quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Criar a mentalidade de conciliar leva muito tempo

Conflito de interesses

O Judiciário brasileiro encontra-se mergulhado no que se pode chamar de crise multifacetada, caracterizada por tensões de eficiência e de identidade da Justiça. A eficiência é comprometida pelo déficit qualitativo e quantitativo referente à prestação jurisdicional, que, analisada sob o ponto de vista da eficácia e da efetividade, está longe de ser satisfatória. A identidade, por sua vez, encontra-se sob sério risco, na medida em que o papel de vetor de transformações sociais e instrumento de solução de conflitos com eficácia para a pacificação social também está esmaecido e sensivelmente comprometido.

O presente artigo analisa aspectos pontuais dos mecanismos de resolução integrativa de conflitos enquanto tentativa de solução das referidas crises. A chegada da chamada terceira onda de acesso à Justiça parece apontar para a superação do modelo de solução adjudicada pela autoridade estatal, ainda amplamente adotado, sobretudo nas ações previdenciárias, dado o marcado cunho social.

Todos os caminhos passam pela releitura dos papéis da Justiça, do poder público e dos advogados. Nesse contexto, uma variável relevante no processo de alavancagem da autocomposição é também a política de elevação dos patamares financeiros das propostas conciliatórias.

Mecanismos Alternativos de Resolução de Conflitos
O modelo tradicional de solução de conflitos empregado pelo Poder Judiciário, detentor do monopólio da jurisdição, coloca as partes em um verdadeiro duelo, uma vez que predispostas em lados antagônicos no processo judicial, acirrando o preexistente estado de tensão em que um ganha e o outro perde, quando ambos não perdem. Na autocomposição, inverte-se essa lógica, pois o que se tem é o chamado “ganha-ganha”: ambas as partes saem vencedoras.[1]

Com a conciliação abre-se uma nova e mais eficaz técnica de gestão do processo, que é a consensual, possibilitando ao Poder Judiciário prestar um serviço mais qualificado e melhorar o atendimento e o nível de satisfação dos seus usuários.

A conciliação, enquanto via integrativa e democrática de solução de conflitos,[2] para além de reduzir a demanda de processos, o que é apenas uma consequência, apresenta a vantagem da verdadeira pacificação social. A melhor sentença não possui o valor de um acordo. Na sentença, o Estado-juiz se substitui à vontade das partes, mas não soluciona o conflito subjetivo destas, gerando, muitas vezes, ainda maior conflituosidade.[3]

A locução mecanismos alternativos talvez não seja hoje a mais apropriada se considerarmos que: 1. incumbe as partes, enquanto senhores da disputa, em primeiro plano, o dever de a ela por fim;[4] 2. oferecem mais vantagens do que a solução adjudicada; e 3. passam a ser, enquanto política pública instituída (CNJ, Res. 125/2010), prioridade para o Poder Judiciário.[5]

O que se busca com a conciliação é conferir aos cidadãos o direito de participação ativa na resolução de seus conflitos, proporcionando o crescimento do sentimento de responsabilidade civil, de cidadania e de controle sobre os problemas vivenciados. A possibilidade de solução consensual do litígio reflete-se positivamente na qualidade de vida da população, na ampliação do acesso à Justiça, na conscientização sobre direitos e no pleno exercício da cidadania. Constitui, em última análise, ampliação do acesso à Justiça e instrumento de plenitude democrática.

Conciliar é ato de desprendimento. Por meio da conciliação resgata-se o outro, o ser humano, há uma acentuada preocupação com o futuro das partes, seus valores e problemas em seus mínimos e às vezes imperceptíveis aspectos.[6]

Conciliar é também uma arte. Demanda técnica apurada. O papel do conciliador é estimular as pessoas a chegarem aonde elas querem estar, é estimular a comunicação, o diálogo e o entendimento, dizia o saudoso professor Warat.[7] Para bem desempenhar esses misteres precisa estar tecnicamente preparado.

O grande problema que se tem a enfrentar é a reinante cultura de litigância. Incutir a mentalidade consensual é um trabalho de longo prazo. Deveríamos nos preocupar com essa questão desde o ensino fundamental de nossos jovens, mas, ao menos, no ensino jurídico, que não educa para a pacificação social, mas para litigar, dever-se-ia estudar, como disciplina obrigatória, as formas consensuais de solução dos conflitos ou de autocomposição.[8] Sobretudo, precisa o Poder Judiciário compreender que fazer justiça não pressupõe necessariamente predispor as partes na condição de vencido e vencedor; que é mais importante restaurar a harmonia entre as partes do que acirrar seus conflitos e ressentimentos.

É de fundamental importância a cooperação entre os diversos atores envolvidos no sistema judicial, incentivando a implantação de novos métodos de solução de conflitos, em especial a conciliação, antes ou depois de ajuizada a ação. Além da mudança de cultura, faz-se mister que os usuários da Justiça revejam suas orientações criando também políticas institucionais de incentivo e incremento das conciliações. E mais, precisam preparar seus quadros funcionais, notadamente seus prepostos, representantes e procuradores para enfrentar essa nova realidade que se apresenta como via inequivocamente mais racional e democrática para a prevenção e a solução de litígios.

O Poder Público e as conciliações
A grande maioria dos processos da Justiça Federal advém do Poder Público Federal, com 77% do total de processos dos 100 maiores litigantes da Justiça (68% no polo passivo). O INSS é o maior litigante nacional (22,33%) e também o maior da Justiça Federal (43,12%).[9]

Essa litigiosidade contra o Poder Público se deve ao tratamento tendencioso das pretensões na via administrativa, sobretudo ao equívoco dessa instância de limitar a exegese da lei à sua literalidade, vale dizer, de olvidar os demais métodos interpretativos existentes, especialmente os filtros constitucionais que a todos os intérpretes vinculam.

É censurável a prática comumente empregada pelo Poder Público de resistir às legítimas pretensões que lhe são dirigidas na via administrativa para obrigar o interessado a residir em juízo e depois obter um acordo com renúncia de parte do direito. Isso é inaceitável, mas ocorre com frequência. Avulta o papel do juiz em coibir tal prática, que viola os princípios que norteiam a atividade administrativa: moralidade e boa-fé, principalmente.

Por outro lado, a simples judicialização de uma pretensão legítima não impede a sua satisfação. Não fica obstado, nem dependente de autorização, o acordo que tenha por objeto uma pretensão que administrativamente poderia ter sido atendida. Basta a boa vontade e o maior zelo com a coisa pública.

Sobre a transação nos processos em trâmite na Justiça Federal, destaca-se um aspecto que é de fundamental relevância: é preciso romper com o mito da indisponibilidade dos direitos tutelados pela Administração Pública. O que é indisponível é o interesse público, que não se confunde com o interesse de determinado órgão ou entidade administrativa. Interesse público é o da coletividade como um todo. Mas a indisponibilidade do interesse público não veda o reconhecimento de direitos legítimos, nem a renúncia a determinadas posições jurídicas quando não se revelem a este lesivas. A coletividade tem interesse em atender aos justos pleitos de seus membros em face do Estado, com a brevidade que um acordo proporciona.

Haveria interesse público no pagamento de vultosas quantias a título de juros moratórios insertos nas condenações judiciais? É certo que não. Os juros milionários que são anualmente pagos pela Fazenda Pública em decorrência de condenações judiciais oneram a coletividade e poderiam ser evitados, se (1) não houvesse recalcitrância em atender pleitos legítimos na via administrativa e (2) procurasse a Fazenda Pública acordar com os demandantes para deles eximir-se satisfazendo as pretensões antes da condenação.

