciliação não é suficiente para que a medida passe a ser admitida com naturalidade no meio jurídico. Alguns dogmas da formação dos profissionais do direito precisam ser repensados, relidos. E isto inclui rever conceitos arraigados, tanto pelos magistrados, como pelos advogados, membros do Ministério Público e, especialmente, pelos representantes da administração pública.

Não é costume, na formação do jurista, o ensino da conciliação. Os cursos de direito e a própria doutrina reverenciada nos bancos das universidades cultuam a litigiosidade, a partir de uma concepção puramente formal dos mecanismos da ampla defesa e da própria atividade jurisdicional.

Esse caminho é seguido, com lamentável convicção, pela administração pública e por seus representantes judiciais no dia-a-dia dos processos. Protegendo-se na “indisponibilidade do interesse público”, insurgem-se indefinidamente contra reiteradas decisões judiciais, recusando-se a conciliar. A postura de renitência, embora busque justificativa no princípio da legalidade, não o implementa na prática e, para piorar, agride o princípio da eficiência, que teve que ser levado ao texto da Constituição para que dele se ocupasse a administração.

Não se vulnera o interesse público com a conciliação. Onde está escrito na lei que a Administração, em nome do “interesse público” não pode reconhecer direitos, pelo simples fato de terem sido demandados judicialmente? O que impede o reconhecimento em juízo do eventual erro administrativo? Onde entra o exame dos riscos e dos ônus de uma demanda perdida, à qual aportam todos os ônus da sucumbência e da mora? O manto da indisponibilidade do interesse público não é suficientemente grande para proteger de tantas indagações e inconsistências o administrador público e o seu representante judicial, quando se recusam a pôr termo aos processos fadados ao insucesso.

A iniciativa do CNJ, ao lançar o programa pela conciliação, não apenas estimula e orienta os órgãos judiciários neste caminho, mas também exorta as autoridades públicas e a comunidade jurídica em geral para a necessidade de revisão de seus dogmas. Conciliar é legal, não apenas porque traz maiores benefícios às partes e efetividade às demandas judiciais, mas também porque tem justificativa na lei e na Constituição.

É certo que nem sempre a conciliação será o mecanismo apto a solucionar os processos. Situações há que demandam a atividade substitutiva do Poder Judiciário – o julgamento - para balizar os comportamentos. Mas a conciliação sempre deve ser a primeira alternativa e a mais estimulada, como instrumento de grande potencial que é para a pacificação dos conflitos.

Por Taís Schilling Ferraz
Fonte: CBMAE

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