sexta-feira, 4 de abril de 2014

Modelo de práticas colaborativas deve preservar relação social

Novas fronteiras 
As chamadas “Práticas Colaborativas no Direito de Família” receberam, em 2013, o respeitável prêmio Innovare na categoria advocacia.

O prêmio prestigia práticas inovadoras que aumentem a qualidade da prestação jurisdicional e que contribuam para a modernização da Justiça brasileira, demonstrando, ainda, o rico e diversificado trabalho realizado, no país, pelos advogados, juízes, promotores de Justiça, Tribunais e defensores públicos[1].

A despeito da premiação, muitos advogados e profissionais da saúde têm questionado qual seria a real inovação trazida pelas práticas colaborativas, ou mesmo quais seriam as suas efetivas diferenças em relação ao que vem sendo praticado há anos em nosso sistema jurídico, que igualmente comporta e prestigia composições. Afinal, muitos processos judiciais terminam em acordos ou são apresentados para pronta homologação; outros são rapidamente concluídos por vias extrajudiciais (cf. Lei 11.441/07).
Este artigo se propõe a tentar responder, mesmo que de forma não exaustiva, esse questionamento.

Inicialmente é necessário esclarecer que o termo práticas colaborativas decorre da tradução do termo em inglês Collaborative Practice. Também há referência, no plano estrangeiro, aos termos Collaborative Law e Collaborative Advocacy, ou seja, direito colaborativo e advocacia colaborativa, respectivamente. O termo práticas colaborativas encerraria um conceito mais amplo, guarda-chuva, porquanto relativo a diversos profissionais atuando em conjunto, ao passo que a advocacia colaborativa, por via reflexa, encerraria a atuação do advogado dentro desse cenário global.

Essa denominação partiu de um advogado norte-americano, Stu Webb, que após anos atuando como advogado de família tradicional — ou seja, seguindo os ritos processuais consagrados pela tradição jurídica americana — passou a se autodenominar um advogado colaborativo, na medida em que deixou de seguir a ritualística processual tradicional — representativa essencialmente da atuação perante o Judiciário —, para tentar solucionar todos os seus casos de forma exclusivamente dialogada, portanto, em sua visão, de forma eminentemente colaborativa — não competitiva, não adversarial.

Ou seja: para o fundador dessa abordagem — a qual futuramente passou a ser considerada efetivamente um novo método de resolução de conflitos —, os términos de relacionamento e suas nuances deveriam ser tratados de uma forma diferente daquela outra por ele, e por seus pares, habitualmente conhecida.

Não se tratava — como não se trata, ressalto — de uma forma melhor em contraposição a uma forma pior, de uma forma justa ou boa em contraposição a uma forma injusta ou má, apenas de uma forma diferente, de uma nova forma.

Para ele, a maneira mais adequada de se tratar de uma separação ou de um divórcio não deveria ocorrer mediante a sustentação de posições antagônicas, de argumentos e mais argumentos legais, que gerariam contra-argumentos e mais contra-argumentos — por mais éticos ou jurídicos que ambos fossem —, nem tampouco por meio de barganhas ou mesmo mediante imposição de decisões judiciais ao cabo de processos legais.

Para Webb, a maneira mais adequada de se cuidar de uma separação ou de um divórcio se daria por meio da reconstrução do diálogo — muitas vezes falido — entre as pessoas envolvidas, mediante a prática e treinamento da escuta — muitas vezes esquecida ou nunca sequer ativada —, do incremento na forma de comunicação — por vezes abandonada —, da descoberta de opções e alternativas negociadas — das mais variadas possíveis —, de modo que o término do relacionamento representasse, além de uma fase natural da vida, uma oportunidade de aprendizado, evolução e, até mesmo, de autoanálise e reconhecimento profundo de corresponsabilidades para o auto- crescimento.

Para ele, essa forma de atuação também preservava mais a família, assim como gerava menores sequelas emocionais aos filhos, quando existentes, ao ex-casal e às pessoas indiretamente relacionadas.

