segunda-feira, 13 de abril de 2015

Novo CPC não reabre discussão sobre rescisória de sentença arbitral

Sem alterações
Recentemente, foi publicado no ConJur um artigo em que se busca reabrir a discussão sobre cabimento de “ação rescisória” de sentença arbitral à luz do Novo Código de Processo Civil[1].
Tendo em vista o considerável número de compartilhamentos do texto, entendo necessário demonstrar que a tese ali ventilada, que incita dúvidas, não encontra respaldo normativo-doutrinário-jurisprudencial.
Em síntese, sustenta o autor que teriam ocorrido alterações nos artigos que tratam da rescisória, da coisa julgada e dos títulos executivos judiciais.
Nesse sentido, o artigo 966 do NCPC estabelece que “A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida”, de modo que, na concepção do articulista, “a redação atribuída ao caput do artigo 966 cria um flanco para que paire uma dúvida objetiva sobre o cabimento de ação rescisória da sentença arbitral. Afinal, a sentença arbitral é decisão de mérito. E mais, a sentença arbitral normalmente não é passível de recurso, portanto, se enquadra perfeitamente na definição do artigo 520 do novel Código”.
Além disso, fundamenta-se em novo dispositivo que admite ajuizamento de “ação rescisória” para desconstituir título executivo judicial “fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatível com a Constituição Federal, em controle de constitucionalidade concentrado ou difuso” (art. 525, §§ 12º e 15º do NCPC).
Por último, defende que a redação do artigo 966, inciso II, do NCPC, que trata do cabimento da rescisória nos casos em que a decisão rescindenda tenha sido “proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente”, fala em “juízo”, o que poderia incluir o juízo arbitral.
No entanto, esses argumentos, com todas as vênias, não se sustentam e o autor parte de premissas equivocadas.
A primeira é de que teria havido substancial inovação ao prescrever "decisão" de mérito, em vez de "sentença" de mérito. Na verdade, a doutrina e a jurisprudência[2], há muito tempo, já defendem que a expressão "sentença" no artigo 485 do atual CPC deve ser entendida de forma ampla, abrangendo todo provimento judicial decisório (decisão monocrática ou colegiada, final — sentença — ou interlocutória), desde que seja de mérito.
O professor Barbosa Moreira (tratando do art. 485) diz que é possível, por exemplo, rescisória contra acórdãos (destacando que este é o caso mais comum), contra decisões de Presidentes de tribunais, contra decisão interlocutória que decide liquidação de sentença, porque, desde que, independentemente de serem interlocutórias (e recorríveis mediante agravo), sejam de mérito. Também ressalta a rescindibilidade de acórdãos proferidos em julgamentos de agravos de instrumento que tenham decidido o mérito da causa[3] (em nota de rodapé, ainda faz referência a Antonio Carlos Araújo Cintra, a Araken de Assis e a Athos Gusmão Carneiro que defendem o mesmo entendimento).
No mesmo sentido, o professor Alexandre Câmara (também acolhido nas notas de rodapé pelo professor Barbosa Moreira) expressamente defende o que se diz aqui:
“Outro ponto a ser observado a respeito do cabimento da ação rescisória se refere aos atos judiciais que através dela podem ser impugnados. Fala o caput do art. 485 do CPC em sentença de mérito. Ocorre que a palavra sentença está, aí, empregada em sentido bastante amplo, a querer significar provimento judicial.
Deste modo, é perfeitamente possível o cabimento da ação rescisória contra acórdãos (e, aliás, pode-se mesmo arriscar dizer que é mais frequente – sic - a utilização da ação rescisória contra acórdãos que contra sentenças). E também contra decisões interlocutórias é cabível a ação rescisória, desde que esse provimento verse sobre o meritum causae. (...) 