Há ainda outra variável que conspira favoravelmente à conciliação por parte do Poder Público: o elevado gasto com a sua advocacia contenciosa, que poderia ser melhor utilizada em lides de verdadeiro interesse público.

Por qualquer ângulo que se examine a questão, vai-se concluir que o custo-benefício da manutenção de certas demandas, como as previdenciárias, por exemplo, é mais negativo aos cofres públicos do que a adesão aos programas de solução consensual. Optar pela solução adjudicada mediante sentença estatal é, por assim dizer, um péssimo negócio para o Poder Público.

O problema da intransigência do Poder Público em firmar acordos no âmbito judicial tem a solução dependente de uma mudança nas políticas institucionais e, em boa medida, de atitudes mais corajosas dos procuradores públicos.[10] Basta ver que em algumas localidades os acordos acontecem e em outras não. Da insistência do juiz e das tratativas que este pode e deve entabular com os procuradores e advogados também é dependente o bom resultado.

O novo papel do advogado na conciliação
Os advogados, de sua vez, alguns intransigentes e refratários à ideia de solução consensual, precisam compreender que todos ganham quando se consegue evitar a judicialização do conflito (função primeira do advogado) e, depois, não sendo possível, quando se busca a solução do litígio pela via autocompositiva. Nunca se pode colocar o interesse próprio (do advogado) acima do interesse do cliente (parte). O advogado tem, na conciliação, a oportunidade de antecipar no tempo o recebimento de seus honorários.

A tônica das soluções consensuais, que deverá nortear as atividades do Poder Judiciário neste início de milênio, parece ampliar o espectro das atribuições dos advogados. Acresce-se às hoje desempenhadas, na defesa do direito e enquanto atividade essencial à administração da Justiça, a orientação, extra e endoprocessual, para a solução consensual, que constitui um trabalho imprescindível e relevante, sobretudo com vistas a possibilitar que o cliente retire o máximo de proveito das negociações. Por isso, também o advogado deve estar qualificado para atuar na audiência conciliatória.

Sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário
Sensível à problemática do Poder Judiciário, por meio da Resolução 125, de 29 de novembro de 2010, o CNJ instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, dispondo que aos órgãos do Poder Judiciário incumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.

Para os juízes, especialmente na Justiça Federal, os esforços no sentido de obter um acordo entre as partes para pôr fim ao litígio mediante solução consensual deixaram de ser uma faculdade para se tornarem uma obrigação que a todos vincula com caráter cogente. Passam a ser um dever inerente ao cargo. Até porque a existência formal de uma Política Pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses (conciliação) repercute no patrimônio jurídico de todos os litigantes, aperfeiçoando o direito subjetivo de ter o litígio de que é parte submetido a uma solução pela via autocompositiva.

A partir do advento da Resolução 125/10-CNJ, instituindo a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, os Tribunais estão obrigados à criação de estruturas apropriadas à sua efetivação, a saber: Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos e Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania — Cejuscon.[11]

Destaca-se a proposta de ampliação da atuação do Poder Judiciário por meio da criação dos Cejuscons, que deverão, nos moldes dos tribunais ou foros multiportas, prestar aos cidadãos uma maior gama de serviços, tais como orientação jurídica e para o pleno exercício da cidadania, como, por exemplo, o encaminhamento aos órgãos e entidades públicas, como Justiças Estadual e do Trabalho, INSS, Receita Federal, Polícia Federal, AGU, Defensoria Pública, Incra, Conselhos Profissionais, Universidade etc, sendo imprescindível firmar com estas convênios de mútua cooperação.

Para viabilizar a ampliação dos serviços prestados devem os Tribunais prover os Núcleos e os Cejuscons de recursos humanos e materiais adequados. Incumbe-lhes, por conseguinte, investir na formação de juízes, servidores e conciliadores, promovendo cursos e treinamento de capacitação, nos moldes preconizados pela Resolução 125/10-CNJ.

O juiz será avaliado para fins de promoção ou remoção por merecimento em razão da sua atuação em conciliações. Portanto, faz jus às condições para o desenvolvimento do trabalho que vai habilitá-lo a uma melhor avaliação (pontuação) promocional na carreira. É importante que isso ocorra porque certamente as conciliações, enquanto ampliação das técnicas de gestão do processo, devem, num primeiro momento, aumentar o volume de trabalho dos juízes.

Será também da responsabilidade dos tribunais criar e manter um banco de dados contemplando as atividades do Núcleo e de cada Cejuscon, para seu controle próprio e de forma a alimentar o banco de dados nacional, que ficará a cargo do CNJ, possibilitando assim correções e adequações na Política Judiciária Nacional.

Breves fundamentos conciliatórios
As conciliações se caracterizam por recíprocas concessões das partes, cada uma cedendo em relação a uma parcela do seu direito (art. 840 do CC), com vistas a pôr fim ao litígio. Nas demandas contra o Poder Público, via de regra, o autor cede quanto ao seu direito material, ou seja, abre mão de uma parcela da benesse que está postulando. O réu cede em relação ao seu direito (processual) de contestar ou recorrer, admitindo satisfazer a pretensão antecipadamente. Beneficia-se com a redução da dívida e do trabalho que representa a demanda.

As partes capazes são livres para pactuar, sendo lícito o objeto da transação, cada uma obedecendo à sua livre vontade e às suas conveniências. Cabe ao juiz apenas incentivá-las esclarecendo as vantagens da conciliação.

Não deve, por outro lado, a solução consensual implicar, com o beneplácito judicial, que apenas uma das partes abra mão do seu direito, para obter a sua satisfação sem delongas, porque mais vale um mau acordo do que uma boa demanda. A demanda nunca é boa, mas o Poder Judiciário, com todas as suas mazelas, notadamente a sua lentidão, a torna muito pior. O acordo tem de ficar bom para ambas as partes.

As variáveis que mais influem na realização de uma composição amigável por conciliação são o grau de certeza do direito e a possível demora na tramitação do processo até a efetiva satisfação do direito. Poder-se-ia acrescer aqui a resistência ou capacidade de a parte esperar pela tramitação normal do processo até que possa efetivar eventual sentença que lhe favoreça.

Há na matéria o que se pode chamar de paradoxo da eficiência: quanto mais eficiente e ágil for a unidade jurisdicional, menor será a probabilidade de a parte-autora optar por uma solução consensual. É que, enquanto não invertermos a lógica que tem presidido as conciliações no Poder Judiciário, pautada na necessidade de a parte ter de abrir mão de uma parcela do direito para obter a sua satisfação imediata, vamos conviver com dito paradoxo. Ocorre que a solução adjudicada, ao contemplar a integralidade do direito, em certos casos, torna-se financeiramente mais vantajosa, ainda que mais demorada.

Havendo relevância na pretensão, a ponto de constituir um temor de derrota ao réu, o campo estará fértil para uma composição amigável. O réu, certamente, não aceitará ou apresentará uma proposta conciliatória diante de um pedido infundado.

Há o que os processualistas chamam de risco ou dano marginal, que é o decorrente da duração natural do processo. Ônus que a parte-autora suporta naturalmente pela opção (ou infelicidade) de buscar em juízo a satisfação do seu direito, porque não foi atendido antes pelo demandado. Se quiser abreviar o tempo e fugir do risco marginal, é justo que abra mão de parcela de seu direito. Todavia, quanto ao tempo que constitui a demora anormal, patológica, por deficiência do poder judiciário e/ou devida à atuação da parte-ré, não deveriam os riscos que lhe são inerentes projetar-se sobre os ombros apenas da parte-autora. Não deveria a ameaça da demora constituir uma variável a ser considerada para definir o alcance e o valor de eventual acordo.