Stu Webb também observou, como seria natural de se esperar, que nem todos os casais desejavam se submeter a esse método conversacional e reflexivo, que não é nada simples ou fácil, bem como alguns advogados também resistiam ou não consideravam essa forma de atuação, preferindo seguir os trâmites consagrados pelo sistema processual posto, que dominavam com mais habilidade e viam como mais efetivo.

No fundo, como dito, não se tratou da criação de um método melhor, como se aquele existente não fosse correto ou fosse ruim. Tratou-se da criação de um método diferente e desenhado para casais que vissem e sentissem no processo de diálogo, fora da ritualística processual típica, uma maneira mais adequada, menos tensa e impositiva de solução de suas desavenças. De novo: o método era amoldado a um determinado perfil de cliente.

Fundamental dizer que se juntou à abordagem de Stu Webb a ideia de interdisciplinariedade, trazida pela psicóloga Peggy Thompson e pela advogada Pauline Tesler.

Por essa ideia de interdisciplinariedade, o procedimento colaborativo também deveria contar com a presença de dois profissionais da saúde — conhecidos como coaches —, um para cada parte; com um especialista em crianças e adolescentes — neutro — e um financista — também neutro —, além, claro, de dois advogados colaborativos (um para cada parte).

Todos esses profissionais — ou parte deles —, atuando com o sentido de equipe, auxiliariam as partes — sem prejuízo de cada advogado e coach permanecer ao lado de seu cliente — a construir — ou reconstruir — um canal de diálogo capaz de levá-los a entendimentos mais profundos acerca de suas reais necessidades, expectativas, temores, desilusões etc., tudo para, ao final, chegarem a um acordo sustentável e durável.

Mesmo para casais que não estivessem com um nível de litigiosidade latente, ou mesmo para casais que, em tese, tivessem os termos de composição praticamente definidos ou desenhados, a formação dessa equipe colaboraria na avaliação das decisões propostas, de forma a maximizar sua adequação, tanto para o casal em si, quanto para os terceiros correlacionados, a exemplo de filhos, avós, amigos etc.

A propósito, parte-se da ideia de que não é pelo fato de as partes estarem de acordo com um termo de composição que seu conteúdo seja o mais adequado, pois muitas vezes o ajuste é feito levando-se em conta reflexos velados de medos e inseguranças, por vezes invisíveis a olhos não especialmente treinados e que, em pouco tempo, desabrocham na forma de arrependimento ou novos conflitos.

Um paralelo exemplificativo seria o da construção de uma casa. Uma casa desenhada por um arquiteto, erguida por um pedreiro, pintada por um pintor, decorada por um decorador, tende a gerar um resultado final mais adequado do que uma casa desenhada, construída, pintada e decorada por um desses profissionais isoladamente.

Assim, um termo de composição construído por uma equipe interdisciplinar tende a ser mais abrangente e adequado — gerar potencialmente menos ruído e ampliar seus benefícios — do que um termo formatado de maneira monofocal.

Ou seja: não caberia apenas aos advogados tratar do divórcio, como sendo um fenômeno exclusivamente jurídico, pois esse não o é. O divórcio também possui um conteúdo igualmente emocional, psicológico e até financeiro, a motivar a participação de diversos especialistas, de distintos olhares — se possível, conjuntos. E, é claro, que com isso todos ganham em termos de qualidade, profundidade e especificidade.

Ademais, todos esses profissionais não são apenas especialistas em suas respectivas áreas de atuação, pois também estão capacitados e treinados a se relacionar entre si de modo a harmonizar situações de tensão, absorver momentos críticos, ensinar novas formas de comunicação aos seus clientes, tudo para tentar dar o mais completo suporte àqueles inseridos em um cenário de insegurança e incerteza, que é justamente o terreno do divórcio. Uma equipe que funciona oferecendo informações sem propor ou decidir, preservando com os envolvidos a autoria pelas soluções propostas.