Por esta razão é que parece mais adequado falar-se, na interpretação do caput do art. 485, não em sentença, mas em provimento judicial. Sempre que se usar, pois, nesta obra, a palavra sentença, deve ser ela entendida em sentido amplo, para abranger também os demais provimentos judiciais (salvo quando expressamente indicado de forma diversa).”[4]
Da mesma forma, em nada se inova ao falar em "juízo incompetente". Afinal, a doutrina também já criticava, há muitos anos, o uso da expressão "juiz incompetente", uma vez que a incompetência recai, em regra, sobre o órgão ("juízo")[5], e não sobre a pessoa. Basta relembrar que a competência é “o conjunto de limites dentro dos quais cada órgão do Judiciário pode exercer legitimamente a função jurisdicional”[6].
Assim, nesse ponto também não há qualquer novidade substancial, tendo havido somente duas correções técnicas/terminológicas já defendidas pela doutrina e acolhidas pela jurisprudência.
Consequentemente, não se pode defender qualquer mudança em relação à rescindibilidade de sentença arbitral com base nesses fundamentos, que permanecem idênticos ao que se tem no atual CPC. Ou seja: ubi eadem ratio, ibi idem ius.
Em relação à rescisão de título executivo judicial, quando o STF haja declarado, em controle concentrado ou difuso, a inconstitucionalidade do ato normativo em que se fundou (arts. 525, §§ 12º e 15º, e 535, §§ 5º e 8º, do NCPC), aí sim há verdadeira inovação, porque essa previsão normativa atualmente não existe, tendo sido consagrada pelo STF[7], mas com certa vacilação nos dias atuais[8].
Entretanto, o artigo 1.061 do NCPC parece ter esclarecido a questão acerca do cabimento de rescisória em relação à sentença arbitral, ao modificar a redação do artigo 33, parágrafo 3º, da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/96), determinando que "A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser requerida na impugnação ao cumprimento da sentença, nos termos dos artigos 525 e seguintes do CPC, se houver execução judicial".
Ou seja, enquanto o atual artigo 33, parágrafo 3º, da Lei 9.307/96 estabelece redação análoga, aplicando o artigo 741 do atual CPC, o NCPC nada mais faz do que atualizar a referência para o artigo 525 do NCPC, mantendo o procedimento ordinário de declaração de nulidade da sentença arbitral:
Atual redação: “Art. 33. A parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos nesta Lei.
§ 1º A demanda para a decretação de nulidade da sentença arbitral seguirá o procedimento comum, previsto no Código de Processo Civil, e deverá ser proposta no prazo de até noventa dias após o recebimento da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento.
§ 2º A sentença que julgar procedente o pedido:
I - decretará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, incisos I, II, VI, VII e VIII;
II - determinará que o árbitro ou o tribunal arbitral profira novo laudo, nas demais hipóteses.
§ 3º A decretação da nulidade da sentença arbitral também poderá ser argüida mediante ação de embargos do devedor, conforme o art. 741 e seguintes do Código de Processo Civil, se houver execução judicial.”
Dessa forma, se no atual sistema não se admite ação rescisória, pelo procedimento específico de declaração de nulidade previsto no artigo 33, também não parece ter havido substancial alteração para que se passe a admiti-la:
“Ação rescisória dirigida contra sentença arbitral proveniente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem. Alegação de violação aos Princípios da Ampla Defesa e Contraditório. Entendimento desta Relatora quanto ao insucesso da pretensão autoral. A Lei de Arbitragem não prevê a possibilidade de uso de ação rescisória em face de sentença arbitral. O que o referido diploma permite em seu Artigo 33, caput e § 1º, é a possibilidade de a parte interessada requerer ao Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, sendo certo que tal demanda deverá seguir o procedimento comum e ser proposta no prazo de até 90 (noventa) dias da notificação da sentença arbitral ou de seu aditamento. De outro lado, o Artigo 485, do Código de Processo Civil, ao tratar da ação rescisória, estatui expressamente as hipóteses em que poderá haver rescisão da sentença de mérito transitada em julgado, não havendo em seus diversos incisos qualquer referência à possibilidade de utilização de ação rescisória em face de sentença arbitral, sendo incabível qualquer interpretação extensiva nesse sentido. Inadequação da via eleita. Acolhimento integral do Parecer do Ilustre Procurador de Justiça. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO, na forma do Artigo 267, inciso VI, do CPC.”
(TJ/RJ – AR nº - DES. CONCEIÇÃO MOUSNIER - Julgamento: 07/05/2012 - VIGÉSIMA CÂMARA CÍVEL)
Por fim, somem-se a esses argumentos (desfavoráveis à rescisória de sentença arbitral) mais dois: o primeiro é o da impossibilidade de verificação do órgão competente para julgamento da rescisória, já que é o Tribunal que proferiu a decisão rescindenda ou o que seria competente para julgar o recurso de apelação (ou análogo, como o ROC)[9].
Com efeito, não é possível enquadrar a rescisória da sentença arbitral em qualquer uma dessas hipóteses, o que demonstra a inviabilidade sistêmica de considerá-la admissível.
O segundo — e mais forte — é o Enunciado 203 aprovado pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis, no Rio de Janeiro, em 2014 (já com a redação final do NCPC): "Enunciado 203: (art. 966) Não se admite ação rescisória de sentença arbitral. (Grupo: Arbitragem)".
O objetivo desse Fórum é, antes mesmo de o Novo CPC entrar em vigor, consolidar entendimentos sobre suas normas, a fim de facilitar sua aplicação quando finalmente acabar o período de vacatio legis, em março/2016 (a data exata certamente gerará discussões).
Para isso, qualquer professor, mestre ou doutor em Processo pode comparecer ao Fórum e propor Enunciados. Os Enunciados são votados em Colegiados divididos por matérias e, posteriormente, numa Sessão Plenária (como o nome sugere, com todos os integrantes).