É, pois, relevante o papel do conciliador quando o litígio versa sobre prestações alimentares. Sua atuação, em boa medida, aproxima-se daquela desempenhada por um mediador, que também deve se preocupar com a qualidade da solução para as partes. No modelo acordista que adotamos no Poder Judiciário, há sempre o sério risco de o conciliador substituir com sua autoridade às vontades das partes, conduzindo-as a realizar os seus próprios objetivos (do conciliador), mesmo que lhes sejam prejudiciais.

Como bem observa Alexandre Araújo Costa, o “conciliador judicial cumpre seu papel institucional e burocrático quando o acordo é assinado e, por isso, muitas vezes, utiliza todos os meios de pressão disponíveis para fazer com que as partes aceitem algum acordo. E mais grave ainda é a distorção do papel dos juízes que, para ‘agilizar’ o seu próprio serviço, pressionam as partes, afirmando expressamente (ou quase expressamente) a uma das partes que ela deveria aceitar uma certa proposta, pois o acordo lhe seria mais vantajoso que a decisão que ele tomaria se tivesse que resolver o litígio.”[12]

A legitimidade do acordo, refere o citado autor, “é baseada na ideia de que ele é fruto de uma decisão das pessoas envolvidas, mas, por um lado, muitos acordos resultam da pressão do meio judicial (e da ignorância das partes, que potencializa essa pressão) ou de negociações em que afloram apenas os aspectos mais superficiais do conflito, pois falta ao conciliador a formação (e muitas vezes o interesse) de explorar todas as dimensões do conflito.”[13]

A oportunidade e a situação pessoal do litigante são sempre dados relevantes a serem considerados por quem atua como conciliador. Casos há em que a manifestação de vontade da parte no sentido de aceitar uma proposta conciliatória encontra-se parcialmente prejudicada (viciada) em razão de determinada situação particularizada (doença grave ou situação de miserabilidade). Em casos tais, a atuação do conciliador é importante para evitar que a parte adversa tire proveito da situação de fragilidade do outro litigante para reduzir o valor da oferta apresentada.

Conciliações nas Ações Previdenciárias
As soluções consensuais tendo por objeto direitos fundamentais da seguridade social apresentam algumas peculiaridades. Trata-se de débitos alimentares e há vinculação legal quanto ao valor dos benefícios. A margem de negociação pelas partes é sempre mais reduzida, diferentemente dos contratos bancários, em que o credor pode abrir mão de seu crédito a seu livre talante, ou de um caso de desapropriação, em que o valor da avaliação do imóvel pode oscilar conforme as flutuações de mercado, por exemplo.

Tomando em consideração a premissa de que os acordos em tema de seguridade social somente são aceitos pelo INSS quando a pretensão do autor se revele estreme de dúvidas, certa e determinada, parece não haver muito sentido em exigir-se do autor da ação, que está amparado pelo direito, porque a Justiça não tem condições de oferecer-lhe a tutela jurisdicional com a brevidade que a natureza alimentar da prestação pretendida recomenda, a renúncia de parcela do seu direito para vê-lo implementado de imediato. Não pode o autor da demanda previdenciária ser prejudicado pela mora do Poder Judiciário. Tampouco beneficiado o réu. Se o direito é inequívoco e incontroverso, apenas se teria um caminho, a sua imediata satisfação. Caberia, inclusive, a antecipação de tutela do direito incontroverso (art. 273, § 6º, do CPC: “A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”).

Mas o que se está fazendo? Diz-se assim para o autor: “Olhe, o seu direito é inequívoco, você realmente está incapaz, mas o devedor (INSS) está lhe oferecendo 80% do que você tem direito. Se você desejar receber a benesse relativa ao seu direito integralmente, terá que esperar ‘muito tempo’, uns dois ou três anos”.

Nessa hipótese, o acordo, a partir de uma proposta de redução do valor efetivamente devido, é apenas um calote chancelado pelo Poder Judiciário. O direito reconhecido precisa ser satisfeito integralmente. Os acordos com renúncia de parcela dos valores devidos somente teriam lugar quando há margem de dúvida sobre algum aspecto que compõe o direito a ser satisfeito. Por exemplo: se não há certeza sobre a data do início da incapacidade, então é razoável que as partes transijam acerca do início do cálculo das diferenças pretéritas.

Considerações finais
Com essas considerações, ao tempo em que festejo a alvissareira iniciativa do CNJ ao instituir a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, promovendo e incentivando a ampliação, por essa via, do acesso à ordem jurídica justa, auguro um novo tempo para as práticas autocompositivas, enquanto sucedâneas da tutela jurisdicional dos direitos da seguridade social, para que:

1. as conciliações passem a ser a técnica preferencial de solução dos conflitos judicializados ou não;

2. o papel dos juízes e conciliadores seja marcado pela busca de soluções consensuais mais justas, de forma a conferir maior legitimidade às práticas conciliatórias;

3. os valores objeto dos acordos, observadas as variáveis antes citadas, fiquem o mais próximo possível do valor efetivamente devido;

4. sendo incontroverso o pedido, haja reconhecimento da procedência do pedido pelo réu ou antecipação da tutela pelo juiz (art. 273, § 6°, do CPC);

5. não seja a demora patológica do processo argumento a pressionar o autor para abrir mão de parcela considerável do seu direito na audiência conciliatória.

---------------
[1] Na lição do professor Kazuo Watanabe, “a ‘cultura da sentença’ traz como consequência o aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos Tribunais Superiores, e até mesmo da Suprema Corte. Mais do que isso, vem aumentando também a quantidade de execuções judiciais, que sabidamente são morosas e ineficazes e constituem o calcanhar de Aquiles da Justiça” (Política Pública do Poder Judiciário Nacional para o Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses. In: PELUZO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Coords.). Conciliação e Mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 4).

[2] Os mais conhecidos mecanismos alternativos de resolução de disputas (MARDs ou ADRs) são a mediação, a conciliação e a arbitragem.

[3] Os mecanismos de solução alternativa de conflitos fora do âmbito do Poder Judiciário, nos moldes do sistema americano, que seriam o ideal, porque não comprometem o tempo da atividade judicial, a ser canalizada para os processos judicializados, têm como maior óbice o elevado custo. Poucos possuem condições de pagar mediadores, conciliadores ou árbitros.

[4] A solução adjudicada pela autoridade estatal, mediante sentença, deve sempre ocorrer em caráter subsidiário à iniciativa das partes para a solução do conflito.

[5] O nosso sistema processual não prevê, ao contrário de outros sistemas legais (a maioria dos sistemas estaduais germânicos e americanos), a obrigatoriedade de as partes procurarem as ADRs como condição de procedibilidade ou pressuposto para acesso à via judicial.

[6] WARAT, Luís Alberto. Surfando na Pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.

[7] WARAT, Luís Alberto, op. cit.

[8] “No Brasil há um ensino jurídico moldado pelo sistema da contradição (dialética) que forma guerreiros, profissionais combativos e treinados para a guerra, para a batalha, em torno de uma lide, onde duas forças opostas lutam entre si e só pode levar a um vencedor. Todo caso tem dois lados polarizados. Quando um ganha, o outro tem de perder.” (BACELLAR, Roberto Portugal. O Poder Judiciário e o paradigma da guerra na solução dos conflitos. In: PELUZO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Coord.). Conciliação e Mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 31)

[9] Dados disponíveis em: . Acesso em: 20 jun. 2011.

[10] Basta lembrar, exemplarmente, que tramitam hoje, nas Turmas Recursais dos JEFs da 4a Região, perto de 200 mil processos figurando o INSS no polo passivo, número expressivo que constitui um campo muito fértil para conciliações, especialmente porque em um percentual bastante elevado desses processos já existe sentença de procedência a sinalizar no sentido do bom direito a beneficiar os autores. Todos ganhariam caso houvesse iniciativa do INSS de pôr fim aos litígios apresentando proposta conciliatória.

