Doutrina
Sumário: artigo escrito em dois segmentos – Particularidades da Mediação Familiar, de autoria de Tania Almeida e O instituto da Mediação Familiar como instrumento de concretização da Guarda Compartilhada, por Samantha Pelajo.
Em Particularidades da Mediação Familiar: (i) as novas configurações familiares e sua legitimidade; (ii) a família como um sistema interativo e como um contexto social de construção de sujeitos;(iii) a adequação do enfoque multidisciplinar na abordagem dos temas relativos à família;(iv ) o litígio como forma de vínculo; (v) as redes sociais e os estudos sobre gênero; (vi) as repercussões físicas, emocionais e sociais da abordagem puramente jurídica dos temas familiares; (vii) o instituto da Mediação; (viii) a especial sintonia da Mediação com as questões familiares; (ix) a Mediação nas separações e nos divórcios; (x) a Mediação nas situações de partilha de bens; (xi) a Mediação e a violência intrafamiliar; (xii) a Mediação e as empresas familiares.
Em O instituto da Mediação Familiar como instrumento de concretização da Guarda Compartilhada: (i) o contexto constitucional; (ii) a previsão legal da guarda compartilhada; (iii) a guarda compartilhada em casos de consenso; (iv) a guarda compartilhada em casos de dissenso; (v) as possíveis formas de dissenso; (vi) a previsão legal de equipe interdisciplinar; (vii) o instituto da Mediação de Conflitos e os princípios constitucionais; (viii) o instituto da mediação familiar como instrumento concretizador da guarda compartilhada nos casos de dissenso; (ix) a importância dos advogados na mediação.
PARTICULARIDADES DA MEDIAÇÃO FAMILIAR
Considerações Iniciais - as novas configurações familiares e sua legitimidade A história social da família tem o dinamismo correspondente a cada momento de sua existência e inclui mudanças na configuração familiar e na conjugalidade com uma velocidade coerente com cada época. O homem tenta adequar-se à celeridade das mudanças que caracteriza a contemporaneidade e busca soluções novas para os novos eventos, numa tentativa cuidadosa de conciliá-los – novos eventos e novas soluções.
A família deste início de século XXI é plural em sua configuração e comporta, com legitimidade, matizes em sua composição, funcionamento e valores. Casais com ou sem filhos, casados ou não, uniões homoafetivas ou heteroafetivas; pessoas sozinhas e independentes de parceria conjugal ou parental articulam entre si ou com o entorno, dessemelhanças em termos de credo, etnia, cultura, idioma, idade e possibilidade socioeconômico-cultural constroem famílias cada vez mais singulares.
O modelo-padrão aplicado à configuração familiar, no último século – pai, mãe e filhos em um mesmo espaço físico, convivendo em harmonia - foi substituído por diferentes modalidades, mantendo, no entanto, a idéia da convivência harmônica. O modelo que anteriormente constituiu-se regra, em termos de prevalência, deixa de sê-lo. O que antes foi exceção, hoje sobressai em termos numéricos.
Esse mosaico interativo composto pelas mais diferentes pessoas, contextos e desenhos de convivência passa a solicitar leituras e abordagens ímpares para as suas particularidades. É exigência da contemporaneidade acolher as diferenças como legítimas e, por conseqüência, reconhecer legitimidade em cada singular composição familiar.
A família como um sistema interativo e como um contexto social de construção de sujeitos
Entender a família como um sistema interativo implica em considerar a interdependência social e funcional entre seus membros. Casais conjugais – marido e mulher – e casais parentais – pai e mãe – organizam-se em um mesmo sistema social, ainda que em espaços físicos distintos. Um par pode independer do outro ou com o outro guardar estreita articulação e convivência.
É certo, no entanto, que este contexto onde filhos se integram, de famílias biparentais ou monoparentais, constitui-se celeiro para o crescimento social de novos sujeitos, que ampliam com sua presença os elos de convivência e de interdependência. Sem dúvida, é de extrema relevância esse cenário que primeiro recebe os indivíduos após seu nascimento e que se dispõe a socializá-los para a vida, com toda a responsabilidade e suporte que essa tarefa implica.
O ciclo vital familiar, que se inaugura no momento em que o projeto família é colocado em prática e finaliza com a morte daquela geração que inaugurou aquele ciclo, contempla diferentes etapas. Essas etapas demarcam os distintos momentos de vida de seus integrantes – nascimento, crescimento, entrada no mercado de trabalho e saída de casa, para os filhos; ascensão profissional, aposentadoria, saída dos filhos de casa e envelhecimento, para os pais – e são cenário para questões alinhadas com esses
momentos.