São cerca de 500 pessoas por Encontro e para que um Enunciado seja aprovado é preciso que a votação seja unânime na Sessão "Parcial" (“Sessão da Seção”) e também na "Plenária". Ou seja, um só voto, de um dos cerca de 500 processualistas é suficiente para vetá-lo.
Assim, todos os Enunciados aprovados foram fruto de intenso debate por grandes pensadores do nosso processo civil, de modo que se trata de verdadeiro ponto de partida para o início de aplicação/estudo do Novo CPC.
Com isso, o entendimento apresentado pelo autor do artigo não encontra respaldo no NCPC, tampouco na doutrina ou na jurisprudência.
Logo, uma coisa é discutir o acerto do entendimento que veda a rescisória para a sentença arbitral (que me parece correto, pela especialidade da Lei 9.307/96, que prevê o procedimento ordinário de nulidade do art. 33); outra bem diferente é dizer que houve alteração legislativa a justificar seu cabimento.
Por essa razão, esperamos que não se reabra discussão já sepultada há muito tempo, prestigiando-se os acertos e correções do Novo CPC.

[1] http://www.conjur.com.br/2015-abr-07/cesar-machado-cpc-deixa-flanco-rescisoria-sentenca-arbitral
[2] "A decisão interlocutória só é passível de impugnação por meio de ação rescisória quando houver abordado questão de mérito da ação” (STJ - AgRg no AREsp 203.279/MG, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe 08/11/2012).
[3] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565. 17ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 111 e 112-114.
[4] CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, 55-56.
[5] “3. Impedimento do juiz e incompetência absoluta do juízo (...) Não só do juiz impedido trata o inciso II do art. 485. Também ali se afirma a rescindibilidade do provimento emanado de juízo absolutamente incompetente.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Idem, p. 64-65.
[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil : volume 1. São Paulo: Atlas, 2012, p. 106. No mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil, vol. I. Salvador: JusPODIVM, 2012, p. 133.
[7] “(...) Consolidada jurisprudência desta Corte no sentido da inaplicabilidade da Súmula 343/STF quando a matéria versada nos autos for de cunho constitucional, mesmo que a decisão objeto da rescisória tenha sido fundamentada em interpretação controvertida ou anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental conhecido e não provido.” (RE 567765 AgR, Relator(a):  Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 16/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 03-05-2013 PUBLIC 06-05-2013)
[8] “(...) 1. Se a decisão foi proferida com base na jurisprudência do STF vigente à época, ainda que tal entendimento seja posteriormente alterado ou ainda que haja precedente contemporâneo em sentido contrário, não se pode dizer que a decisão impugnada tenha violado literal disposição de lei. 2. In casu, incide a Súmula 343 deste Tribunal, a qual dispõe que “não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”, cuja aplicabilidade foi recentemente ratificada pelo Plenário deste Tribunal, inclusive quando a controvérsia de entendimentos se basear na aplicação de norma constitucional (RE 590.809, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 24/11/2014). 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AR 1959 AgR, Relator(a):  Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 10/03/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-058 DIVULG 24-03-2015 PUBLIC 25-03-2015)
“(...) AÇÃO RESCISÓRIA – VERBETE Nº 343 DA SÚMULA DO SUPREMO. O Verbete nº 343 da Súmula do Supremo deve de ser observado em situação jurídica na qual, inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda.” (RE 590809, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 22/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-230 DIVULG 21-11-2014 PUBLIC 24-11-2014)
[9] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, vol. V: arts. 476 a 565. 17ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 199-202.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Ação rescisória. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, 41-42.
Por Felipe Barreto Marçal
Fonte: ConJur

Um comentário:

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