[11] No âmbito do TRF da 4a Região, a matéria foi regulamentada pela Resolução nº 15, de 14 de março de 2011.

[12] COSTA, Alexandre Araújo. Cartografia dos métodos de composição de conflitos. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2011.

[13] Idem, ibidem.

Por Paulo Afonson Brum Vaz
Fonte: ConJur

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Esmape promove 2° Encontro Nacional Sobre o Judiciário e a Mediação

Em Pernambuco
A Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (Esmape) promove, em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado (TJPE), o “2° Encontro Nacional Sobre o Judiciário e a Mediação - Sistemas e Técnicas a Serviço da Resolução de Litígios”. Com o objetivo de debater sobre as técnicas mais modernas de solução de conflitos e trazendo palestrantes internacionais, o evento acontece nos dias 2 e 3 de setembro, no Mar Hotel, no Recife-PE. As inscrições podem ser feitas aqui. Até o dia 26 de agosto, os preços são promocionais.

“Nossa proposta é divulgar as experiências da mediação dos tribunais estaduais e federais, com a finalidade de estabelecer uma base sólida de ação junto aos principais responsáveis pela utilização da mediação como meio não adversarial de resolução de conflitos”, explica Vânia Loureiro, da Comissão Organizadora do evento. Segundo Vânia, o processo de mudança do funcionamento do Judiciário – uma instituição cada vez mais moderna e integrada – leva à construção de um novo olhar sobre o ser humano e sobre como ele resolve seus conflitos. “O evento será, portanto, palco para uma reimpostação institucional e profissional da mediação no Brasil”, conta.

O “2° Encontro Nacional sobre o Judiciário e a Mediação” é direcionado a todos os profissionais que atuam no campo da solução de conflitos, além de estudantes do tema. O evento aborda, entre outros pontos, tópicos sobre mediação familiar na Catalunha e na França, nova práticas em casos complexos, experiências nos Estados de Pernambuco e Goiás e perspectivas de futuro para a mediação no Brasil. Entre os palestrantes, estão André Gomma de Azevedo, juiz do Tribunal de Justiça da Bahia, Núria Villanueva Rey, mediadora do Departamento de Justiça da Catalunha, Joseph Stulberg, da Universidade Estadual de Ohio – EUA, e Nathalie Pignon, da França, com ampla experiência em mediação familiar no país.
Se feitas até o dia 26 de agosto, as inscrições têm 30% de desconto: custam R$ 350 para profissionais e R$ 175 para estudantes. Depois disso, o preço é de R$ 500 para profissionais e R$ 250 para estudantes.

O Encontro conta com o patrocínio da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf). Apoiam o evento a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/PE), a Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (Facape), a Associação Caruaruense de Ensino Superior (Asces), a Faculdade de Olinda (Focca), o Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco (Sintepe), a Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), a Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Igarassu (Facig) e da Defensoria Pública de Pernambuco.

Fonte: TJPE

sábado, 27 de agosto de 2011

Mediação e Conciliação: dois paradigmas distintos, duas práticas diversas

Doutrina
SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. A construção de acordos proposta pela conciliação e o privilégio da desconstrução de conflitos pretendida pela mediação. 3. A busca da satisfação individual pretendida na conciliação e a procura da satisfação mútua demandada pela mediação. 4. A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada pela conciliação e a repercussão das soluções sobre terceiros, investigada pela mediação. 5. A co-autoria de  soluções construída pelas partes e pelo conciliador e a privilegiada autoria das partes perseguida pelo mediador. 6. O atendimento monodisciplinar utilizado pela conciliação e a abordagem multidisciplinar proposta pela mediação. 7. O presente e a culpa focados na conciliação; o futuro e a responsabilidade social objetivados pela mediação. 8. A pauta objetiva destacada pela conciliação e a pauta subjetiva privilegiada pela mediação. 9. A publicidade que caracteriza a conciliação e a confidencialidade proposta pela mediação. 10. Os pareceres técnicos na conciliação e na mediação. 11. Os advogados das partes na conciliação e na mediação. 12. Considerações finais. 13. Referências bibliográficas.

1. Considerações iniciais A chegada da mediação à cultura brasileira vem se fazendo gradativamente. Um dos desafios deste percurso é estabelecer uma adequada distinção em relação à conciliação, instrumento de resolução de conflitos praticado há mais tempo. Por contemplarem ambas a construção de acordos, mediação e conciliação são, por vezes, tomadas como sinônimos. Como a cultura mundial caminha em direção à ampliação de métodos de acesso à justiça, é interessante que possamos então conhecer esta diferenciação com clareza. Visa o sistema multiportas de acesso à justiça – disponibilização de diferentes métodos de resolução

Esse é um dos benefícios dos sistemas multiportas de acesso à justiça e resolução de conflitos: possibilitar o encaminhamento da questão existente para o instrumento de resolução que ofereça maior eficácia e, conseqüentemente, maior eficiência. Se tivermos dois ternos no armário, precisamos eleger um ou outro para ocasiões que demandem o uso de traje formal. Se ampliarmos o número de ternos, podemos ad quar o modelo ao evento, à temperatura e ao horário da ocasião, assim como à maior ou menor formalidade exigida.

Apesar da finalidade conciliatória em comum, mediação e conciliação guardam distinções tão nítidas em seus propósitos e em seu alcance social que vale a pena, nesse momento em que ambas se encontram no mesmo cenário, destacá-las.

2. A construção de acordos proposta pela conciliação e o privilégio da desconstrução de conflitos pretendida pela mediação

Tanto a mediação como a conciliação têm por objetivo auxiliar pessoas a construírem consenso sobre uma determinada desavença. A conciliação tem nos acordos o seu objetivo maior e, por vezes, único. A mediação não tem na construção de acordos a sua vocação maior e, de maneira alguma, seu único objetivo.

A mediação privilegia a desconstrução do conflito4 e a conseqüente restauração da convivência pacífica entre pessoas.

Sabemos que a construção de acordos não garante que seja efetivamente dirimido o conflito entre as partes e, por vezes, chega a acirrá-lo. Todavia, a base da pacificação social reside no restauro da relação social e na desconstrução do conflito entre litigantes. A permanência do conflito possibilita a construção de novos desentendimentos ou de novos litígios; esgarça o tecido social entre as pessoas envolvidas em uma discordância e entre as redes sociais que as apóiam e das quais fazem parte. A permanência do conflito é, portanto, terreno fértil para manter latente a possibilidade de novas discórdias e o ânimo de desavença
entre os grupos sociais de pertinência dos litigantes.

Por dedicar-se ao restauro da relação social e à desconstrução do conflito – o que lhe confere caráter preventivo de amplo alcance social –, a mediação vem sendo considerada o método de eleição ideal ou mais apropriado para desacordos entre pessoas cuja relação vai perdurar no tempo – seja por vínculos de parentesco, trabalho, vizinhança ou parceria.

3. A busca da satisfação individual pretendida na conciliação e a procura da satisfação mútua demandada pela mediação

A mediação propõe uma mudança paradigmática no contexto da resolução de conflitos: sentar-se à mesa de negociações para trabalhar arduamente no atendimento das demandas de todos os envolvidos no desacordo. Na conciliação, as partes sentam-se à mesa em busca, exclusivamente, do atendimento de suas demandas pessoais.