As intervenções no contexto familiar precisam sempre considerar suas repercussões positivas e negativas sobre esse universo de pessoas, em especial sobre os filhos, sujeitos em formação, e sobre os seus diferentes personagens em seus particulares momentos do ciclo de vida. Sobre cada família em seu especial momento e com seu especial conjunto de integrantes, nossas intervenções provocarão distintas repercussões.
A adequação do enfoque multidisciplinar na abordagem dos temas relativos à Família
Em contexto tão diversificado, as intervenções multidisciplinares ganham especial aplicabilidade. Primeiro, porque qualquer intervenção, sobre qualquer dos integrantes da família, repercutirá sobre todos: visão sistêmica da família. Segundo, porque em sistema tão diverso, nenhuma questão resulta monotemática.
Nenhuma questão é puramente legal, econômica, social ou emocional. Mesmo que em sua origem sejam monotemáticas as questões, suas repercussões serão, sempre, capilarizadas e multifacetadas quando têm a família como cenário.
Precisam ser multifocais as lentes daqueles que intervêm sobre as questões familiares, em especial, nas situações de controvérsia. O olhar multidisciplinar para as controvérsias familiares possibilita identificar seus diferentes matizes e mapear os aspectos prevalentes em sua construção, com o objetivo, inclusive, de eleger as melhores estratégias de abordagem. A identificação desses aspectos prevalentes na construção das controvérsias familiares possibilitará focá-los como alvos primários da intervenção eleita.
Como especialistas, somos responsáveis pela abordagem que elegemos e que indicamos para tratar de uma questão familiar, assim como por sua estratégia de condução. E, por conseqüência, somos também co-responsáveis pelos resultados que a intervenção venha a provocar. O litígio como forma de vínculo Por ser uma relação social culturalmente determinada a ter continuidade no tempo, a relação familiar inclui, por vezes, a não-aceitação do desfazimento de seu vínculo.
Quando os sujeitos integrantes de relações familiares optam por romper com seus elos afetivos ou funcionais, eles administram a desconfortável situação de estarem caminhando na contramão da cultura.
Andar na contramão da cultura implica em ser chamado à atenção, ser desprestigiado e desqualificado por alguns com respeito a uma determinada escolha. Por esse e por outros motivos, o turbilhão emocional que as desavenças familiares provocam nas pessoas direta e indiretamente envolvidas, inclusive naquelas do entorno social e cultural, busca e encontra inúmeras saídas. Uma dessas saídas é manter o vínculo por
meio da litigância.
Somos nós, os profissionais desta área, aqueles que devem identificar a existência do litígio como forma de vínculo, com vistas a fazer indicações de intervenção que não alimentem e nem ignorem essa forma peculiar de se relacionar.
Nessa direção, a ampliação dos nossos conhecimentos e a crescente tenuidade das fronteiras entre as disciplinas têm tornado imperativa a necessidade das abordagens multi e interdisciplinares. Estamos cada vez mais trabalhando em equipe e aprimorando nossos saberes para cuidar de forma holística das questões que se nos apresentam.
As redes sociais e os estudos sobre gênero
Outros temas que têm sido articulados aos estudos sobre a família são: o das redes de pertinência ou redes sociais e o das peculiaridades ligadas ao gênero – masculino e feminino.
A tudo que foi dito anteriormente precisamos acrescer: (i) que as famílias, assim como outros grupos onde estamos inseridos socialmente, nos dão suporte como se formássemos uma rede; (ii) que cada família tem seu particular sistema de crenças e valores, construído socialmente em uma determinada cultura e em um determinado momento; (iii) que cada indivíduo de cada família também se constrói diferenciado socialmente, ainda que pertencendo a um mesmo nicho familiar; (iv) que ao masculino e ao feminino que nos marca biologicamente, articulam-se estilos de atuar na vida, como demonstram os estudos sobre gênero, incluindo maior ou menor subjetividade, maior ou menor objetividade, maior ou menor pró-atividade, dentre outras distinções.
Mais singulares, impossível! Não só fisicamente impressionamos pela nossa dessemelhança. Também funcionalmente podemos nos extasiar com as nossas diferenças e possibilidades.
Socialmente, formamos grupos, além do familiar, que são as nossas redes de pertinência - grupos de trabalho, de amigos, religiosos, grupos dedicados a um determinado esporte ou torcedores de um eterminado clube esportivo, de profissionais, de idéias políticas, e tantos outros. Com esses grupos sociais mantemos um grau maior ou menor de fidelidade e uma certa e limitada autonomia. Não podemos nos distanciar demasiado de suas crenças e valores sem que negociemos esse distanciamento, sob pena
Por Tânia Almeida
Fonte: CNJ
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