quarta-feira, 20 de março de 2013

Vício e Carro Ok

Imagine a seguinte situação hipotética:
João compra, na concessionária, um veículo 0km para utilizar em seu trabalho de taxista.
Ocorre que o veículo, desde que saiu da loja, apresenta inúmeros problemas que fazem com que o carro não ande.

João pretende ingressar com uma ação para proteger seus direitos e, por isso, procura a Defensoria Pública. Você, como Defensor Público, irá prestar assistência jurídica a ele, mas, para tanto, precisa saber responder as seguintes perguntas:

João poderá se valer do Código de Defesa do Consumidor, mesmo tendo adquirido o veículo para uso como táxi?
SIM. A jurisprudência do STJ vem decidindo que a aquisição de veículo para utilização como táxi, por si só, não afasta a possibilidade de aplicação das normas protetivas do CDC.
Isso porque o STJ adota a teoria finalista de forma abrandada (teoria finalista mitigada).
Assim, o profissional pode ser considerado consumidor, desde que demonstrada sua vulnerabilidade diante do caso concreto.

João, ao falar do problema de seu carro, sempre utiliza a expressão “defeito”. Para fins de direito do consumidor, trata-se realmente de “defeito”?
NÃO. Juridicamente falando, segundo a concepção majoritária, o problema apresentado no carro de João classifica-se como “vício” e não “defeito”.

Vício
Defeito
Vício é a inadequação do produto ou serviço para os fins a que se destina.
Ex: Paulo compra um Playstation e ele não liga.
Defeito diz respeito à insegurança do produto ou serviço.
Ex: Paulo compra um Playstation, ele liga o aparelho, começa a jogar e, de repente, o videogame esquenta muito e explode, ferindo-o.

Qual é o tipo de vício de que trata o caso? Onde está a previsão legal?
Trata-se de um vício do produto (vício de qualidade), previsto no art. 18 do CDC:

Art. 18.  Os  fornecedores  de  produtos  de  consumo duráveis  ou  não  duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Quais as providências iniciais que João pode adotar?
1ª providência: exigir que o fornecedor sane o vício no prazo de 30 dias.
Ex: conserte ou troque as peças do carro.
Obs: o contrato pode estipular um prazo diferente para o cumprimento dessa providência, sendo ele de, no mínimo 7 e, no máximo, 180 dias.

2ª providência: não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 dias, pode o consumidor exigir uma das três opções abaixo:
a) A substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso.            Ex: quero outro carro 0km.
Tendo o consumidor optado por essa alternativa e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo de pedir uma das outras alternativas abaixo.

b) A restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos. Ex: quero meu dinheiro de volta.

b) O abatimento proporcional do preço.
Ex: eu aceito que o carro fique fazendo esse barulho, mas quero um desconto.

O consumidor não precisará esperar os 30 dias e poderá “pular” a 1ª providência e fazer uso imediato de uma das três alternativas acima explicadas sempre que:
• se tratar de produto essencial; ou
• em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou as características do produto, ou diminuir-lhe o valor.

João já deu o prazo de 30 dias e o carro não foi consertado. Você explicou para ele as três opções disponíveis e ele escolheu a restituição da quantia paga (alternativa b), ressaltando ainda que ele teve prejuízos extras pelo fato de não ter podido ganhar dinheiro como taxista durante esse período. Qual ação deverá ser proposta?
Ação de indenização cobrando o valor pago mais os lucros cessantes.

Contra quem poderá ser ajuizada?
No caso de vício do produto, a responsabilidade é solidária entre todos os fornecedores, inclusive o comerciante.
Segundo o STJ, todos aqueles que participam da introdução do produto ou serviço no mercado devem responder solidariamente pelos vícios que apresentarem (REsp 1.077.911/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 4/10/2011).
Logo, a ação poderá ser proposta contra a concessionária (vendedora, fornecedora direta) e também contra o fabricante do veículo 0km.

Obs: no caso de fato do produto (defeito de segurança – art. 12), o comerciante não responde solidariamente, mas sim de forma subsidiária (art. 13).

FATO do produto
VÍCIO do produto
O comerciante tem responsabilidade SUBSIDIÁRIA.
O comerciante tem responsabilidade SOLIDÁRIA.

É possível a condenação também do fornecedor em danos morais nesses casos?
É possível, apesar de não ser comum. Para que haja a condenação em danos morais é necessário que o caso apresente peculiaridades que demonstrem que o consumidor teve sofrimento intenso decorrente dessa situação e não apenas um mero aborrecimento.

Processo a que se refere essa explicação:
STJ. Quarta Turma. REsp 611.872-RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 2/10/2012.
Fonte: Dizer o Direito

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