Abordagens multidisciplinares já vinham integrando algumas práticas sem, no entanto, conferir um caráter interdisciplinar aos aportes dos distintos profissionais atuantes no caso — saberes que conversam entre si e se redesenham, em função da mútua influência de suas especificidades na vida dos envolvidos em um divórcio.

Portanto, é de se observar que as práticas colaborativas, tal como importadas dos Estados Unidos, Canadá e diversos outros países, inovam, em solo brasileiro, ao representar uma abordagem antes não feita com essa estrutura, metodologia e organização.

E, ressaltando, não se trata de se buscar acordos — judiciais ou extrajudiciais —, tão somente; não se trata de evitar o encaminhamento do conflito ao Judiciário, tão somente; não se trata de verificar os rigores da eticidade, probidade e boa-fé, tão somente. Trata-se disso tudo, mas também de se permitir uma análise multifocal, em inter-relação especializada, no formato de algo próximo ao conceito de time — nada obstante seja preservada a relação advogado-cliente e coach-cliente.

Enfim, algo até então não praticado aqui no Brasil em termos de metodologia e de compromisso contratual.

Também deve ser esclarecido que a opção pela via processual típica não é afetada. As partes sempre poderão escolher levar suas questões a um órgão decisor. A única ressalva que se faz é em relação ao advogado que se oferece para um procedimento colaborativo.

É esperado e exigido, contratualmente, que o advogado colaborativo decline da atuação judicial naquele específico caso. Isso porque, a ideia parte de se formar uma ponte de confiança e de abertura entre todas as pessoas envolvidas. Mas esse impeditivo somente nasce a partir do momento em que o advogado aceitar essa regra e firmar um documento em tal sentido.

Atualmente, no Brasil, estão tendo início os cursos de capacitação nessa metodologia. Advogados, profissionais da saúde — como psicólogos, assistentes sociais e psiquiatras —, especialistas em crianças e adolescentes e financistas estão se capacitando e se organizando para oferecer esses serviços a seus clientes. Palestras de sensibilização vêm sendo proferidas por todo o país. Muitos profissionais têm demonstrado abertura e contentamento com a oportunidade de enriquecerem e ampliarem suas práticas respeitando a atuação contenciosa como possibilidade, especialmente quando essa é a vontade das partes, ou mesmo quando os elementos do caso apontam para completa ineficácia do diálogo construtivo.

A prática também chega em excelente momento, na medida em que há um grande movimento, tanto por parte do Ministério da Justiça, quanto pelo Conselho Nacional de Justiça, para que as partes busquem formas alternativas ou adequadas de solução de conflitos.

Concluindo, as práticas colaborativas representam mais um método colocado à disposição das pessoas. Sua aplicação não está restrita apenas à obtenção de acordos, a se evitar o encaminhamento de casos ao Judiciário ou se evitar discussões ou desgastes, como se fosse direcionada apenas a casos em que a litigiosidade está diminuída ou não é latente. Mesmo casais com altíssima litigiosidade podem se valer das práticas colaborativas, desde que se empenhem a envidar esforços para a composicão norteada pelo benefício mútuo, objetivo maior dessa abordagem.

As práticas colaborativas estão assentadas em um time de atuação que prestigia um olhar multifocal e interdisciplinar, formado por profissionais habilitados a auxiliar na construção de consenso e no fomento do diálogo como meio de obtenção de composições duráveis e que respeitem profundamente as peculiaridades de cada situação, independentemente da complexidade ou dificuldade que as questões ou as pessoas possam apresentar ou mesmo que o relacionamento possa revelar.

Nas práticas colaborativas a construção de consenso não é suficiente. Trabalha-se, igualmente, para preservar a relação social entre os envolvidos e para manter o diálogo entre eles, elementos fundamentais à preservação dos relacionamentos, tal como redesenhados, e das futuras negociações.

Por Marcello Rodante é advogado colaborativo e membro do International Academy of Collaborative Professionals (IACP)
Fonte: ConJur

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