A conciliação guarda ainda uma sintonia com o paradigma adversarial que rege toda disputa, recebendo partes voltadas a encontrar uma solução que melhor as atenda, sem se importar ou, ao menos, considerar o nível de satisfação que o outro lado venha a ter. Algumas vezes, até, os sujeitos das mesas de conciliação entendem como ganho a insatisfação que o resultado possa provocar na outra parte.

As pessoas envolvidas nas mesas de mediação são convidadas, antes mesmo do início do processo (pré-mediação), a trabalharem em busca de satisfação e benefício mútuos. Por se tratar de instrumento recente, e pautado na autonomia da vontade, a mediação é antecedida por uma etapa universalmente chamada de pré-mediação – que esclarecerá sobre os procedimentos e os princípios éticos, assim como sobre as mudanças paradigmáticas propostas pelo instrumento.

Na pré-mediação, um mediador ouve os envolvidos sobre os motivos que os trazem à mediação, a fim de identificar se a escolha do instrumento é pertinente e de eleger um mediador que guarde independência com relação às partes e ao tema. Nesta etapa, é feito o convite para um trabalho que visa atender interesses e necessidades de ambas as partes e atingir uma conseqüente postura de diálogo – não de debate -, e de colaboração – não de competição. Iniciam a mediação apenas as partes que apresentem disponibilidade para essa mudança paradigmática.

4. A repercussão das soluções sobre si mesmos cuidada pela conciliação e a repercussão das soluções sobre terceiros, investigada pela mediação.

A busca da satisfação própria pretendida pela conciliação favorece uma postura que analisa, objetiva e subjetivamente, custos e benefícios do acordado apenas em relação a si mesmo. É nessa avaliação, primordialmente, que se baseia o grau de satisfação obtido com o resultado do processo de conciliação.

Já os mediadores devem auxiliar as partes a avaliar, de modo objetivo e subjetivo, a relação custo-benefício sobre si mesmas e também sobre terceiros direta e indiretamente envolvidos, todos aqueles não presentes à mesa de negociações – filhos, empregados, parceiros afetivos ou comerciais, comunidade – que terão que administrar, também, custos e benefícios do que for acordado.

Diferentemente da conciliação, a realização do processo de mediação em mais de uma reunião é prática usual e permite que as partes possam refletir e conversar com seus pares e com sua rede social6 para com eles avaliar o alcance dessas repercussões.

As redes sociais nos oferecem suporte de diferentes naturezas. Elas são solidárias às nossas angústias e insatisfações. Com elas construímos idéias e soluções a respeito dessas angústias; com elas estabelecemos compromisso de fidelidade sobre como as coisas devem ser conduzidas; com elas necessitamos negociar eventuais mudanças ocorridas no percurso das negociações, de forma a não comprometermos a relação de cumplicidade construída.


Por Tânia Almeida
Fonte: CNJ

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Oficina aborda soluções alternativas de conflitos

Entendimento pacífico
O Centro de Referência e Apoio à Vítima, da Secretaria de Justiça de São Paulo, promoveu nesta sexta-feira (26/8), às 14h, oficina sobre meios alternativos para solução de conflitos. O tema foi abordado sob a perspectiva do trabalho de mediação de conflitos e da Justiça Restaurativa.

A socióloga Annie Dymetman, integrante do projeto de Mediação de Conflito na Casa de Mediação da Universidade São Judas, junto ao psicólogo Edmundo Barbosa Silva, coordenador do Setor de Cultura do Centro de Convivência Educativa e Cultural de Heliópolis, foram os responsáveis por ministrar as palestras.

O evento foi aberto ao público e reuniu cerca de 50 pessoas, entre parceiros da rede, estudantes e profissionais que atuam no atendimento de vítimas.
Esta foi a terceira oficina promovida pelo Centro este ano. Nas primeiras edições foram feitas discussões sobre abuso sexual infantil e os desafios de criação e manutenção de serviços e instituições capazes de atender as vítimas de violência.

Serviço:
Oficina Cravi
Data: 26 de agosto de 2011
Horário: 14h – Mediação de Conflitos / 15h – Justiça Restaurativa
Local: CRAVI — Unidade Fórum Criminal/Complexo Judiciário Ministro Mário Guimarães
Endereço: Av. Dr. Abrão Ribeiro, 313 – Barra Funda (Av. D – sala 0-429, térreo)
Telefone: 2127-9522 / 2127-9523
E-mail: cravi@justica.sp.gov.br

Forte: ConJur

A mediação judicial e o novo Código de Processo Civil

A mediação judicial e o novo Código de Processo Civil
Notícia veiculada na mídia afirmava que o governo iniciaria um debate público pela internet sobre a reforma do Código de Processo Civil (CPC) no final de março. O debate ainda não iniciou, mas todos os interessados em mediação e conciliação devem desde já ficar atentos, pois uma das mudanças propostas no novo CPC é a inclusão (oficial) dos mediadores e conciliadores como auxiliares da justiça e existem alguns dispositivos polêmicos a respeito. A fim de enriquecer o futuro debate online no site do Ministério da Justiça, do qual tenho certeza que todos os interessados leitores do blog Mediar Conflitos participarão, apresentaremos as principais propostas do Anteprojeto do novo CPC em relação à mediação.

Em junho de 2010, foi apresentado o Anteprojeto de Código de Processo Civil ao Senado, elaborado por uma comissão de eminentes juristas. Nele há a inserção da figura do mediador judicial como auxiliar da justiça (assim como já eram os peritos judiciais e os oficiais de justiça, por exemplo). Em dezembro do mesmo ano, o Senado aprovou o Anteprojeto do novo CPC, com algumas alterações:

Seção V

Dos conciliadores e dos mediadores judiciais

Art. 144. Cada tribunal pode criar setor de conciliação e mediação ou programas destinados a estimular a autocomposição.

(Texto anterior: Art. 134. Cada tribunal pode propor que se crie, por lei de organização judiciária, um setor de conciliação e mediação.)

§ 1o A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da neutralidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade e da informalidade.

§ 2o A confidencialidade se estende a todas as informações produzidas ao longo do procedimento, cujo teor não poderá ser utilizado para fim diverso daquele previsto por expressa deliberação das partes.

§ 3o Em virtude do dever de sigilo, inerente à sua função, o conciliador e o mediador e sua equipe não poderão divulgar ou depor acerca de fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação.

Art. 145. A realização de conciliação ou mediação deverá ser estimulada por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

§ 1º O conciliador poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

(Texto anterior: § 1º O conciliador poderá sugerir soluções para o litígio.)

§ 2º O mediador auxiliará as pessoas interessadas a compreenderem as questões e os interesses envolvidos no conflito e posteriormente identificarem, por si mesmas, alternativas de benefício mútuo.

(Texto anterior: § 2º O mediador auxiliará as pessoas em conflito a identificarem, por si mesmas, alternativas de benefício mútuo.)

Art. 146. O conciliador ou o mediador poderá ser escolhido pelas partes de comum acordo, observada a legislação pertinente.

Parágrafo único. Não havendo acordo, haverá distribuição a conciliador ou o mediador entre aqueles inscritos no registro do tribunal, observada a respectiva formação.

(Texto anterior: Parágrafo único. Não havendo acordo, o conciliador ou o mediador será sorteado entre aqueles inscritos no registro do tribunal.)

Art. 147. Os tribunais manterão um registro de conciliadores e mediadores, que conterá o cadastro atualizado de todos os habilitados por área profissional.

§ 1º Preenchendo os requisitos exigidos pelo tribunal, entre os quais, necessariamente, a capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada, o conciliador ou o mediador, com o certificado respectivo, requererá inscrição no registro do tribunal.

(Texto anterior: § 1º Preenchendo os requisitos exigidos pelo tribunal, entre os quais, necessariamente, inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e a capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada pelo tribunal, o conciliador ou o mediador, com o certificado respectivo, requererá inscrição no registro do tribunal.)

§ 2º Efetivado o registro, caberá ao tribunal remeter ao diretor do foro da comarca ou da seção judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que o nome deste passe a constar do rol da respectiva lista, para efeito de distribuição alternada e aleatória, obedecendo-se rigorosa igualdade.

(Texto anterior: § 2º Efetivado o registro, caberá ao tribunal remeter ao diretor do fórum da comarca ou da seção judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que o nome deste passe a constar do rol da respectiva lista, para efeito de sorteio.)

§ 3º Do registro de conciliadores e mediadores constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de causas de que participou, o sucesso ou o insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como quaisquer outros dados que o tribunal julgar relevantes.

§ 4º Os dados colhidos na forma do § 3º serão classificados sistematicamente pelo tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e fins estatísticos, bem como para o fim de avaliação da conciliação, da mediação, dos conciliadores e dos mediadores.

§ 5º Os conciliadores e mediadores cadastrados na forma do caput, se inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, estão impedidos de exercer a advocacia nos limites da competência do respectivo tribunal e de integrar escritório de advocacia que o faça. (Parágrafo acrescentado)

Art. 148. Será excluído do registro de conciliadores e mediadores aquele que:

I - tiver sua exclusão motivadamente solicitada por qualquer órgão julgador do tribunal;

(Texto anterior: I – tiver sua exclusão solicitada por qualquer órgão julgador do tribunal;)

II - agir com dolo ou culpa na condução da conciliação ou da mediação sob sua responsabilidade;

III - violar os deveres de confidencialidade e neutralidade;

IV - atuar em procedimento de mediação, apesar de impedido.

§ 1º Os casos previstos no caput serão apurados em regular processo administrativo.

(Texto anterior: § 1º Os casos previstos nos incisos II a IV serão apurados em regular processo administrativo.)

§ 2º O juiz da causa, verificando atuação inadequada do conciliador ou do mediador, poderá afastá-lo motivadamente de suas atividades no processo, informando ao tribunal, para instauração do respectivo processo administrativo.

(Texto anterior: § 2º O juiz da causa, verificando atuação inadequada do conciliador ou do mediador, poderá afastá-lo motivadamente de suas atividades no processo, informando ao tribunal e à Ordem dos Advogados do Brasil, para instauração do respectivo processo administrativo.)

Art. 149. No caso de impedimento, o conciliador ou o mediador devolverá os autos ao juiz, que realizará nova distribuição; se a causa de impedimento for apurada quando já iniciado o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com o relatório do ocorrido e a solicitação de distribuição para novo conciliador ou mediador.

(Texto anterior: Art. 139. No caso de impedimento, o conciliador ou o mediador devolverá os autos ao juiz, que sorteará outro em seu lugar; se a causa de impedimento for apurada quando já iniciado o procedimento, a atividade será interrompida, lavrando-se ata com o relatório do ocorrido e a solicitação de sorteio de novo conciliador ou mediador.)

Art. 150. No caso de impossibilidade temporária do exercício da função, o conciliador ou o mediador informará o fato ao tribunal para que, durante o período em que perdurar a impossibilidade, não haja novas distribuições.

Art. 151. O conciliador ou o mediador fica impedido, pelo prazo de um ano contado a partir do término do procedimento, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer dos litigantes.

Art. 152. O conciliador e o mediador perceberão por seu trabalho remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça.

Art. 153. As disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes.

(Texto anterior: Art. 143. Obtida a transação, as partes e o conciliador ou o mediador assinarão termo, a ser homologado pelo juiz, que terá força de título executivo judicial. - artigo excluído)
O referido projeto do novo CPC está em apreciação na Câmara dos Deputados – e ainda existem alguns dispositivos polêmicos. O § 5º do art. 147 (que impede os advogados de exercerem sua profissão nos limites da competência do tribunal no qual forem cadastrados como conciliadores e mediadores) é um desses dispositivos, pois se o projeto anterior pecava pela reserva de mercado aos advogados (já que somente os inscritos na OAB poderiam ser mediadores ou conciliadores – e quem realmente entende de mediação sabe que isso seria um despropósito), o atual aplica excessivo rigor territorial com esses profissionais.

Por Lisiane Lindenmeyer Kalil
Fonte: Mediar

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Semana de Conciliação da Comarca de Caaporã – PB.

Uma boa iniciativa que dá resultados!
A Doutora DANIERE FERREIRA DE SOUZA, Juíza Diretora do Fórum da Comarca de Caaporã - PB, tendo em vista uma demanda excessiva de processos envolvendo casos de família, registro público, interdição e demais processos que podem ser resolvidos por conciliação das partes.

Observando a orientação do CNJ, no sentido de dar maior agilidade aos processos, atender os interesses das partes envolvidas e desafogar o cartório, pois já ultrapassam 3.700 processos.

A iniciativa denominada SEMANA DE CONCILIAÇÃO DA COMARCA DE CAAPORÃ – PB, acontecerá entre os dias 12 a 16 de setembro de 2011, devendo os interessados comparecerem ao cartório e pedir para incluir o processos em pauta extraordinária de audiências com foco na conciliação.

Além da juíza DANIERE FERREIRA, poderão ser Conciliadores, o assessor do juiz, representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública, o Chefe de Cartório e os demais Técnicos Judiciários que atuam no Cartório da Comarca de Caaporã – PB.

As audiências de conciliação serão no Fórum, podendo acontecer varias audiências no mesmo dia e horário, em mesas distintas e presididas por um dos conciliadores, tudo sob a supervisão e orientação da Juíza, a qual prestará orientação e homologará os acordos celebrados.

Fonte: Fórum de Caaporã - PB

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Câmara de Conciliação da AGU precisa de mudanças

Interesse Público
O conceito de conciliação e arbitragem na esfera pública vem sendo discutido há muito, todavia, sempre esbarra em um dos dogmas do Direito Administrativo: o princípio da indisponibilidade do interesse público.

O conceito de interesse público, sem dúvida alguma é plurissignificativo como bem apontado por algumas obras do Direito, dentre elas, ganha destaque o capítulo 3 da obra Transação Tributária: Uma introdução à justiça fiscal consensual do professor Arnaldo Godoy: A busca do interesse público, em todas as dimensões, é um dever da administração. Deveria orientar a produção normativa do Poder Legislativo. Deveria fixar os parâmetros da ação e dos projetos do Poder Executivo. È o referencial para toda a atuação do Poder Judiciário. O conceito é indefinido, do ponto de vista lingüístico, nas variáveis de dicionários de equivalência. Mas é percepção de ampla inspiração democrática, de balizamento para a eficiência da Administração. Transita no tempo. Mas permanece, intuitivamente, pelo menos, como advertência para o que não se pode fazer. Vincula-se ainda à ideia de eficiência. Enfim, diz-se que o interesse público é indisponível, mesmo que não saibamos do que efetivamente se trata esse interesse público, muito menos os contornos de tal indisponibilidade.

Apenas para ilustrar, pode-se mencionar que a arbitragem como forma de resolução de conflitos em contratos administrativos já tem por parte do Superior tribunal de Justiça um delineamento: Não pode atingir o interesse indisponível do Estado.

Daí que no trabalho diário na Advocacia-Geral da União depara-se com causas bastante complexas envolvendo duas ou até três entidades com interesses “colidentes”. Basta pensar na hipótese de aproveitamento hidrelétrico em terras indígenas, ou de superposição de terras indígenas em unidades de conservação ou do reconhecimento de terras quilombolas em locais com potencial minerário, etc. Cada um desses interesses públicos é perseguido por uma entidade diferente e todas elas estão submetidas ao denominado princípio da indisponibilidade do interesse público. Nesse cenário, como as Câmaras de Conciliação e arbitragem podem entabular um acordo? Como poderá haver o consenso entre tais interesses públicos indisponíveis?

Inicialmente, deve-se mencionar que no âmbito da Advocacia-Geral da União a Câmara tem seu procedimento delineado na Portaria 1.281, de 27 de setembro de 2007 e suas atualizações. Para esse órgão, os conceitos de conciliação e arbitragem são orientados para o mesmo resultado qual seja: "técnica utilizada pelo Conciliador que aproxima os interessados, podendo apresentar sugestões, propostas, modos e formas que visem à solução da controvérsia".

Essa possibilidade de conciliação e arbitragem alcança tanto órgãos federais quanto estaduais e municipais, sendo que uma vez não alcançada a conciliação, a questão poderá ser submetida ao advogado-geral da União que arbitrará o conflito vinculando às partes a sua decisão. Já os conciliadores serão integrantes da Consultoria-Geral da União ou outros integrantes da Advocacia-Geral da União, definidos por ato do advogado-geral da União.

Na condução da conciliação, segundo o mesmo ato, os conciliadores devem ser orientar pelos meios legais e observar os princípios da Administração Pública, sendo que para tanto dispõem dos seguintes instrumentos segundo o artigo 8º da Lei: O conciliador poderá, em qualquer fase do procedimento: "solicitar informações ou documentos complementares necessários ao esclarecimento da controvérsia; solicitar a participação de representantes de outros órgãos ou entidades interessadas; sugerir que as atividades conciliatórias sejam realizadas por Núcleo de Assessoramento Jurídico ou por outros órgãos da Advocacia-Geral da União."

Por fim, note-se que consta da Cartilha da Câmara que: "As reuniões de conciliação são restritas aos órgãos da Administração Pública Federal, Estadual e Distrital, bem como entidades federais, e visam à solução de conflitos das diversas controvérsias."

Diante do quadro apontado fica a pergunta: A Câmara de Conciliação e arbitragem, na sua formatação atual, dispõem dos instrumentos ideais para lidar com a complexidade do mundo pós-moderno e dos problemas que enfretam? O arcabouço normativo rígido preso à ideia clássica de indisponibilidade do interesse público auxilia na condução dessa complexidade?

Bem, como não se trata de uma questão fácil, deve-se como sugere Mangabeira Unger proceder à denominada imaginação institucional para que se possa propor algumas modificações a formatação atual para que a Câmara tenha condições efetivas de cumprir o seu papel.

Para compor esse novo cenário, pode-se levar em consideração algumas ideias básicas como o conceito de interesse público é plurissignificativo, não há como negar que há também um interesse público na resolução de impasses institucionais, e esse interesse público tem fundamento constitucional no princípio da eficiência. Assim, a resolução do impasse do impasse institucional é um interesse público tão importante quanto aquele defendido pela entidade tutora de um determinado interesse específico. Por outro lado, para se chegar ao consenso, objetivo último da conciliação, pode-se utilizar de parâmetro as condições estabelecidas por Habermas em sua teoria da ação comunicativa. Ou seja, poder-se-ia, com base na referida teoria, propor algumas sugestões para que o consenso seja atingido com maior facilidade, mas para tanto, provavelmente uma nova estrutura deve ser delineada.

Afinal, será que no modelo atual os interessados estão na condição ideal de fala ou, no conceito de Habermas, os interessados, ao participarem da Câmara, atuam com base na racionalidade comunicativa ou com base na racionalidade estratégica? A diferença entre ambas foi bem sintetizada por Aylton Barbieri Durão: (...) a racionalidade comunicativa é empregada pelos agentes no mundo da vida e se caracteriza pela busca cooperativa do entendimento recíproco, enquanto a racionalidade estratégica, usada nos sistemas sociais, consiste na orientação da ação para o êxito a partir de uma avaliação das condições dadas na qual a ação é orientada para a busca cooperativa de entendimento recíproco) ou com base na racionalidade estratégica.

No modelo conflitual típico do processo, pode-se inferir que as partes atuam, pelo menos na maioria das vezes, com base na racionalidade estratégica, voltada exclusivamente para o êxito na demanda e essa conclusão não é necessariamente diferente quando o litigante é o poder público ou o particular. Por outro lado, no caso das Câmaras de Conciliação e Arbitragem a racionalidade deveria ser outra, pois tendo em vista o impasse institucional, os agentes envolvidos deveriam atuar em prol da busca cooperativa do entendimento recíproco. Com isso, dado os instrumentos atuais seria possível essa busca cooperativa, pois nesse contexto, os atos de fala devem ser verdadeiros, retos e sinceros, sendo que a decisão deve ser construída com base no consenso.

Com base nessas ideias, pode-se repensar o modelo de Câmara de Conciliação, traçando algumas sugestões. Inicialmente, deve-se enfatizar que tão indisponível e importante quanto os interesses defendidos circunstancialmente por determinada entidade é o interesse público na resolução de impasses institucionais. Por outro lado, diante da complexidade da sociedade ou dos problemas enfrentados na Câmara, o conciliador, para ter efetividade no seu mister, deve conhecer em profundidade o objeto de sua intermediação.

Assim, a restrição constante da Portaria de que apenas membros da Advocacia Geral da União sejam os conciliadores não parece ser um incentivo ao falante. Com isso, uma sugestão seria admitir que a conciliação seja intermediada não por um conciliador, mas por uma comissão, sendo que as partes envolvidas estariam autorizadas a indicar um representante técnico que possa facilitar a construção do consenso. A vantagem dessa comissão e que não se alcançando o consenso tal comissão seria responsável pela elaboração do parecer a ser submetido ao Advogado Geral da União para fins de arbitragem. Afinal, na atual formatação, os representantes ali constituídos, caso não entrem em consenso, poderão correr o risco de submeter o seu problema a autoridade que dificilmente conhecerá profundamente a questão, seja ela o Advogado Geral da União, seja ela autoridade do Poder Judiciário. Por fim, em casos difíceis, a conciliação pode envolver os órgãos de controle, desde que incentivados institucionalmente para contribuírem para a construção do consenso.

Além disso, na condução da conciliação, os falantes devem ter total liberdade de fala para que possam expor as dificuldades para se alcançar o consenso, e também propor soluções que esteja para além da restrição clássica do princípio da indisponibilidade do interesse público. Tal liberdade pode vir a ser assegurada, inclusive, por meio da decretação do sigilo das discussões prévias. Essa liberdade de discussão deve ser total, muito embora a decisão final deva ser publicizada.

Por fim, a possibilidade de sugestão por parte da Câmara deve ser ampla, desde a conciliação à arbitragem ou mesmo com a proposição de alguma alteração legal.

Tais medidas, não exaustivas, servem apenas para fomentar a discussão e o debate com vistas a conferir efetividade à Câmara de Conciliação e Arbitragem da Advocacia Geral da União, sendo que para essa efetivação, não se deve estar preso ao conceito rígido e fechado da indisponibilidade do interesse público, pois até mesmo o STF já admitiu que esse conceito não deve ser tão rígido assim, mas isso somente será alcançado se houver uma disposição institucional pela busca cooperativa da construção do consenso.

Enfim, a racionalidade que deve orientar as discussões da Câmara de Conciliação e Arbitragem da AGU deve ser a racionalidade comunicativa orientada pelo princípio da indisponibilidade do interesse público em resolver impasses institucionais.

Por Humberto Fernandes de Moura
Fonte: ConJur

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Mediação de conflitos: um meio de prevenção e resolução de controvérsias

Doutrina
A contemporaneidade nos coloca desafios vários. Se, por um lado, a velocidade das mudanças contribui para que o tempo médio de vida de nossas ideias fique cada vez mais curto, por outro, o avanço tecnológico e os cuidados preventivos com a saúde nos possibilitam vida mais longa. Consequentemente, é preciso confrontar mais mudanças durante o nosso tempo de existência. É preciso ser curioso na vida, revendo sempre conceitos e crenças e o que consideramos que já sabemos fazer.

Algumas ideias, como a Mediação, surgem em consonância com as necessidades da época, mas encontram sujeitos com visões ainda antigas, em processo de mudança paradigmática. Para alguns, será necessário um tempo maior de adaptação ao desconforto que o novo provoca. Para outros, a proposta soa como apaixonante, intrigante.

A Mediação chega em sintonia com seus princípios, colaborando, e não competindo, com os meios de resolução de conflitos existentes. Chega para todos os povos e para todas as condições sociais, mas não, necessariamente, para todos os temas.

Chega pretensiosa, ampliando as possibilidades de intervenção cogitadas até o momento nesse campo; dispõe-se a resolver conflitos e, também, a restaurar a relação social entre pessoas, provocando repercussões de alcance social até então não incluídas nos métodos de resolução de conflitos.

1 Este artigo integra uma coletânea organizada por José Ricardo Cunha em Poder Judiciário – Novos olhares sobre gestão e jurisdição, obra publicada pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, em 2010.

2 Pesquisadora, docente e supervisora em Mediação de Conflitos e em Facilitação de Diálogos. Diretora- Presidente do MEDIARE – Diálogos e Processos Decisórios. Médica. Pós-Graduada em Sociologia e Gestão Empresarial. Short Term Consultant do Programa de Mediação de Conflitos para América Latina do Banco Mundial. Professora convidada do Mestrado em Poder Judiciário da Escola de Direito Rio da Fundação Getulio Vargas Não faz restrições a profissões de origem nem exige formação acadêmica prévia, alargando, em muito, o painel de terceiros imparciais que podem contribuir para a pacificação social. Entrelaça disciplinas e demanda de todos os seus praticantes a ampliação de perspectivas e conhecimentos. Possibilita que um número maior de pessoas atue na facilitação do diálogo para resolver questões e, principalmente, atue preventivamente sobre temas da convivência que interferem nas relações, mas não são objeto de resolução por vias formais.

As ADRs no mundo contemporâneo A expressão Alternative Dispute Resolution (ADR) e suas traduções surgem trazendo esperanças para todos os que perceberam e percebem que os métodos de solução de conflitos, rotineiramente praticados e incorporados pelo mundo ocidental, têm-se mostrado insuficientes. Sob o guarda-chuva das ADRs, encontram-se dezenas de procedimentos que possibilitam a resolução ou o manejo positivo de conflitos, “sem recorrer à força e sem que os resolva um juiz”.

3 Nos países de língua latina, entre os quais o Brasil, utiliza-se a tradução literal ― Resolução Alternativa de Disputas (RAD), embora, em território brasileiro, as expressões Métodos Alternativos de Solução de Conflitos (MASCs) e Métodos Extrajudiciais de Resolução de Conflitos ou Controvérsias (MESCs) sejam também vigentes.

A ideia de serem alternativos estava primariamente subjacente ao método-padrão à época ― a resolução judicial. Em realidade, o Judiciário já foi uma proposta alternativa à negociação direta e ao uso da força como meios de resolução de desavenças.

É porque o homem não mostrou suficiente habilidade no diálogo direto para administrar suas diferenças, que a força passou a ser um norteador de negociação. É porque a força mostrou suas consequências para a convivência, que o homem criou as leis. É porque as leis não dão conta de resolver as controvérsias, tanto em relação à sua complexidade de composição quanto ao tempo desejado para sua resolução, que o retoma a negociação direta, assistida por terceiros, característica dos meios chamados alternativos.  

É importante mencionar que diferentes formas de negociação de controvérsias são conhecidas e utilizadas desde sempre. Tribos indígenas, comunidades religiosas e culturas orientais são exemplos de contextos que privilegiam a resolução pacífica das controvérsias, pautada no diálogo, antes mesmo do impulso adquirido pelas ADRs, na segunda metade do século passado.

O movimento social da década de 1960, que propunha mudanças paradigmáticas nas lentes de análise do comportamento humano, incentivou inúmeras novas, ou pouco usuais, possibilidades alternativas de expressão e de condutas, e se mostrou presente, igualmente, no campo da gestão de conflitos. Foram os americanos aqueles que, à época, mais se debruçaram sobre o tema, dando ênfase às ADRs.

Frank Sander (apud Highton e Álvarez, 1996:26) identificou especiais motivações para o movimento das ADRs em território americano:

(i) o descongestionamento dos tribunais, assim como a redução dos custos e de tempo na resolução de conflitos; (ii) a maior participação da comunidade nos processos de resolução de conflitos; (iii) a facilitação do acesso à justiça; e (iv) a oferta de formas mais efetivas de resolução de disputas.

O termo ADR tem sido objeto constante de reflexão ao se traduzir “alternative” por “alternativo”, vocábulo originalmente empregado pelos americanos. É necessário, a cada momento e em cada cultura, tentar compreender a intenção da escolha do termo “alternativo”.

Para a American Arbitration Association (AAA), a expressão ADR refere-se a “uma variedade de técnicas para resolver disputas sem litígio”. Em sua missão, a associação americana empenha-se em criar sistemas alternativos que atendam às necessidades das partes envolvidas em disputas. Ser uma alternativa ao litígio e  estar voltado para o atendimento das necessidades das partes é tudo o que se deseja de melhor para um método “alternativo”.

Abrigada sob o guarda-chuva das ADRs, a Mediação não se reconhece como alternativa ao Judiciário. O instituto da Mediação pode ser útil mesmo em situações em que a resolução judicial não se aplica (não constituindo, portanto, sua alternativa) ou, ainda, pode atuar de forma complementar, no sentido de prover o que falta ao Judiciário. Devemos pensar na Mediação como alternativa ao litígio, e não ao Judiciário, e considerar as repercussões de sua prática sobre o descongestionamento dos tribunais como consequência, e não como objetivo.

Mesmo com a contribuição dos franceses, traduzindo o “a” de ADRs por “amigável” ― Amicable Dispute Resolution ― referência encontrada na Câmara de Comércio Internacional sediada em Paris ―, o significado mais acolhido atualmente é “apropriado” ou “adequado”. Com o surgimento a cada dia de novos métodos, por vezes híbridos, resultantes da combinação dos existentes, torna-se possível adequar a situação-problema ao instrumento que pareça mais eficaz e eficiente. Já é vigente a prática de se desenhar, para cada questão, novos meios de resolução de conflitos, inspirados em procedimentos dos métodos conhecidos.

Os Dispute Review Boards (DRBs)4 são exemplos desta prática e têm por fim resolver controvérsias em tempo real, convocando empreendedores de grandes projetos a atuarem de maneira preventiva em relação à instauração de conflitos (ex.: a construção do Eurotúnel), pois quando a resolução do desentendimento é em tempo real, o conflito não chega a eclodir. Esta possibilidade tem sido assinalada como preventiva no campo da gestão de conflitos.

Assim, o painel dos meios alternativos de resolução de controvérsias é ampliado a cada dia. Isto ocorre em relação não só ao surgimento de diferentes métodos de resolução de conflitos em tempo real ― just in time resolution ―, mas também ao crescimento do movimento voltado ao diálogo direto ― one on one dialogue.


Por Tânia Almeida
Fonte: CNJ